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'Doutorado informal' é alternativa fora das universidades

Estudantes apostam em pesquisas autônomas, mesmo sem receber certificação; professores defendem normas formais

11 out 2014 - 07h55
(atualizado às 07h59)
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Buscando liberdade para aprender, estudantes investem em “doutorado informal”. André Gravatá, um dos idealizadores do conceito, explica que a ideia é o desenvolvimento de uma pesquisa profunda, como em um doutorado, mas por fora da estrutura universitária. O projeto foi lançado em 2012 e vem ganhando adeptos.

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Foto: Rose Mary de Souza / Especial para Terra

Depois que se formou em Jornalismo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Gravatá pensou em fazer um novo curso ou uma pós-graduação. Estudando sobre educação informal, ele viu uma alternativa à academia. “Escolhi um caminho que eu mesmo pudesse criar.” O nome foi escolhido por agregar duas palavras que estariam em lugares opostos: “doutorado”, que representaria um conhecimento profundo, ligado à estrutura universitária, e “informal” representando algo mais fluido. “Sinto que dá para fazer algo muito denso a partir de uma perspectiva desvinculada da academia.” Para ele, a sociedade não dá valor ao conhecimento produzido fora dos meios formais. “É como se não tivesse valor o conhecimento em que alguém não me aplique uma prova e me dê uma nota dizendo que eu sou bom.”

Em fevereiro de 2012, Gravatá lançou o primeiro texto em um blog em que narra as experiências de seu projeto. Anunciava que pretendia desenvolver uma pesquisa sistemática, com o auxílio de tutores. Hoje, ele utiliza o termo mentores, que cumprem um papel semelhante ao de orientadores de um curso formal, mas sem hierarquia, explica. “Há um processo maior de troca. Não é apenas transmissão de conteúdo.”

Outra característica que o estudante faz questão de salientar é que a ideia do doutorado informal ainda está em construção. Alguns conceitos vão surgindo enquanto outras propostas são abandonadas. Na primeira publicação do blog, existia o plano de submeter a pesquisa a uma banca avaliadora. Hoje ele acredita que o julgamento de sua obra deve ser feito pela sociedade. A primeira parte do trabalho resultará em um livro de ficção. Para o autor, o retorno que a publicação receber representará uma aprovação ou reprovação melhor do que uma certificação acadêmica. “Quem colocará meu trabalho em xeque são todas as pessoas. A maior certificação é se a minha pesquisa puder mudar a vida das pessoas.”

Crowdfunding financia pesquisa

Apresentado a Gravatá por uma amiga, Alex Bretas decidiu trilhar o mesmo caminho. Formado em Administração Pública, com especialização em Pedagogia da Cooperação, ele criou o projeto Educação Fora da Caixa. A pesquisa está sendo custeada com o dinheiro arrecadado em um site de financiamento coletivo ou crowdfunding. Um dos objetivos é estudar alternativas de educação, entre elas, o próprio doutorado informal. O estudante pretende apontar uma sistematização do processo. Mas ele explica que, mais do que uma metodologia, a ideia é demonstrar princípios que configurem a proposta. “Acredito que o principal seja a autonomia, a não institucionalização.” Sobre o funcionamento do doutorado informal, ele entende que cada um deve construir o seu. “Não me sinto no direito de dizer para alguém que deve seguir o mesmo formato do meu trabalho.”

Assim como o colega, Bretas deseja publicar um livro, mas de não ficção. A intenção é apresentar os resultados da pesquisa. A obra, com previsão de lançamento para 2015, será disponibilizada gratuitamente, de forma online. Aqueles que contribuíram para o projeto receberão cópias impressas. Ele também acredita que, no lugar de um título, receberá o reconhecimento dos leitores que gostarem do seu trabalho. Para Gravatá, a ideia pode parecer ingênua, mas ele defende que o estudo só se sustentará se conseguir criar uma “musculatura” que lhe dê força.

Para os entusiastas do novo formato de estudo, uma das vantagens é o aprendizado coletivo. Gravatá vê o processo como algo independente e ao mesmo tempo interdependente, já que o pesquisador cria seu caminho, mas produz conhecimento a partir das trocas de ideias com outras pessoas. Ele critica que tanto nas universidades quanto nas escolas, o aprendizado ainda é muito vertical e a autonomia não é incentivada. “O próprio aluno chega na escola esperando receber conteúdo.” Outra crítica é quanto ao compartilhamento da ciência produzida na academia. “Tem muita coisa incrível sendo criada que depois é colocada em uma estante.”

Em defesa das normas

Do outro lado, o pró-reitor de Pós-Graduação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Vladimir Pinheiro do Nascimento, defende os critérios utilizados pelos programas formais de doutorado e mestrado. Para ele, são as normas que garantem a profundidade e sustentação do conhecimento produzido e permitem que as pesquisas possam ajudar a resolver problemas da sociedade.“Tem que existir um nível de exigência. Cada área tem um padrão de qualidade.”

Professor de veterinária, Nascimento já orientou 46 estudantes de pós-graduação e não acredita que exista uma perda de autonomia nos programas formais. “A liberdade passa pelo aluno e pelo orientador. Se o doutorando não estiver satisfeito, ele pode procurar outro professor.” Ele acredita que a relação de troca também existe na academia, e o conteúdo de uma tese ou dissertação não passa apenas pelas leituras do autor, mas também pela experiência de vida.

Com um ponto de vista "conservador", como ela fez questão de salientar, a decana de pós-graduação e pesquisa científica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, Helena Bonito Couto Pereira, não acha correto o uso da palavra "doutorado" no projeto de Gravatá. “Se querem fazer algo por fora do sistema da universidade, não devem utilizar um título que faz parte do processo acadêmico.” Para a professora, a universidade tem o papel de conservar o conhecimento, o que faz com que a interação com a sociedade seja mais lenta, porém, precisa. E a produção científica é cumulativa. Helena acredita que é preciso ter calma com os resultados. “Quem faz uma tese, muitas vezes, tem a pretensão de que ela vá mudar a realidade. Não é assim.”

Apesar das críticas, outros estudantes além de Gravatá e Bretas estão interessados no "doutorado informal". Existe um grupo no Facebook, criado em julho e que contava com 1.315 participantes no fiim de setembro. Eles promovem encontros e discutem as pesquisas que estão sendo realizadas. Os temas são variados: existem projetos de engenharia, cinema, gestão ambiental etc.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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