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Oriente Médio

Cisão entre religiosos e laicos é luta pela alma de Israel

5 set 2009 - 09h10
(atualizado às 09h28)
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Isabel Kershner

Do New York Times, em Jerusalém


No sábado, como em todos os sábados das últimas semanas, centenas de judeus ultraortodoxos se reuniram antes do pôr do sol nos terraços que ficam por sobre o estacionamento de Carta, perto das muralhas da Cidade Velha de Jerusalém. Usando as vestes negras do sabá e chapéus de pele, eles se alinharam em fileiras, observando com atenção.

Judeus ultra-ortodoxos discutem com policiais em estacionamento de Jerusalém
Judeus ultra-ortodoxos discutem com policiais em estacionamento de Jerusalém
Foto: The New York Times

Subitamente, os soldados rasos de seu movimento chegaram à rua lá embaixo, manifestantes que passaram rapidamente pelo Mamilla Hotel, um estabelecimento de luxo recentemente inaugurado. Policiais a cavalo correram de encontro a eles, sob os olhares atônitos dos hóspedes do hotel, nas janelas dos pavimentos superiores.

Este ano, os elementos radicais da comunidade judaica ultraortodoxa vêm se manifestando e provocando tumultos para protestar contra as autoridades municipais, os serviços sociais e a polícia. Para o prefeito de Jerusalém, Nir Barkat, um milionário da tecnologia que não adere aos costumes religiosos mais conservadores e planeja atrair mais negócios, turismo e profissionais liberais à cidade, o momento desses incidentes é bem pouco oportuno.

As tensões nessa cidade sempre em disputa em geral correm no sentido leste-oeste, que separa o lado judaico do lado palestino do município. Mas na seção oeste e predominantemente judaica de Jerusalém, as diferenças entre os judeus religiosos e os laicos são profundas. Qualquer mudança nesse delicado status quo parece capaz de causar tumulto, na disputa entre os judeus mais zeloso e os mais liberais pela alma e personalidade da cidade.

"Isso tudo é parte do mosaico humano especial que caracteriza Jerusalém", disse Israel Kimhi, diretor do Instituto de Estudos Israelenses de Jerusalém, uma organização independente de pesquisa. Mas os recentes tumultos "não beneficiam em nada a imagem da cidade", ele acrescenta, argumentando que uma seção pequena mas ruidosa dos judeus ultraortodoxos vem adotando métodos cada vez mais extremos.

Os judeus ultraortodoxos, conhecidos como haredim, ou "aqueles que temem a Deus", já envolveram em disputas no passado para garantir o respeito ao sabá judaico e para tentar fechar cinemas e ruas. Do anoitecer da sexta-feira ao anoitecer do sábado, os judeus ortodoxos não trabalham, usam serviços elétricos, gastam dinheiro ou saem de carro. Não existem serviços municipais em Jerusalém durante o sabá, e boa parte das empresas do lado judaico da cidade fecham as portas.

Mas depois de 13 anos de pausa naquilo que os moradores da cidade definem como "a guerra do sabá", uma nova rodada de confrontos começou certo sábado de junho, quando a prefeitura decidiu que permitiria que um estacionamento funcionasse. Já que a situação de segurança em Jerusalém está razoavelmente calma, turistas e visitantes têm voltado a frequentar a Cidade Velha nos finais de semana, o que gera a necessidade de um lugar no qual possam estacionar.

Inicialmente, o prefeito ordenou que um estacionamento subterrâneo sob a prefeitura ficasse aberto. Quando isso gerou protestos, ele abriu o estacionamento Carta, privado e administrado por árabes, e abriu mão da cobrança. Os protestos se intensificaram ainda mais.

Yoelish Kraus, diretor do Eda Haredith, a organização ortodoxa militante que comanda os protestos, diz que o erro do prefeito foi anunciar a abertura do estacionamento em uma entrevista coletiva. Já que parece haver aprovação oficial à violação do sabá, diz ele, "nós somos obrigados a lutar".

Os ultraortodoxos respondem por um terço da população judaica de Jerusalém, e o Eda Haredith conta com o apoio de apenas uma parcela desse grupo. Mas, com média de 10 filhos por família, a comunidade está crescendo rapidamente, diz Kraus.

As seitas rabínicas do Eda Haredith descendem das lideranças judaicas ortodoxas que já viviam na Palestina antes da fundação de Israel em 1948. Na ausência do Messias, essas lideranças rejeitam fervorosamente o sionismo e a legitimidade do Estado judaico.

Os manifestantes chamam os policiais de nazistas e cospem neles. Membros da polícia especial derrubam manifestantes nos canteiros que decoram as calçadas. Os manifestantes que tentam bloquear ruas são atacados com gás de pimenta e removidos em furgões da polícia.

Um pequeno grupo de judeus laicos, em uma contramanifestação, cantava canções de protesto em um ponto de ônibus, enquanto os ortodoxos arremessavam garrafas de água e pedregulhos contra eles. "O estacionamento vai ficar aberto porque não permitiremos que feche", disse Nir Pereg, 29 anos, morador laico da cidade, enquanto seus colegas cantavam "Jerusalem Will Not Fall".

O Eda Haredith também está unido em defesa de uma de suas integrantes, detida sob a acusação de fazer com que seu filho de três anos passe fome. Os manifestantes do grupo protestaram em nome dela em bairros ultraortodoxos e atearam um incêndio em um escritório local de serviços sociais no qual ela participou de uma reunião com assistentes sociais antes de ser detida.

Ferozes distúrbios irromperam na noite de domingo quando a polícia ingressou em um bairro ultraortodoxo no centro da cidade para remover o corpo de uma vítima de homicídio em um albergue. Os tumultos pareciam se dever mais à raiva contra polícia do que ao homicídio, que nem mesmo envolvia judeus ultraortodoxos. A polícia empregou granadas de gás lacrimogêneo e de choque pela primeira vez, e deu tiros para o ar a fim de dispersar a multidão.

Os membros do Eda Haredith chamaram os policiais de "assassinos". Um cartaz afirmava que um estudante de uma escola religiosa judaica havia sido atropelado e gravemente ferido por um veículo da "Gestapo sionista". A violência ressurgiu na noite de terça-feira, quando uma multidão atacou um táxi dirigido por um árabe em um bairro ultraortodoxo. O motorista escapou, mas o veículo saiu danificado.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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