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Especialistas indicam 10 razões para ampliar cotas raciais

Desigualdades sociais ligadas à questão racial ainda são um problema no País

20 jul 2015 - 13h57
(atualizado em 7/8/2015 às 08h47)
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O censo de 2010 realizado pelo IBGE apontou que a maioria dos brasileiros se declara negra: 50,7%
O censo de 2010 realizado pelo IBGE apontou que a maioria dos brasileiros se declara negra: 50,7%
Foto: VGstockstudio / Shutterstock

Questões como cotas, desigualdade salarial e de oportunidades entre etnias ainda geram polêmica, 127 anos após o fim da escravidão. No último mês de março, um vídeo gravado em uma sala de aula da Faculdade de Economia e Administração (FEA) da Universidade de São Paulo (USP) reacendeu o debate sobre os programas de cotas no País. 

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Na gravação, um grupo de jovens negros faz uma intervenção durante uma aula para falar sobre a necessidade de políticas de acesso para os negros no ensino superior e entram em discussão com os alunos da disciplina que pedem a continuação da aula. Na USP, instituição estadual, não existe um programa de cotas, como o que vigora nas federais. 

Em um país que foi o último a abolir a escravidão, especialistas apontam dez razões para ampliar as políticas de cotas raciais.

Reparação histórica

Diferentes de outros grupos étnicos, os negros foram trazidos ao Brasil contra a sua vontade. Após a Lei Áurea, também não foram desenvolvidas políticas para a inserção dos ex-escravos na sociedade. As consequências se refletiram nas gerações seguintes, que encontram dificuldades na busca por educação e inserção no mercado de trabalho.

Por isso, Lúcio Antônio Machado Almeida, professor na Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) e mestre em direito com ênfase em políticas de ações afirmativas, acredita que colocar cotas apenas respeitando a proporcionalidade de negros na população brasileira é insuficiente. “Ampliar é posicionar-se com um critério de justiça. O olhar não pode ser aritmético, como o do IBGE. É preciso equiparar uma desigualdade histórica.”

Equiparar oportunidades

O censo de 2010, realizado pelo IBGE, aponta que a maioria dos brasileiros se declara negra, 50,7%. No entanto, entre aqueles que ganham mais de dez salários mínimos, apenas 20% são negros. A proporção se repete em relação à pós-graduação. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) a perspectiva é que a renda só seja equiparada em 2040.

As políticas de cotas nas universidades têm ajudado a mudar esta realidade, comenta o professor Jocélio Teles, do departamento de antropologia da Universidade Federal da Bahia. “Entraram muito mais estudantes negros e pobres. A mudança é visível principalmente em cursos em que praticamente não existiam, como direito e medicina.” A Universidade Federal do Rio Grande do Sul, por exemplo, dobrou o número de discentes negros já no primeiro ano de cotas.

No serviço público federal, com a Lei de Cotas, o secretário-executivo da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Giovanni Hervey, projeta que, nos próximos dez anos, serão contratados, no mínimo, 50 mil negros para funções superiores do funcionalismo federal.

Promover a tolerância

Para Almeida, o racismo se tornou mais visível conforme os negros foram ganhando visibilidade em espaços e instituições que antes eram predominantemente formadas por brancos. A solução, aponta o professor, é aumentar ainda mais a diversidade nestes locais. “Existe um sentimento de revanchismo, mas a tolerância se constrói convivendo com o diferente. É preciso construir políticas inclusivas, permitindo a pluralidade.”

Equiparar a questão de gênero

Segundo o Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário médio de mulheres negras chega a no máximo 58,3% do recebido por homens brancos, colocando o grupo com os rendimentos mais baixos em relação a gênero e raça. Por outro lado, também são das mulheres negras as maiores estatísticas de desemprego, 18,1%, o dobro do índice entre homens brancos. Almeida defende que a ampliação das cotas deve também servir para promover a igualdade de gênero, além da questão racial.

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Desempenho dos cotistas

A discussão sobre as cotas costuma vir acompanhada da desconfiança de que os aprovados sejam menos qualificados que outros, tanto no mercado como no ensino superior. Almeida observa que há concursos, como os de juízes, com uma exigência muito alta e que é necessário um conhecimento bastante elevado para o ingresso, mesmo que por cotas. Na mesma linha, Harvey lembra que, em algumas faculdades, os estudantes que ingressam por cotas apresentam desempenho superior aos que ingressam pelo acesso universal.

Ganhos para a universidade

Permitir que diferentes grupos étnicos frequentem o espaço universitário não deve ser encarado apenas como um benefício para os indivíduos, mas para a universidade como um todo. Harvey aponta que, além de uma ideia conceitual, a tese se comprova pela experiência do programa até aqui. "A nota de alguns cursos passou a ser mais alta a partir do programa de ações afirmativas." Quanto ao funcionalismo público, o secretário acredita que, após a primeira década do programa, será possível avaliar o seu impacto.

Aumentar a autonomia indígena

As cotas também facilitaram o ingresso de índios ao ensino superior. Diferentemente do ingresso para negros e estudantes de escola pública, os estudantes indígenas são indicados por suas comunidades e ingressam em cursos demandados pelas aldeias. Teles acredita que as cotas aumentam a autonomia das comunidades. “São médicos, professores, advogados que retornam para suas aldeias e prestam um serviço com conhecimento acadêmico e também da cultura local.”

Fortalecer a democracia

“Não se faz política de ações afirmativas para beneficiar a população negra e sim o conjunto da sociedade.” É o que defende o secretário-executivo da Seppir, Giovanni Harvey. Para ele, o maior ganho das ações afirmativas é para a democracia e para as políticas públicas do país. “Não é tão visível, mas as cotas permitem que as decisões sejam tomadas por perfis mais próximos da pluralidade brasileira.”

Crescimento do setor privado

Permitir que trabalhadores de diversos grupos diferentes possam pensar e colaborar para o crescimento das empresas é também uma boa alternativa para o setor privado. Isso permite que as instituições dialoguem e entendam as necessidades de clientes de diferentes nichos de mercado. Harvey aponta o programa da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) como um modelo bem-sucedido. A iniciativa busca manter um quadro de funcionários que respeita as proporções de raça e gênero da população brasileira.

Consolidar o programa

A cena da sala de aula da USP demonstra que as ações afirmativas ainda encontram opiniões contrárias. Almeida acredita que o programa de cotas corre riscos, mesmo ainda em curso em diversas universidades e com a assinatura de Lei de Cotas para o serviço público federal e outras medidas semelhantes em estados e municípios. “Não estou sossegado em relação ao futuro das cotas no Brasil. Ainda teremos tentativas de retiradas do programa.” Para o professor, a ampliação das cotas pode fortalecer o programa e dar mais visibilidade aos resultados obtidos.

Fonte: Terra
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