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Com Obama, diplomacia dos EUA aprende a "olhar com os olhos dos outros"

24 jul 2015 - 05h50
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Os Estados Unidos reataram relações com Cuba e concluíram um acordo nuclear com o Irã. Para especialistas, duas provas de que diálogo e compreensão dão o tom na diplomacia adotada pelo governo Obama.

Algumas horas depois do anúncio do acordo histórico que selou o fim do longo impasse em torno do programa nuclear iraniano, o presidente Barack Obama concedeu uma entrevista surpreendentemente franca ao The New York Times.

"Mesmo no caso dos nossos adversários, acho que devemos ter a capacidade de nos colocar no lugar deles", disse ao jornalista Thomas L. Friedman. "Se você olhar para a história do Irã, o fato é que tivemos certo envolvimento na derrubada de um regime democraticamente eleito no país."

Era a confissão de um presidente de que os Estados Unidos haviam agido de forma errada com outros países. Obama se referia ao golpe de Estado copatrocinado pela CIA, em 1953, que destituiu Mohammad Mossaddegh, líder democrático secular que havia nacionalizado a indústria petrolífera do Irã e dado um fim a décadas de controle britânico.

Mas a aula de história do presidente americano foi ainda mais longe. "Demos apoio a Saddam Hussein, mesmo sabendo que ele usou armas químicas na Guerra Irã-Iraque. Por isso, como consequência, eles [iranianos] têm suas próprias preocupações com segurança, sua própria narrativa", disse.

Na década de 1980, o governo de Ronald Reagan retomou as relações diplomáticas com o ditador iraquiano, fornecendo informações que auxiliaram o país a invadir o Irã. Raramente essa parte da história é lembrada pelos políticos americanos que falam sobre o Irã e o Oriente Médio.

Ao contrário, eles tendem a se concentrar em suas próprias queixas contra o Irã, como os 52 soldados feitos reféns durante a Revolução Islâmica, o antagonismo perante Israel ou a retórica antissemita de alguns líderes iranianos.

Mas isso não vale só para o Irã. Por décadas, os Estados Unidos tiveram rusgas com outro regime revolucionário, o governo comunista de Cuba. Mas também isso mudou. A retomada das relações diplomáticas com Cuba e o acordo com a República Islâmica apontam para o fim de duas longas rixas da política internacional.

"A vontade de criar empatia – não simpatia, mas empatia, ver-nos como os outros países nos veem – é uma enorme mudança na atitude dos Estados Unidos", analisa Philip Brenner, especialista em relações internacionais da American University de Washington.

"Isso é muito difícil para nós porque os Estados Unidos são uma nação enorme e os outros países, muito pequenos", afirma Brenner. "A nossa capacidade de afetá-los é muito maior do que a capacidade deles de nos afetar."

Disposição para conversar

Ainda é muito cedo para medir as consequências que o acordo nuclear terá para os Estados Unidos, o Irã, o Oriente Médio e o resto do mundo. Mas, segundo John Limbert, ex-secretário-assistente de Estado para questões relativas ao governo iraniano, já dá para saber que as relações entre Washington e Teerã mudaram. Por meio de negociações meticulosas, Irã e Estados Unidos provaram a si mesmos – e ao mundo – que são capazes de chegar a um acordo sobre um assunto politicamente sensível e complexo.

"As pessoas não podem admitir isso em público", diz Limbert. "Mas o fato é que, em vez de agir como agimos ao longo de 34 ou 35 anos – com ameaças, gritos e insultos –, desenvolvemos a capacidade de conversar, não como amigos, mas simplesmente de conversar uns com os outros."

"Goste-se dela ou não, essa é uma grande mudança na relação", afirma Limbert, que foi feito refém na embaixada americana em Teerã durante a crise diplomática entre os dois países, em 1979. Por causa da crise dos reféns, Washington suspendeu as relações diplomáticas com Teerã em 1980, sem nunca ter voltado atrás.

Limbert não acredita que o acordo nuclear terá um impacto imediato na dinâmica do Oriente Médio, uma região que sofre com rivalidades religiosas e geopolíticas. Para o ex-secretário, porém, a retomada das conversações entre os dois países pode abrir espaço para que outros problemas complexos sejam resolvidos em longo prazo.

Durante quatro anos, Estados Unidos e Irã têm sido adversários na guerra civil da Síria. Washington se opõe ao regime de Bashar al-Assad, enquanto Teerã o apoia. Porém, cada vez mais o foco está saindo de Assad e se movendo em direção ao "Estado Islâmico", um inimigo cruel tanto para os americanos quanto para os iranianos. Isso cria espaço para a cooperação.

Demora desnecessária

Washington e Havana também mostraram ser capazes de conversar em vez de gritar, insultar e ameaçar um ao outro. Em 2015, os dois países retomaram as relações diplomáticas depois de mais de 50 anos. Por causa da atitude americana em relação ao regime comunista, a Casa Branca teve, por um longo período, relações tensas com outros países da América Latina.

"Por muito tempo, os Estados Unidos foram vistos como um gigante com poder hegemônico, que era capaz de intervir quando bem entendesse", afirma Brenner. "Todos os outros países americanos consideraram legítima a revolução cubana", complementa.

De acordo com Brenner, a retomada dos laços diplomáticos com Cuba acabou com a maior fonte de antagonismo entre os Estados Unidos e os demais países da América. Na Cúpula das Américas, realizada no Panamá em abril deste ano, Obama recebeu as boas-vindas dos líderes dos países latino-americanos em vez de ser confrontado com hostilidades. Na ocasião, ele apertou aos mãos de Raúl Castro e se reuniu com o líder cubano.

O professor da American University acredita que o restabelecimento da diplomacia com Cuba abrirá novas frentes no combate ao tráfico de drogas e à pobreza, além de contribuir para o crescimento do comércio entre os dois países.

Já Limbert encontra apenas um porém na reconciliação com Havana e com Teerã. "Por que demorou tanto tempo, por que gastamos tanta energia hostilizando uns aos outros? Ficamos batendo cabeça por 35 anos, e todos sabem qual é o resultado disso: uma enxaqueca."

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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