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Com saída do crime, favelas do Rio viram oportunidade de negócio

22 dez 2010 - 15h39
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Uma árvore de Natal iluminada no topo de um morro do Complexo do Alemão é um forte símbolo da recente libertação da comunidade, antes sob o jugo dos traficantes de drogas.

O fato de a árvore ter sido financiada por um grande banco simboliza algo menos óbvio: que as favelas do Rio de Janeiro estão abertas para os negócios após anos comprometidas pela guerra do tráfico na cidade.

Quase um mês depois de soldados e policiais expulsarem os traficantes do Alemão e das áreas adjacentes, bancos, empresas que prestam serviços públicos e companhias de telecomunicação uniram-se às autoridades do governo para preencher rapidamente o vácuo numa área com mais de 100 mil habitantes, negligenciada há tempos.

A operação, parte da iniciativa mais determinada do governo para impor o Estado de direito às favelas, abre a perspectiva de que os cerca de um milhão de moradores das favelas do Rio entrarão efetivamente na economia formal nos próximos anos.

O incentivo para as empresas é claro — segunda uma companhia de telecom, o equivalente a uma cidade pequena de clientes foi criado de uma hora para outra no meio do Rio.

Embora alguns sinais da vida moderna, como cartões de crédito, celulares e mesmo televisores de ponta, tenham se tornado comuns nas favelas, o acesso dos moradores a serviços e empregos era complicado pela falta de segurança.

O recente renascimento econômico da cidade — o preço dos imóveis disparou com a melhora da segurança e a expectativa pela Copa do Mundo de 2014 e a Olimpíada de 2016 — deverá ganhar um incentivo a mais com o surgimento desse grupo de cidadãos pagando impostos e taxas.

As autoridades afirmam que pretendem expandir as ocupações policiais a todos os grandes redutos remanescentes do tráfico até 2014, antes de o Rio se tornar o palco principal do Mundial da Fifa.

"Os benefícios da integração das favelas são exponenciais, são enormes", disse o economista André Urani, do Instituto de Estudos do Trabalho e Sociedade (IETS).

Tomem-se os custos de energia. Urani afirma que a Light perde 200 milhões de dólares por ano com o roubo de energia nas favelas — uma das razões pelas quais a eletricidade é mais cara no Rio do que em São Paulo, por exemplo.

A legalização das favelas deverá permitir que a Light reduza suas contas e tornar o Rio mais atrativo para o investimento das empresas, afirmou ele. Isso também exigirá uma mudança de cultura nas favelas, onde são comuns serviços baratos e pirateados de TV a cabo e telecomunicações.

CIDADÃOS DE SEGUNDA CLASSE

A árvore de Natal do Alemão foi financiada como gesto de boa vontade do Banco Santander, um dos vários bancos que planejam se expandir na favela.

O Bradesco e a Caixa Econômica Federal também planejam operar no Alemão pela primeira vez. A Oi informou que investirá 15 milhões de reais no Alemão a fim de expandir seus serviços de telefone, banda larga e TV.

Operários se apressavam para consertar linhas de telefone e de energia e dar os retoques finais num sistema de teleférico — construído em sua maior parte antes da invasão policial —, inaugurado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na terça-feira.

"Quando as pessoas perceberem, como estão percebendo nesse instante, que o poder público não é algo distante... eu acho que nós iremos pacificar o Complexo do Alemão, todas as favelas do Rio de Janeiro, de São Paulo, do Espírito Santo, e o Brasil será, efetivamente, um outro país", disse Lula após andar no teleférico.

Ainda assim, há uma longa batalha pela frente para ganhar de volta a confiança dos moradores, há muito tempo tratados como cidadãos de segunda classe na cidade.

"Nesta fase trata-se de conquistar corações e mentes", disse o general Fernando Sardenberg, que comandará uma "força de paz" de 2 mil homens no Complexo do Alemão, formada em sua maior parte por soldados do Exército que serviram na missão brasileira da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti.

Uma chuva forte no Alemão na semana passada mostrou que ainda há muito trabalho pela frente. Com encanamentos quebrados, o esgoto acabou jorrando nas ruas estreitas.

"É muito cedo para dizer qualquer coisa", disse Ester Avanci, proprietária de uma pequena loja de roupas, ecoando uma opinião comum entre os moradores. "Falta muito investimento, há muitos pobres. O governo tem de investir muito para que isso seja um bairro de verdade."

Há ainda o temor de que o governo e a polícia abandonem o Alemão e deixem os moradores vulneráveis a represálias dos traficantes.

As autoridades afirmam que o Estado agora veio para ficar — policiais especialmente treinados já ocupam mais de uma dezena das centenas de favelas do Rio através das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) ao longo dos últimos dois anos, melhorando aos poucos a reputação da polícia de brutalidade e corrupção nas favelas.

Urani afirmou que é vital que o governo acompanhe as medidas de segurança com uma segunda onda de investimentos, a fim de garantir oportunidades de geração de renda para os moradores.

"Esse é apenas o primeiro passo", disse ele. "No dia depois de a polícia entrar na comunidade, você ainda tem os fundamentos que levaram essas comunidades às mãos das quadrilhas".

DE FAVELA A BAIRRO

O próximo passo crucial para transformar as favelas ficará a cargo de urbanistas como Luiz Carlos Toledo, de 67 anos, que sonha em acabar com a grande divisão social do Rio desde que era um jovem estudante de arquitetura.

O escritório dele foi um dos 40 escolhidos para reprojetar 582 favelas até 2020 com investimentos públicos iniciais de 8 bilhões de reais (4,7 bilhões de dólares).

Além de instalar serviços básicos, como rede de esgoto, os projetos planejam plantar árvores a fim de criar mais espaços verdes, instalar bondinhos nas colinas íngremes e construir centros de esportes e lazer.

Em primeiro lugar, disse Toledo, os arquitetos precisam ganhar a confiança dos moradores, escutando o que têm a dizer e fazendo pequenas mudanças que melhoram a qualidade de vida, como a coleta do lixo.

"A arquitetura pode acompanhar uma revolução nesses lugares", afirmou Toledo, que já liderou um remodelamento parcial da maior favela do Rio, a Rocinha, que inclui uma passarela projetada pelo renomado arquiteto Oscar Niemeyer.

"A maior barreira que encontrei na Rocinha foi a enorme descrença da população. Eles não acreditavam em nada depois de tantos anos sendo enganados por "promessas" de políticos."

O prefeito do Rio, Eduardo Paes, já prometeu ao Complexo do Alemão e ao Complexo da Penha uma invasão de serviços públicos, incluindo de centros de saúde e até mesmo um cinema.

Com os novos benefícios, vêm obrigações e custos, que chegarão como um choque para muitos moradores acostumados a ter os serviços de graça ou muito barato. Se é isso o necessário para virar um bairro de verdade, então que seja assim, disse a dona de loja Ester.

"As pessoas estão acostumadas a usar as coisas sem pagar o preço real. Quando isso mexer com a carteira, as pessoas terão de economizar".

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