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Cotas para escolas públicas geram polêmica entre especialistas

Cotas para escolas públicas geram polêmica entre especialistas

17 ago 2012 - 19h57
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As 59 universidades federais brasileiras terão que contar, em breve, com um sistema de cotas para ingresso dos novos estudantes. A expectativa é que a presidente Dilma Rousseff sancione, nos próximos dias, a lei que destina 50% das vagas oferecidas nestas universidades a alunos que tenham cursado o ensino médio integralmente em escolas públicas. Metade desta reserva beneficiará quem vem de família de baixa renda, com ganho máximo de um salário mínimo per capita.

Segundo Belizario, a manifestação seguirá até que as reivindicações sejam atendidas
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Foto: Antonio Cruz / Agência Brasil

Confira as discussões geradas pelo sistema de cotas

Veja a distribuição das cotas no Brasil

Ainda de acordo com o texto aprovado na semana passada no Senado, as vagas deverão ser preenchidas por estudantes negros, pardos e indígenas, segundo a proporção observada pelo Instituto Brasileiro de Estatística (IBGE) na região em que a universidade estiver localizada. A mesma regra também valerá para as escolas técnicas federais, que reservarão metade de suas vagas para quem cursou todo o Ensino Fundamental em escola pública.

O Ministério da Educação já divulgou que vai propor o veto do artigo que estabelece a média aritmética das notas dos alunos como critério para seleção. O ministro Aluizio Mercadante defende que, neste caso, seja usado o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Polêmica

A Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) foi a pioneira a adotar o sistema. Quase dez anos após o início das discussões sobre cotas no ensino público superior do País, o assunto ainda é polêmico. Especialistas concordam que o governo precisam ampliar, de alguma maneira, a participação dos jovens de famílias carentes, além de negros e indígenas, no ensino superior. Mas a reserva de vagas está longe de ser uma unanimidade entre docentes, alunos e estudiosos.

"A questão é como manter a qualidade e ao mesmo tempo fazer a inclusão. Não é uma equação fácil", avalia o sociólogo Simon Schwarzman, pesquisador do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade, do Rio de Janeiro. Ele acredita que a política das cotas no Brasil pode acabar reduzindo a qualidade do ensino em instituições consideradas de excelência no País, caso as universidades não consigam se adequar para receber alunos que tiveram uma formação básica deficitária. O sociólogo propõe que sejam criados novos cursos para este público, no modelo das colleges nos Estados Unidos.

"Ou as universidades vão admitir essas pessoas hoje e daqui a um ano vão expulsá-las, por não conseguirem acompanhar os cursos, ou então vamos ter que baixar o nível para atender a essas pessoas, e as mais qualificadas vão embora, procurar outras instituições", afirma Schwarzman.

Já para o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Carlos Maneschy, é possível colocar na mesma sala de aula alunos aprovados no vestibular convencional e estudantes admitidos por cotas, sem prejuízo ao ensino. Ele conta que a Universidade Federal do Pará (UFPA), onde é reitor, adota há cinco anos a reserva de 50% das vagas para egressos de escolas públicas. E, segundo Maneschy, levantamentos mostram que, apesar das dificuldades iniciais apresentadas pelos cotistas, os índices de desempenho e de evasão entre alunos vindos de escolas públicas e de particulares são os mesmos. A UFPA ainda reserva, desde 2010, duas vagas para indígenas por curso.

A adoção de cotas também não alterou os indicadores de qualidade na Universidade Federal da Bahia e na Uerj, segundo o Maneschy.

Para o reitor, o sistema adotado no Pará contribuiu para uma maior democratização do acesso à universidade. Atualmente, 70% dos estudantes vêm de escolas públicas. Mas nem sempre foi assim. Um estudo de 1998 revelou que no curso de medicina, por exemplo, um dos mais elitizados, menos de 4% dos aprovados no vestibular vinham de escola pública. E menos de 1% eram negros.

Se por um lado a proposta do governo é bastante semelhante à adotada na UFPA, Maneschy ressalta, porém, que o projeto deve mudar totalmente a realidade de outras instituições federais, especialmente daquelas que até hoje não adotaram a reserva de vagas. Ele acusa a nova lei de ferir a autonomia das universidades, pois cada uma deveria ter o direito de adequar as cotas às suas peculiaridades. "Além disso, não vimos no projeto a preocupação com a garantia de financiamento à permanência desses estudantes, a fim de que possam contar com assistência moradia, alimentação, bolsa trabalho, assistência psicossocial", critica.

Segundo o presidente da Andifes, o Programa Nacional de Assistência Estudantil, que atualmente recebe 500 milhões de reais anuais, já não dá conta de todos os estudantes carentes das 59 universidades federais brasileiras.

As discussões continuam acaloradas quando se trata de cotas para população afrodescendente, também estabelecida no projeto aprovado. Contrário à medida, Simon Schwarzman diz que não há razão para "dividir a sociedade em grupos raciais estanques e categorizar a sociedade em termos de raça". O especialista, que foi diretor para o Brasil do American Institutes for Research, considera que a situação no Brasil é muito diferente, por exemplo, da vivida nos Estados Unidos à época da instituição de cotas nas universidades, ainda na década de 1960, a fim de romper com a discriminação racial.

No entanto, para Nelson Inocêncio, coordenador do Núcleo de Estudos Afro-brasileiros da Universidade de Brasília (UnB), as cotas raciais não apenas devem existir como deveriam estar dissociadas das sociais. "A exclusão da população negra não é apenas por renda", diz. Apesar de fazer algumas críticas ao projeto, como a introdução de "pardos" na proposta, Inocêncio acredita que a reserva de vagas nas universidade pode ajudar a reduzir as diferenças sociais e raciais no País.

"Existe um pensamento conservador muito forte nas universidades, de que essas políticas vão comprometer a qualidade do ensino. É um discurso perverso, conservador, mas que permanece nas universidades e é compartilhada por alunos e professores", afirma o professor.

Inocêncio considera que não se pode permanecer no discurso do "mérito" quando se trata de ingresso na universidade pública, pois uma parcela da população já começa com uma defasagem muito grande na oportunidade de aprendizado. Segundo ele, também cabe aos educadores continuar cobrando do governo ações para melhorar o ensino médio. "Cota é uma solução urgente, mas temporária", diz. O texto do projeto prevê para daqui a dez anos uma revisão da lei das cotas.

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