PUBLICIDADE

Cohn-Bendit: "Paris e Berlim estão sem bússola"

19 jan 2013 - 14h07
(atualizado às 14h07)
Compartilhar
Exibir comentários

Embora acredite que a amizade franco-alemã seja "um mérito incrível", Daniel Cohn-Bendit, parlamentar da UE, critica a política europeia dos dois países, que classifica de "sem rumo".

Deutsche Welle: O senhor está em espírito de festa?

Daniel Cohn-Bendit: Espírito de festa?

Os 50 anos de existência do Tratado franco-alemão do Eliseu são comemorados com todas as pompas. Como o senhor vê este acontecimento?

O que se entende por Tratado do Eliseu, ou seja, esse apaziguamento entre Alemanha e França, é naturalmente um mérito civilizatório. Tendo em vista o passado dos dois países, o que temos hoje é incrível.

Como essas relações se desenvolveram? No momento, discute-se a respeito das tensões entre o presidente francês François Hollande e a chanceler federal alemã Angela Merkel. Isso ainda faz parte da tão evocada amizade franco-alemã?

Fico sempre pasmo quando as pessoas medem a questão da amizade entre os dois países pelo estado dos dois governos. Há dois chefes de governo, que podem se entender ou não. Isso, na verdade, não importa. Eles podem se entender – política ou pessoalmente – ou não. Mas acredito que as sociedades francesa e alemã têm uma conduta mútua muito natural e despreocupada. Isso é algo muito sólido, que não muda simplesmente porque Merkel gosta de Nicolas Sarkozy ou porque Hollande e Merkel se entendem ou não. Isso significa que temos hoje uma normalidade franco-alemã, que vai além daquilo que os governos fazem, pensam ou querem fazer.

Essa normalidade de relações permanece também para além dos acontecimentos dos últimos anos? Refiro-me à crise do euro. A crise mudou o olhar dos franceses sobre os alemães?

Podemos, obviamente, dizer que a crise do euro e a posição que a Alemanha passou a ocupar surpreendem muitos franceses. Talvez até a maioria dos franceses. Mas essas são as tensões normais da política. Há também tensões na França e na Alemanha ou onde quer que seja entre direita e esquerda, embora isso não seja uma proposição ou critério para medir a normalidade das relações entre os dois países. É também normal que se constituam determinadas maiorias políticas em um país. E se, num momento, o outro país tem uma outra concepção das necessidades políticas, há uma tensão política, mas não uma tensão social.

Então dê, por favor, uma olhada na sociedade, nas pessoas dos dois países, independentemente da política: é verdade que os alemães aprenderam com os franceses e que os franceses se tornaram um pouco mais alemães?

Acho que esta é uma questão jornalística abstrata.

E esta questão, eu coloco ao senhor.

(Risos) É claro que a sociedade alemã se abriu. A globalização na Alemanha começou com a abertura frente aos vizinhos mais próximos, com o fato de que as pessoas começaram a passar férias na França, a comida francesa passou a ter uma importância na Alemanha, o vinho francês adquiriu uma posição de destaque. Tudo isso normalizou o dia a dia entre os dois países. Ao mesmo tempo, os franceses observam – às vezes com inveja, às vezes com um certo estranhamento – como os alemães são eficientes, sobretudo na política econômica. É por isso que acredito que as duas sociedades se olham mutuamente de uma forma que vai do interesse à desconfiança.

Segundo uma enquete recente, os alemães gostam mais dos franceses que vice-versa.

Vi essa enquete, mas há uma realidade que contradiz essa pesquisa de opinião: o número de franceses jovens em Berlim! Há um fascínio em toda a Europa e na França por Berlim: pela cidade, pelo estilo de vida, por aquilo que culturalmente faz Berlim ser o que é e que tem sua expressão no estilo de vida da cidade.

O que Berlim representa exatamente para os jovens franceses?

Berlim é uma cidade absolutamente descolada, aberta, voltada para a cultura. Ali, as coisas acontecem! Eu ainda me sinto muito fascinado pela cidade. Não vou fazer campanha eleitoral, mas se fosse, teria que fazer em Berlim. Lá eu teria muitos eleitores.

O senhor já se opôs muitas vezes com veemência às políticas nacionais individuais, em defesa de uma Europa federativa de regiões. Qual seria o papel, neste contexto, do motor franco-alemão?

O interessante é que os alemães sempre falam do motor franco-alemão e os franceses, da dupla franco-alemã. Nunca será dado qualquer passo rumo a um aprofundamento da União Europeia ou a uma federalização sem uma postura comum da Alemanha e da França. Mas isso não basta mais. Ou seja, numa Europa de 27 países, a união entre Alemanha e França não é mais suficiente. Essa união não assegura que qualquer linha determinada vá tomar seu curso. Isso é algo que a Alemanha e a França precisam aprender, ou melhor, as autoridades políticas, os governos dos dois países. Eles precisam desenvolver uma inteligência sobre como abarcar os outros países também. Quando se pensa em Merkozy, ou seja, na proximidade entre Merkel e Sarkozy, percebe-se que acontecia exatamente o contrário. Eles acreditaram que iriam se encontrar à sombra do cassino de Deauville, decidir as coisas e ficaria tudo por isso mesmo. E não deu certo. Isso é algo que a Alemanha e a França ainda terão que aprender.

O senhor acredita que Alemanha e França são mais um motor ou mais um freio quando se pensa no desenvolvimento da Europa?

O problema é que eles não sabem o que querem. Quando não se sabe aonde se quer chegar, não é possível tomar o caminho certo. Falta às pessoas que conduzem a política uma bússola: estamos na névoa e, sem bússola, rodamos em círculos. Eles voltam sempre para o lugar de onde saíram. Essa é a sensação que muita gente tem: os alemães e os franceses não sabem mais para onde ir. Falta orientação e por isso eles não conseguem dar sugestões. Para não dizer que eles não conseguem liderar.

Diante da crise do euro, não seria pedir demais? Todos foram literalmente arrastados para dentro desta crise. Ninguém tem experiência em lidar com uma crise fundamental desta espécie. Os políticos europeus estão em condições de gerenciar de súbito esse problema?

Com certeza é demais, mas se você não aguenta, deixe de lado. Se você não consegue resolver, vá jogar futebol, então. É uma ambição querer sair da crise através da política, mas se você se sente sobrecarregado, o que posso entender, então deve ir jogar bolinhas de gude.

Já que estamos falando de ambições: se o senhor tivesse um desejo a ser realizado em relação à amizade franco-alemã, o que proporcionaria aos dois países?

Uma coisa eu faria: eu impulsionaria a ideia de uma Europa que vem de baixo ou de uma Europa para todos. Algo como o programa de intercâmbio Erasmus, que proporciona aos estudantes uma temporada no exterior, mas para todos, não somente para os estudantes. Ou seja, que a Alemanha e a França levassem adiante na Europa a possibilidade de intercâmbios, ou seja, que todos que estudam ou passam por um curso técnico ou que têm um trabalho pudessem trabalhar ou estudar durante um ano em outro país europeu. Desejo que haja recursos financeiros para aumentar rapidamente a mobilidade e, com ela, a experiência recíproca.

Daniel Cohn-Bendit (nascido a 4 de abril de 1945 em Montauban/França) é vice-líder da bancada verde no Parlamento Europeu e membro do Partido Verde alemão. Em maio de 1968, ele foi um dos mais importantes porta-vozes do movimento estudantil durante os tumultos em Paris. Depois de ser expulso da França, mudou-se para a Alemanha. No circuito político de esquerda em Frankfurt, exerceu um papel de liderança nos anos 1970. Ao lado de Joschka Fischer, empenhou-se em prol do movimento alternativo. Em 1984, entrou para o Partido Verde. Em 1994, foi eleito para o Parlamento Europeu, candidatando-se alternadamente pelos Partidos Verdes da Alemanha e da França. Cohn-Bendit é autor de diversos livros sobre política e apresentador de vários programas de televisão. Aos 67 anos, mora em Frankfurt, tem cidadania alemã e é pai de um filho.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade