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Precursor do rádio, Landell de Moura morreu quase anônimo há 85 anos

Morto há 85 anos, padre Landell ainda carece de reconhecimento

30 jun 2013 - 06h59
(atualizado às 06h59)
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O padre Roberto Landell de Moura faleceu de tuberculose, aos 67 anos, em 30 de junho de 1928. Em uma cama do Hospital Beneficência Portuguesa, em Porto Alegre (RS), sua cidade natal, era quase um anônimo. Oitenta e cinco anos depois, no entanto, sabe-se que jazia ali não apenas um homem da fé, mas também da ciência: suas contribuições permeiam os avanços da telecomunicação até hoje.

As descobertas do padre, ordenado sacerdote católico em Roma, em 1886, levam seu nome a figurar entre os precursores do rádio, meio de comunicação dominante na primeira metade do século passado. Mas os méritos do cientista brasileiro vão muito além.

De acordo com Luiz Artur Ferraretto, doutor em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), o inventor desenvolveu uma tecnologia wireless (sem fio) que serviu de base para o rádio e hoje é empregada em diversos equipamentos que usam radiofrequência, desde walkie-talkies até satélites artificiais no espaço. “Toda a tecnologia na qual estamos imersos tem o dedo do padre”, diz.

Para Ferraretto, Moura não descobriu o rádio. Ele entende que o cientista brasileiro, o italiano Guglielmo Marconi (a quem a invenção do rádio é atribuída) e vários outros pesquisadores não estavam tentando inventar o aparelho, mas queriam desenvolver mensagens à distância por ondas eletromagnéticas. “Eram mensagens entre dois pontos, uma comunicação ponto-a-ponto, e rádio é comunicação ponto-massa”, explica.

Demérito à obra de Moura? Não na visão de Ferraretto. “Ele não tinha como inventar o rádio, pois ninguém estava pensando em inventar um meio de comunicação”, justifica. Para o professor da UFRGS, o padre desenvolveu a tecnologia de transmissão sem fio, da qual faz parte também o rádio, e o fez sob condições totalmente adversas, o que torna seu trabalho ainda mais louvável.

Limitações

Moura enfrentou grandes limitações financeiras inerentes ao Brasil da época, diferentemente de outros pesquisadores, como o próprio Marconi. Sua vinculação à Igreja Católica também não lhe trouxe benefícios científicos. Ao contrário, o padre chegou a ter seus equipamentos destruídos por quem não aceitava seu trabalho e o definia como louco.

Considerado o principal estudioso sobre o padre Landell de Moura, o jornalista Hamilton Almeida, com quatro livros publicados, descreve, em “Padre Landell de Moura - Um herói sem glória” (Editora Record), uma passagem que resume com precisão a desconfiança enfrentada pelo cientista.

Conforme conta o jornalista, Moura queria provar que era possível transmitir de um barco a outro em alto mar. Para isso, precisaria de dois navios da Marinha. Em contato com um emissário do governo, foi questionado sobre qual distância deveria deslocar-se a embarcação. Confiante em seu trabalho, o padre respondeu que pouco importava, pois seu sistema permitiria a transmissão de mensagens até para outros planetas. Com base nesse depoimento, Moura não obteve auxílio. Foi tachado como um perturbado que queria contatar seres extraterrestres.

Apesar de todas as dificuldades, o padre conseguiu transmitir voz à distância, embora ela não fosse muito compreensível. Com investimentos e maior aporte financeiro, aposta Ferrareto, o cientista chegaria a uma tecnologia de qualidade, pois, de fato, era um visionário. “Ele desenvolveu uma tecnologia que no resto do mundo estava sendo tentada”, afirma.

Para ele, as contribuições do padre à ciência persistirão. O professor considera que o futuro do rádio passa pela comunicação móvel, seja pelo celular ou por qualquer aparato portátil que o substitua em termos de transmissão de voz e imagem. O que Roberto Landell de Moura buscava era justamente isto: dar mobilidade à comunicação. “Em qualquer lugar, qualquer instante, as pessoas podem se comunicar. Era isso que ele estava desenvolvendo”, conclui.

Patentes

Landell de Moura possui três patentes adjudicadas nos Estados Unidos e outra no Brasil. Em território americano, em 1904, patenteou o transmissor de ondas (precursor do rádio transceptor), o telefone sem fio e o telégrafo sem fio.

O primeiro registro parte da experiência que realizou em 3 de junho de 1900, quando transmitiu a própria voz de um ponto a outro da cidade de São Paulo, a uma distância de oito quilômetros. Patenteado nos Estados Unidos como Wave Transmitter, tinha a finalidade de transmitir a palavra humana articulada, sem auxílio de fios, por ondas Hertzianas.

Suas descobertas em radioemissão e telefonia por rádio ocorreram antes mesmo de outros inventores transmitirem sinais de telegrafia por rádio. Em 9 de março de 1901, Moura já havia patenteado a descoberta no Brasil, descrevendo a invenção como um aparelho capaz de projetar pelo espaço a voz a distâncias bem regulares. Também indicou seu funcionamento em qualquer clima: com sol, chuva, umidade ou forte neblina. Por fim, sugeriu que, no mar, em condições de cerração e em regiões calmas, o aparelho poderia prestar ótimos serviços.

Imagens

As experiências do cientista não ficaram restritas à radiofonia. Ele previu o desenvolvimento da tecnologia para a transmissão de imagens e, por isso, passou a ser considerado também como precursor da televisão.

Outra descoberta importante ocorreu no campo da bioeletrografia. Ele criou uma máquina que fotografava um halo luminoso em torno do corpo humano, de plantas, de animais e de objetos inanimados. Também realizou experimentos científicos com a tecnologia. Apenas 32 anos depois, o soviético Semyon Kirlian apresentava o mesmo efeito, que acabou batizado com seu sobrenome. Tratava-se de uma imagem fotográfica obtida a partir da energia não visível aos olhos e que circunda todos os seres vivos.

No fim, o termo bioeletrografia acabou sendo adotado. E o padre Landell de Moura, no ano 2000, confirmado como seu inventor. Era mais um reconhecimento tardio entre tantos que marcaram a vida e a obra de um dos maiores cientistas brasileiros da história.

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