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Apenas nível socioeconômico não explica desempenho escolar

Fundação Lemann analisou 215 escolas de baixo nível socioeconômico e alto desempenho no aprendizado

10 out 2014 - 09h15
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<p>Fachada da escola Carlos Jereissati, em Sobral, Ceará</p>
Fachada da escola Carlos Jereissati, em Sobral, Ceará
Foto: Divulgação

Em uma comunidade pobre do município de Sobral, no Ceará, se encontra uma das escolas com melhor evolução no aprendizado dos alunos, medido pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb). A escola municipal Senador Carlos Jereissati passou de 4,8 em 2007 para 7,4 em 2011. A melhora é relacionada à aproximação com as famílias dos alunos.

“Na comunidade, temos altos níveis de violência, de gravidez na adolescência. É um dos maiores bairros de Sobral”, conta Fafá Farias, atual diretora da escola. Somente com o esforço de trazer as famílias para o cotidiano da escola que o desempenho dos alunos pôde mudar em meio a esse contexto. “Se tem a família junto, o que precisa você consegue. Se disser para eles (alunos) virem de madrugada estudar, eles vêm”.

A Carlos Jereissati é uma entre 215 escolas analisadas pela segunda parte do estudo Excelência com Equidade, da Fundação Lemann, divulgada neste ano e que considerou o período entre 2007 e 2011. Em 2013, a instituição cearense atingiu Ideb 8,4. O que as escolas analisadas têm em comum? Todas apresentaram evolução na qualidade de ensino em baixas e médias condições socioeconômicas nos últimos anos.

O primeiro dado apresentado pela nova pesquisa visa desconstruir o senso comum de que escolas em regiões pobres estão fadadas ao fracasso. Para os autores, “a evidência empírica sugere que a força dessa associação é bastante frágil”. O nível socioeconômico explica apenas 12% da variação da nota de matemática dos alunos de 5º ano na Prova Brasil 2009, por exemplo.

Ernesto Martins Faria, economista e coordenador técnico do estudo, afirma que a relação entre as condições da comunidade e o desempenho educacional é “mais indireta do que direta”. Segundo ele, a tendência é de que, em famílias mais ricas, haja mais estímulo ao contato com livros, vocabulário mais rico e outros materiais educativos.

O texto mostra, ainda, que o contexto pobre comumente tem alto desemprego nas escolas, “fuga” de professores qualificados, menor presença da família no cotidiano escolar e frustração e desmotivação maior do que em outros ambientes. Mas isso não parece ser suficiente para definir a qualidade da educação em determinada unidade.

Pesquisa identifica poder da rede de ensino

Faria afirma que os casos de sucesso, muitas vezes, são atribuídos a pessoas isoladamente - associa-se a determinados diretores ou professores o reconhecimento pela mudança. Ainda que acredite que eles estejam “muito ligados”, Faria aponta o sistema de educação estaduais e municipais como fundamentais.

<p>A escola Carlos Jereissati atingiu Ideb 8,4, em 2013</p>
A escola Carlos Jereissati atingiu Ideb 8,4, em 2013
Foto: Divulgação

O estudo da Lemann procurou montar um cálculo para descobrir se há indícios de efeitos da rede de ensino - ou se as melhorias aconteceram por esforço individual. Comparou, então, as 215 escolas com dois grupos, sempre com nível socioeconômico semelhante. Escolas próximas, de preferência no mesmo município, foram para a amostra um. Escolas com quantidade de alunos parecida, mas de municípios distantes, foram para a dois.

O resultado da análise, revela o documento, é que as escolas próximas, ainda que não tenham chegado ao patamar das 215 selecionadas, mostraram mais avanços do que as do segundo grupo. Além disso, boa parte das 215 escolas estão nos municípios de Pato de Minas (RJ), Rio de Janeiro (RJ), Sobral (CE), Foz do Iguaçu (PR) e Pedra Branca (CE), o que “indica que o caminho para o sucesso depende – e muito – do apoio da rede de ensino”.

O coordenador do estudo alega que as políticas das secretarias geram motivação se são direcionadas ao acompanhamento, e não quando são focadas apenas na distribuição de recursos. “A secretaria de educação tem, sim, que apagar os incêndios do dia a dia. Mas tão importante é manter o foco na aprendizagem”, defende.

O Prêmio Escola Nota Dez, do governo estadual do Ceará, é lembrado pela diretora da escola Carlos Jereissati, Fafá Farias. Pelos índices de alfabetização, são escolhidas as 150 melhores escolas do Estado - que recebem o valor de R$ 2 mil por aluno matriculado. Em contrapartida, elas devem “apadrinhar” as 150 piores colocadas, investindo parte do prêmio nessas instituições e tentando melhorar seus desempenhos.

Segundo a diretora, a escola também ganha, com isso, um prêmio mais subjetivo. “Parece até que se cria um rótulo: a professora ‘xis’, a diretora ‘xis’ trabalha na escola nota dez. O grupo fica mais confiante. Não acha nada impossível”.

Qualidade das instalações está ligada a menor índice de violência escolar

O Excelência em Equidade encontrou correlação positiva entre as condições de funcionamento, a disponibilidade de qualidade de instalações e o ambiente escolar - o que inclui os índices de violência e criminalidade.

Para Faria, é difícil dizer o que é causa e o que é efeito. “Se uma escola não tem depredação, não tem que reformar a janela”, explica. “Mas, por outro lado, manter o prédio limpo causa impacto no ambiente, traz uma nova cultura para a comunidade”.

Porém, manter uma boa relação com a comunidade, o que foi evidenciado ao se observar seis escolas em 2012, na primeira parte do estudo, pela mesma Fundação Lemann, é um dos pontos de maior impacto, relata o economista. Na Carlos Jereissati, houve um esforço para incentivar os pais a irem às reuniões mensais.

A diretora da escola conta que os alunos fazem provas regularmente - e se conseguem mais de 70% de acerto, por três vezes seguidas, o pai recebe medalha, certificado e um pequeno prêmio em dinheiro do projeto “Meu filho é 100%”. Outro compromisso é levar um café para as famílias mais carentes da região, aproveitando para mostrar um pouco mais da escola a elas.

A participação dos pais no cotidiano da escola também é comemorada pela escola municipal Doutor Libério Soares, de Bom Sucesso, Minas Gerais - outra incluída no estudo da Lemann. De uma reunião “bonitinha”, em que a coordenação pedagógica só comunicava notas, os encontros passaram a ter mais liberdade para os pais opinarem e até lanches. O resultado foi uma frequência próxima a 100%, diz Teresinha Santos, diretora.

Formação do professor em xeque

Pelos números do estudo, há várias evidências de diferenças entre as 215 escolas modelo e o grupo controle - outras de situação parecida, mas com desempenhos inferiores. A lista inclui melhor qualidade de instalações - como piso, paredes, banheiros, arejamento de salas de aula -, clima escolar livre de violência e criminalidade, poucos ou nenhum problema que afete o funcionamento da escola, como falta de professores, de pessoal administrativo ou de recursos pedagógicos - sempre a favor dos casos de sucesso.

No entanto, a formação e a experiência de diretores e professores parecem não entrar nessa conta. De acordo com o estudo, nas 215 unidades “não há evidências estatísticas de que os diretores e professores apresentem uma formação melhor” que nas do grupo comparativo. Teoricamente, a questão não seria relevante. Mas o próprio estudo ressalta que o resultado pode decorrer de uma “qualidade precária de informação” a partir do questionário da Prova Brasil.

A diretora da escola Carlos Jereissati, em Sobral, conta que o município faz um “rodízio de diretores” - o que, para ela, é positivo. “A escola é um setor muito vivo, de muitas mudanças. Se fica muito tempo uma mesma gestão, acaba criando vícios, algum tipo de acomodação. Mudar de escola é outro desafio, parece que renova as forças. Não acho que seja melhor porque um diretor é melhor que outro, mas porque ele chega cheio de vontade”, afirma Fafá Farias.

Por outro lado, a parte quantitativa do documento reitera avaliações relacionadas a professores e diretores e feitas há dois anos pela Lemann, em estudo qualitativo em seis escolas brasileiras. Segundo a pesquisa, as escolas de sucesso apresentam maior “prevalência de cumprimento do currículo pelo professor”, além de diretores melhor avaliados pelos docentes. Os dois grupos também trabalhavam mais coesos na definição de metas e estratégias, por exemplo.

O fato de contarem mais com um responsável pela biblioteca e de, pelos números, investirem mais no uso dela, mostra que as escolas de sucesso fazem uma gestão focada sobretudo no aprendizado. A análise também destaca que os alunos costumam fazer o dever de casa com mais frequência e que há maior probabilidade dos professores o corrigirem.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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