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Como não perder os Guimarães Rosa da infância

7 mai 2013 - 10h58
(atualizado às 11h11)
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Um dia, o neto do educador Severino Antonio o puxou para fora de casa. Queria se deitar no chão de braços abertos para ver o céu estrelado. Intrigado com o que via, virou-se para o avô e perguntou: "Quem é a peixa mãe de todas as estrelas?". Se o céu é um mar, o menino estava mais do que certo de ter essa dúvida. "Isso é Guimarães Rosa puro", emociona-se o avô. "Nas minhas aulas, pego frases ditas por crianças e atribuo a um grande autor. Ninguém duvida que eu esteja falando a verdade", diz ele, que é professor de redação e leitura, literatura, poesia e lança nesta terça o livro Uma Pedagogia Poética para as Crianças, uma publicação escrita em parceria com a também educadora Katia Tavares, que tenta trazer ao debate a necessidade de se adotar uma abordagem de educação que preserve a natureza das crianças e as prepare para o que vão encontrar na vida real.

"Todas as crianças são questionadoras, filosóficas e poéticas. Elas não são folhas em branco, são seres em formação", diz Antônio. Mas os sistemas escolares e até mesmo os professores acabam inundando alunos muito novos com modelos pré-moldados que os desestimulam a agir conforme sua natureza, acredita. "É comum crianças perguntarem coisas como: 'quem é o Deus de Deus?' ou 'quando nasceu o mundo?'. São questionamentos levados pela mais alta filosofia. Não podemos deixar com que isso se perca".

O risco que se corre com a perda da sensibilidade poética e filosófica, diz ele, é dissociar a experiência do viver da do aprender. "A criança tem que ser o sujeito do que aprende", afirma Antonio. Os problemas de um sistema que não estimula a criatividade nas crianças vão gerar consequências lá na frente, na vida escolar, com estudantes menos donos de seu aprendizado, e também no mercado de trabalho.

Em 2010, cita Antônio, a IBM fez uma pesquisa com 1.500 CEOs de empresas espalhadas por mais de 60 países. Foi-lhes perguntado qual era a característica mais importante para um líder e 60% deles responderam que era a criatividade. "Isso cria um paradoxo. Na escola, não estimulamos as crianças a serem criativas. No mercado de trabalho, isso será cobrado delas", diz ele.

A responsabilidade para que uma abordagem mais adequada ocorra é compartilhada, acredita o educador. "A formação do professor não é só na universidade. É no dia a dia. Ele aprende enquanto ensina", diz Antônio, fazendo referência a Paulo Freire. Assim, nas suas aulas de formação de professores, ele sugere que os alunos aprendam com as crianças, com outros colegas e até criem o hábito de aprender com o espaço público. "Por maior que seja o poder do sistema, o professor tem um espaço, uma brecha de liberdade em sala de aula. Nem sempre é fácil encontrá-lo, mas ele existe", afirma.

Para o professor, essa nova abordagem não é fácil nem existe uma receita de bolo para ela. Mas cita exemplos de formas de estabelecer conexões com os pequenos que podem fazer com que a criatividade não se perca.

Confira, a seguir, algumas sugestões de práticas:

- conversar com crianças, desdobrar as metáforas que elas criam;

- motivar que elas façam descobertas no mundo; curiosidade é algo muito natural aos pequenos;

- permitir que as crianças pensem por imagem, em vez de obrigá-las a absorver modelos prontos e definições descontextualizadas;

- estimulá-las a partir de exercícios de comparação, para desenvolver sua capacidade analógica;

- fazer o exercício criativo do estranhamento, em que se descreve uma coisa sem dizer o que é nem para que serve;

O livro é dividido em três partes. Na primeira, os autores trazem as discussões sobre a pedagogia poética como uma forma de abordagem da educação com exemplos de como explorar essa dimensão; na segunda, eles trazem sugestões de como "poetizar o pedagógico" no cotidiano da escola, com exemplos verídicos de comunicados normais na rotina da escola (como um texto para reunião de professores ou boas-vindas para um novo semestre escolar) feitos de forma sensível; na terceira, trechos poéticos protagonizados (vividos, ditos ou escritos) por crianças.

Porvir Porvir
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