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Do futebol ao surfe: projeto quer tirar estudantes da mira do crime

28 jan 2013 - 11h58
(atualizado às 11h59)
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Uma parceria entre o Ministério do Esporte, governos estaduais e municipais e comunidades de todo o País tem se destacado como uma política para garantir a educação de crianças e adolescentes por meio do esporte. A premissa do projeto Segundo Tempo é simples: permitir que estudantes de 7 a 17 anos pratiquem modalidades coletivas e individuais que vão do futebol ao surfe. O objetivo final é bem mais ousado: fazer com que o esporte tire essas pessoas da mira do crime e das drogas.

Em cidades praianas, como Lauro de Freitas (BA), o surfe está entre os esportes oferecidos aos participantes
Em cidades praianas, como Lauro de Freitas (BA), o surfe está entre os esportes oferecidos aos participantes
Foto: Divulgação

Um dos Estados mais engajados é o Ceará, onde todos os municípios têm ao menos um núcleo do projeto. Por meio da Secretaria do Esporte, 957 profissionais da área de educação física orientam 466 núcleos, que atendem 46,6 mil crianças. No contraturno escolar, durante duas horas em três vezes por semana, os participantes praticam duas modalidades coletivas e uma individual. Entre as opções da iniciativa cearense, estão futebol, futsal, vôlei, basquete, handebol, atletismo, surfe e xadrez.

Além disso, professores e monitores promovem atividades de recreação, como jogos e passeios. A coordenadora geral do programa no Estado, Liliane Maria Marques Benício, define o Segundo Tempo como um instrumento de transformação. "O esporte é uma ferramenta muito poderosa de inclusão social. Conseguimos fazer com que a criança esteja com professores no tempo de ócio, afastando-a de situações de risco", diz.

Convênios em todo o Brasil atendem mais de 700 mil crianças a partir de editais públicos. "Qualquer comunidade que tenha interesse pode montar um projeto e se inscrever", explica o coordenador pedagógico da iniciativa, Amauri Aparecido Bassoli de Oliveira. Segundo ele, os participantes têm acesso a teatro, dança, cinema e reforço escolar. "Esse garoto ou garota tem uma estímulo que outro não tem. Ele participa de atividades voltadas à ampliação da capacidade de cidadania. É claro que pode haver outras formas de que isso aconteça, mas o que nós procuramos fazer é potencializar as condições sociais", acrescenta.

Entre os pontos altos do programa, os coordenadores apontam a especialização dos profissionais envolvidos. Oliveira explica que todos participam de capacitações e têm acompanhamento de 50 universidades parceiras, que atendem regionalmente os convênios. "Há uma intensa produção acadêmica voltada ao programa. Temos uma rede de colaboradores que dão suporte e subsidiam esse trabalho", diz. A coordenadora do Ceará acredita que a iniciativa serve de estímulo para a formação de ainda mais profissionais da área. "Como a recomendação é de que todos os envolvidos tenham formação ou estejam estudando educação física, as universidades daqui passaram a receber muita gente em busca do diploma. Isso contribui para a qualidade das ações realizadas", afirma.

O Segundo Tempo é baseado no conceito de esporte educacional, cujo objetivo, ao contrário de grande parte de iniciativas voltadas à área, não é formar atletas. A ideia é buscar referências que insiram crianças e jovens em sua comunidade e os transformem em agentes ativos dentro do contexto em que vivem. Vitória e desempenhos excepcionais não são prioridade. "É aquele esporte ao qual todo mundo deveria ter direito. Aliás, a proposta é de que ele consiga transcender a prática e entender a sociedade, normas de convívio e relações sociais", explica o coordenador pedagógico.

Pesquisadores da Unicamp falam da relação entre esporte e educação

Em projetos de esporte educacional, alunos com potencial atlético geralmente são encaminhados para escolinhas e centros de treinamentos específicos. "O esporte pode contribuir muito para a formação, desde que seja norteado por valores adequados. Se a prática for voltada à vitória a qualquer preço, ela pode trazer consequências ruins caso o objetivo não seja alcançado. A baixa autoestima é uma delas", explica o professor da faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Paulo César Montagner.

O especialista foi orientador de uma pesquisa sobre o potencial do esporte como recurso educacional, que trata da formação de crianças e jovens da comunidade de Higienópolis, uma das maiores favelas de São Paulo. O trabalho, que faz parte da dissertação de mestrado de Leopoldo Katsuki Hirama, agora vira livro sob o título Algo para além de tirar as crianças da rua.

Em Higienópolis, a principal modalidade trabalhada era o voleibol, mas outras atividades aconteciam paralelamente Para o orientador da pesquisa, é preciso deixar claro ao aluno o motivo de ele estar lá. "Ele tem que entender o quanto está trabalhando e evoluindo", diz. O núcleo analisado, do Centro Rexona-Ades de Excelência no Voleibol terminou em 2011, mas Hirama explica que, entre o período analisado - de 2002 a 2005 - eram atendidas 400 crianças. "Iniciei a pesquisa por ter a impressão de que esse projeto fazia diferença na vida dos alunos. Existe uma falsa ideia de que não se pode exigir muito de crianças carentes, mas uma das coisas que ficou muito clara é que elas são muito exigentes e querem, sim, melhorar", diz. O estudo foi defendido em 2008 na Unicamp, e o lançamento oficial está previsto para fevereiro.

No Ceará, já foram instalados três núcleos em comunidades indígenas. Para Liliane, a iniciativa tem grande força social. Ela lembra de participantes que tinham problemas com drogas e, a partir do esporte, conseguiram mudar de realidade. "Esse é o grande sentido de todo o trabalho", diz. Para o futuro, sonha com resultados ainda mais grandiosos. "Penso no dia em que vou ouvir o nome de alguém que participou do Segundo Tempo e vai lembrar dos ensinamentos que levaram daqui. Nosso objetivo é que as crianças de agora sejam exemplos para a população", afirma.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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