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Como as redes sociais podem agravar distúrbios alimentares

26 jan 2016 - 16h45
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Com suas imagens de corpos perfeitos, sites como o Instagram podem ser um perigo para quem sofre de anorexia e outros transtornos. Cientes disso, as próprias redes sociais tentam combater o problema.

Enquanto muitos jovens de sua faixa etária curtiam a vida, Thomas passava os dias deitado na cama, com insuficiência cardíaca e o sistema digestivo comprometido. Seis anos depois de ter sido diagnosticado pela primeira vez com anorexia nervosa, o jovem de 20 anos sofria novamente as consequências do distúrbio alimentar.

Ele havia se tornado obcecado pela busca da "perfeição" física. "Eu acreditava que precisava ter uma certa aparência para que as pessoas gostassem de mim e fazer amigos", explica. Para Thomas, ter "certa aparência" significava ser mais magro. E ser magro estava na moda em Sydney, cidade natal de Thomas, na Austrália.

E, mais do que isso, "ser magro" estava em todos os lugares, como ainda está em vastas regiões do mundo ocidental onde a comida é abundante: em outdoors, em filmes e em revistas. E é particularmente presente numa rede social que Thomas usava todos os dias: o Instagram.

"Eu era bombardeado com imagens de pessoas com o 'corpo ideal', fotos de refeições e postagens sobre dietas e exercícios. Eu me comparava constantemente com outras pessoas na web e nas fotos do Instagram e pensava que, se eu tentasse ser mais como elas, eu seria mais feliz", explica.

A anorexia de Thomas fez com que ele restringisse ainda mais o que comia ou iniciasse uma nova dieta "sob o disfarce de um impulso para a saúde", tudo num esforço para ficar ainda mais parecido com as pessoas que ele via nas fotos do Instagram. "Olhar aquelas fotos baixava minha autoestima", afirma.

Movimento "pró-ana"

Claire Mysko, gestora de projetos na Associação Nacional de Distúrbios Alimentares (Neda) dos EUA, explica que essa é uma reação típica de quem sofre de transtornos alimentares. "Há muito destaque em se apresentar em 'perfeita' forma", afirmou. "Isso pode reforçar padrões de pensamento apresentados por pacientes de anorexia: perfeccionismo e comparação."

Pode-se até pensar que as imagens vistas diariamente por Thomas no Instagram e em outras redes sociais tivessem algo que ver com as chamadas fotos de thinspiration ou de "inspiração magra". Publicadas pela chamada comunidade "pró-ana" – pessoas que promovem a anorexia como estilo de vida –, essas imagens têm sido alvo de duras críticas.

Mas, na verdade, Thomas estava somente vendo fotos comuns do cotidiano. São imagens postadas por qualquer um, mostrando o melhor lado de suas vidas, o que inclui dietas e corpos perfeitos. Fotos que as pessoas consideram inofensivas.

Instagram tenta reagir

Thomas insiste que sua doença não foi causada de forma alguma pelo Instagram, mas que o aplicativo desencadeou sentimentos de ansiedade e exarcebou pensamentos que já estavam presentes. Essa opinião é compartilhada por muitos especialistas, inclusive Mysko, e por outras pessoas que sofrem de distúrbios alimentares.

O Instagram tem tentado combater isso. O serviço baniu hashtags que promovem o autoflagelo, como proanorexia, thinspiration e probulimia, e ameaçou bloquear as pessoas que promovem tais práticas. Mas a comunidade "pró-ana" tentar contornar essa proibição criando hashtags de pronúncia diferente ou mais elaboradas.

"As pessoas são capazes de se relacionar rapidamente com aqueles que compartilham um distúrbio alimentar, fomentando mutuamente comportamentos não saudáveis", explica Thomas. Ele já se recuperou e afirma compreender a espiral negativa em que havia entrado.

Ainda há poucos estudos

Como as redes sociais são um fenômeno relativamente novo, a pesquisa científica se limitou, até agora, ao impacto direto delas sobre os afetados por distúrbios alimentares. Há, no entanto, estudos que sugerem um aumento do número de casos de distúrbios alimentares, como a anorexia, entre jovens de 19 a 30 anos. Estatísticas publicadas nos Estados Unidos mostram que o número médio de diagnósticos subiu 19% entre o período de 1999 a 2000 e de 2005 a 2006.

E as redes sociais se tornaram ainda mais populares desde o período analisado – somente entre 2013 e 2014, o número de usuários do Instagram aumentou para 53% dos jovens online na faixa etária entre 18 e 29 anos nos EUA. Um ano antes, era de 37%.

No total, a comunidade usuária do Instagram nos Estados Unidos soma por volta de 100 milhões de pessoas. Com 29 milhões de usuários ativos por mês, o Brasil é o segundo maior mercado mundial para o aplicativo de compartilhamento de fotos e vídeos.

Efeito também pode ser positivo

A exposição proporcionada pelas redes sociais não é de todo ruim, no entanto, quando se trata de transtornos alimentares. Mysko afirma que há um crescente número de relatos de que o Instagram também pode ter um efeito positivo sobre os afetados por distúrbios alimentares.

Grupos pró-recuperação costumam usar hashtags que são procuradas por pessoas que chegaram ao fundo do poço, postando comentários positivos de apoio sob as fotos. "É como uma intervenção", comenta Mysko.

Paola Tubaro, especialista em sites "pró-ana", disse acreditar que, nos últimos tempos, as pessoas estão mais inclinadas a adotar atitudes mais moderadas. Ela afirma ainda que o Instagram pode fornecer um antídoto para o isolamento social sofrido por muitos doentes.

"Pequenos grupos de amigos, especialmente online, proporcionam um ambiente acolhedor e sem julgamento, onde pessoas com distúrbios alimentares podem compartilhar suas preocupações", diz Tubaro, que está se especializando em sociologia econômica na Universidade de Greenwich.

Exemplo para os outros

De acordo com a Neda, por volta de 20 milhões de mulheres e 10 milhões de homens nos Estados Unidos sofrem de um distúrbio alimentar em algum momento de suas vidas. Para muitos, a recuperação pode ser uma batalha e, segundo Tubaro, poucas pessoas consegue isso se continuam usando o Instagram. O uso contínuo dessa rede social dificulta o afastamento dos doentes da comunidade online que sofre de transtornos alimentares.

Aqueles que foram capazes de se recuperar da anorexia contam "histórias a ser seguidas por outros", diz Tubaro. Talvez Thomas seja um deles. Um ano após passar os dias deitado na cama de seu quarto, ele parece ter conseguido superar a doença. Ele voltou a ter um peso saudável e trabalha como um treinador de bem-estar e terapeuta ocupacional.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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