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Projeto leva escolas digitais a comunidades africanas

Comunidades constroem seus computadores e aprendem como a internet pode ajudá-las a encontrar soluções para seus problemas

20 mar 2014 - 21h46
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<p>Os Hubs s&atilde;o equipados com softwares educacionais e podem linkar crian&ccedil;as e adultos com mentores virtuais e &nbsp;prover recursos para professores incrementarem suas aulas</p>
Os Hubs são equipados com softwares educacionais e podem linkar crianças e adultos com mentores virtuais e  prover recursos para professores incrementarem suas aulas
Foto: Tom-Saater / Project Hello World / Divulgação

A Nigéria está situada na África Ocidental, e a cidade de Suleja fica no centro do país onde 46% das pessoas vivem abaixo da linha da pobreza. Geograficamente, a cidade está lá, mas, mesmo assim, parte da população se sente fora do mapa. Ainda que, segundo informações da União Internacional de Telecomunicações, a porcentagem de indivíduos que usam a internet tenha chegado a 32,88% no país em 2012 - índice relativamente alto no continente africano - muitos seguem distantes desse mundo.

Foi nesse contexto que nasceu o Projects For All (Projetos para Todos, em tradução livre). “Em vez de jogar soluções para as comunidades, nós acreditamos que é mais sábio perguntar a eles do que precisam, quais acreditam ser seus problemas e como gostariam de resolvê-los”, explica Katrin Macmillan, fundadora da organização, que abriga diversos projetos que visam ao empoderamento, com base na tecnologia e na educaç&atildd;o.

A britânica participou no começo de março do SXSW, festival de música, filmes e conferências interativas que acontece anualmente em Austin, nos Estados Unidos. Foi o lançamento oficial do Projeto Hello World, iniciativa que busca levar acesso à internet e educação digital a comunidades africanas. Os Hello Hubs são estações conectadas à internet que funcionam com energia solar. Os computadores executam softwares educacionais e estão equipados com câmeras, além de ter habilidade para rodar estações de rádio das comunidades. “É nosso projeto mais ambicioso, que tem o potencial de afetar mais vidas. Ele é realmente multiplicador e contempla nossos princípios de um modo prático e respeitoso”, diz Katrin.

Os primeiros Hello Hubs foram instalados justamente em Suleja, onde se espera que atendam a mais de 2 mil crianças e adultos nos próximos cinco anos. Na cidade, parte da África subsariana, região onde 134 milhões de jovens nunca foram à escola, já não é incomum ver os pequenos brincando em programas de ciência e matemática, dividindo a tela de um computador com outros tantos. A ideia é que as comunidades participem de todo o processo de instalação e sejam capacitadas para gerir sozinhas o uso das estações. “A possibilidade de contar sua história para o mundo através dos Hello Hubs e assim ter uma ‘certidão de nascimento digital’ e poder compartilhar histórias fazendo sua comunidade visível e parte da conversação global, isso é significativo”, avalia Katrin.

O primeiro contato da britânica com a África começou cedo: quando criança, viveu no continente com o pai, sul-africano. Mudou-se para a Nigéria para trabalhar - queria saber como o setor privado poderia influenciar o desenvolvimento em um país que abriga um quarto da pobreza extrema do continente. Ficou no país por três anos e, depois, foi para a Etiópia. Morou nos Estados Unidos e, hoje, está de volta ao Reino Unido. Ela fundou o Projects for All em 2013, para reunir e formalizar os muitos projetos que desenvolvia. A organização não tem fins lucrativos e funciona exclusivamente com doações. Mais informações estão disponíveis no site do projeto, no YouTube e na página no Facebook.

Confira, a seguir, os principais momentos da entrevista que Katrin concedeu ao Terra:

Terra - Qual foi o primeiro projeto do Projects for All?

Katrin Macmillan - Foi uma campanha para apoiar as vítimas desalojadas da luta étnica em Jos, na Nigéria. A resposta para o pedido de apoio foi esmagadora, e acabamos com muitos suprimentos para distribuir aos necessitados. É claro, os próprios nigerianos foram os mais generosos. A Cruz Vermelha Internacional pegou essa campanha e tomou para si, e eu pude ver como um pequeno passo para um problema aparentemente intransponível pode ter um grande impacto.

Terra - Desde o início do projeto, houve momentos que você considera que tenham mudado sua vida e das comunidades?

Katrin - Este trabalho tem mudado minha vida de maneiras positivas e negativas. Do lado positivo, estou fazendo algo pelo qual sou apaixonada e que me ajuda a extrair algum sentido frente a um mundo cruel e injusto. Eu não consigo me imaginar fazendo qualquer outra coisa. Mas isso pode te afetar. Há vezes em que me sinto sobrecarregada pela injustiça que tantos enfrentam e têm pouca chance de mudar essas circunstâncias. Essa desigualdade afeta a todos nós, e somos responsáveis por não tolerá-la e por lutar para acabar com ela. Eu acho que algumas crianças que conheci, que têm vidas brutais, assustadoras, impossíveis de esquecer, são motivadoras e mudam minha vida.

As comunidades com que trabalhamos teriam que dizer o que mudou na vida delas, eu posso apenas imaginar. Mas posso compartilhar uma história comovente do Projeto Hello World. Eu estava tentando explicar o que é a internet a um grupo de mulheres em Suleja, na Nigéria. A internet é um conceito difícil de descrever para pessoas que nunca viram um computador. Então, eu decidi pedir a cada mulher que “fizesse uma pergunta para a internet”. As questões foram muito humildes: “posso ver a Austrália”, “o que posso fazer para manter minha família saudável”, “como posso encontrar mais clientes”, e em determinado momento uma professora veio e pediu por planos de aula. Ela ensinava há 12 anos sem livros e sem recursos, e quando nós baixamos um plano de aula ela começou a chorar, e os colegas dela a abraçaram e choraram junto com ela. Aquilo me deu energia para continuar o Projeto Hello World e torná-lo disponível para todos os professores e crianças que precisam.

Terra - Como os lugares que recebem os projetos são escolhidos?

Katrin - Eu tenho relacionamentos com comunidades na África com que trabalhei antes, nós trabalhamos em comunidades que nos convidam a trabalhar com elas, em uma parceria igualitária. Mas a novidade sobre o Projeto Hello World se espalhou rapidamente, e nós ainda não somos capazes de acompanhar os convites das comunidades, que vêm de toda África.

Terra - Geralmente, como as comunidades reagem ao primeiro contato?

Katrin - É comum que as comunidades onde eu fico e trabalho peçam por alguma coisa. Eles estão acostumados com trabalhadores de desenvolvimento aparecendo, fazendo um poço ou construindo uma escola, e então indo embora. Nós não fazemos isso. Nós acreditamos que esse modelo possa ser prejudicial: implica que a comunidade dependa de pessoas de fora, e ela não “possui” o desenvolvimento que acontece dentro dela e tem pouca ou nenhuma participação no trabalho. Eu nunca conheci uma comunidade que não tivesse o capital cultural para começar a resolver seus próprios problemas. Para nós, é uma questão de viabilizar que este processo aconteça. Então, frequentemente me pedem primeiro um poço ou uma escola. Quando eu digo que não tenho essas coisas e pergunto se essas são as necessidades deles - água limpa e mais salas de aula -, eles às vezes ficavam confusos com a minha presença: o que eu estava fazendo lá, se não era para dar algo para eles? Pode levar um tempo para construir a confiança e a parceria que nos permite verificar quais são realmente os problemas deles, e como eles querem que a gente comece a resolvê-los, juntos.

Terra - Como o Projects for All vai mudar o cenário da educação na África?

Katrin - Nós estamos trabalhando para alcançar milhões de crianças que precisam desesperadamente de acesso à educação. Os Hello Hubs oferecem oportunidades ilimitadas de educação por apenas 5% do custo por pessoa em comparação à construção de uma escola tradicional, e eles podem alcanças três vezes mais crianças. Um Hello Hub pode servir como apoio para professores em uma escola existente, ou existir autonomamente como uma “escola na nuvem”. Nosso membro do Conselho Consultivo Sugata Mitra tem demonstrado que a aprendizagem autodirigida tem potencial para atingir milhões de crianças de forma incrivelmente efetiva. Temos grandes planos para democratizar a educação, e o Hello Hub é autorreplicável, assegurando a sustentabilidade a longo prazo e escalabilidade.

Terra - E de onde surgiu a ideia de construir estações de computador com acesso à internet com energia solar? Quantos Hello Hubs já fora construídos?

Katrin - A necessidade de educação é enorme, e orçamentos de ajuda para as tradicionais escolas de “tijolos e argamassa” não chegam perto de preencher essa necessidade. Os Hello Hubs são nossa resposta para a falta generalizada de professores, escolas, recursos educacionais e conectividade à internet. Em outubro de 2013, nós começamos na Nigéria nosso primeiro Hello Hub, e estamos levantando fundos para construir a segunda antes do fim de junho de 2014.

Terra - A comunidade participa de todo o processo, desde a construção dos Hello Hubs? Depois da construção, qual o próximo passo?

Katrin - Esta é a questão mais importante. O projeto Hello Hub é sobre o processo. Nós não construímos Hello Hubs para as nossas comunidades parceiras. Em vez disso, nós damos apoio a elas e então as treinamos para que elas mesmas construam os Hubs. Dessa forma, elas aprendem a construir os computadores, a estrutura e os painéis solares e estão aptas a manter e reparar o sistema. Mas isso também significa que nossas parceiras tiveram um investimento real nos Hello Hubs, deram trabalho, terras e habilidades, e eles contribuíram para o sucesso do projeto como nós. Nós treinamos uma equipe de registro liderada pela comunidade para fazer login e usar os computadores, e essa equipe treina outros membros da comunidade, então o treino é autorreplicável. Mas nós estamos sempre à disposição para orientar e treinar, o que pode ser feito via Skype.

Durante o nosso processo, as comunidades Hello Hub são encorajadas a resolver os próprios problemas. Por exemplo, se eles precisam de uma solução de saneamento para a escola, nós não damos uma, nós os ajudamos a usar a internet para descobrir como eles podem construir uma solução. Isso empodera a comunidade para que ela mesma saia da pobreza. As respostas estão lá fora e toda a comunidade tem a habilidade de começar a resolver os próprios problemas com acesso à informação.

Terra - Como crianças e adultos costumam reagir ao usar um computador ou acessar a internet pela primeira vez?

Katrin -  Frequentemente com animação e surpresa. Algumas vezes com descrença, outros ficam nervosos. Depende da pessoa, mas é sempre muito comovente. O Skype é um conceito muito interessante de experimentar pela primeira vez. Ver alguém de outro país por ali é realmente emocionante para as crianças, elas acenam bastante!

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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