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Plano climático do Brasil não teve 'pedalada florestal', diz ministra

30 out 2015 - 16h11
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Com uma proposta na mesa para a Conferência de Paris, reunião da ONU que buscará em dezembro um acordo geral de combate à mudança do clima, o governo do Brasil diz ter "roubado a cena" com um plano ousado.

Em entrevista exclusiva à BBC Brasil, a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, apontou "má-fé" em críticas que identificam "pedaladas florestais", ou truques contábeis, nos cálculos feitos pelo país para definir suas metas de redução de emissão de gases-estufa.

Em passagem por Londres nesta semana, a ministra negou que o Brasil tenha recuado em sua proposta de desmatamento ilegal zero até 2030 - embora a presidente Dilma Rousseff tenha citado isso em visita aos EUA em junho, o compromisso brasileiro para Paris se restringiu à Amazônia.

O principal objetivo da conferência COP-21 é garantir um acordo entre 194 países para substituir o ultrapassado Protocolo de Kyoto e diminuir a emissão de gases de efeito estufa, mantendo o aumento da temperatura média global abaixo de 2ºC até 2100.

Anunciada por Dilma no final de setembro, a iNDC brasileira, nome técnico do compromisso no jargão da ONU, foi, em geral, elogiada por ambientalistas, empresários e cientistas - sobretudo por indicar uma meta absoluta de redução de emissões: 37% em 2025 e 43% em 2030, em relação a 2005.

Mas há também quem aponte que o objetivo brasileiro, como o da maioria dos países, está aquém do necessário para conter a escalada de aquecimento da atmosfera, e não representa uma mudança do modelo de desenvolvimento baseado em combustíveis fósseis - prevê elevar a fatia de energias renováveis para 45% até 2030, mas o índice já está em 42,5%.

A chefe da política ambiental brasileira definiu sua expectativa para Paris como "otimista e pragmática", e disse que outros países não estão fazendo "um décimo" do que o Brasil se comprometeu. Reconheceu, contudo, que o país terá que "aprender" para cumprir uma das metas - restaurar 120 mil km2 (quase três Estados do Rio de Janeiro) de florestas degradadas.

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Confira os principais trechos da entrevista da ministra do Meio Ambiente à BBC Brasil:

BBC Brasil - Por que o governo recuou da promessa de desmatamento ilegal zero em todo o país ate 2030 e limitou-a à Amazônia, como apontam organizações como a rede de ONGs Observatório do Clima? O Brasil conviverá com o desmatamento ilegal na Amazônia por mais 15 anos e com a ilegalidade nos outros biomas para sempre?

Izabella Teixeira - Quero saber onde está escrita essa promessa. Onde o governo brasileiro assumiu esse compromisso e quando. Observatório do Clima é ONG. Onde está escrito como política brasileira que vou ter desmatamento ilegal zero? Onde foi escrito em 2020, 2030, 2040? Não tem. É uma absoluta bobagem. A única vez que o Brasil assumiu compromisso de desmatamento zero foi agora na iNTC.

BBC Brasil - Mas o compromisso se restringe à Amazônia.

Teixeira - Para obter desmatamento ilegal zero eu tenho que monitorar. Onde tenho taxa de monitoramento, com credibilidade, transparência, auditada internacionalmente? Só na Amazônia. As pessoas também adoram jogar para a plateia, sabe para quê? Para ficar captando dinheiro e ficar falando mal do Brasil.

É preciso construir as coisas com credibilidade, com elementos para poder assumir os compromissos. Nosso desejo, quando aplicamos o Código Florestal, é acabar com o desmatamento ilegal. Agora, para isso, eu preciso que os Estados cumpram o plano de gestão. Quem fez a lei que descentralizou (a gestão florestal) para os Estados não fui eu, foi em 2006. Rondônia tem mais crédito autorizado para tirar do que quantidade de florestas.

O Brasil quer acabar com o desmatamento ilegal, controlar as autorizações de supressão de vegetação com base na lei. Para isso vou ter que fazer Cadastro Ambiental Rural (registro público eletrônico previsto no Código Florestal para integrar informações ambientais e de posse das áreas). Pela primeira vez você tem o setor produtivo a bordo fazendo uma coisa da área ambiental. Com base nisso vou poder saber (taxas de desmatamento em outros biomas).

O Brasil não recuou de nada, ao contrário, está avançando para chegar ao desmatamento ilegal zero. Daí vou separar o joio do trigo, quem está fazendo por ilegalidade ou por irregularidade, apenas por ineficiência da área ambiental. Se construo a estratégia de monitoramento do cerrado, a taxa de desmatamento do cerrado, que está ficando pronta, consigo dizer quanto se está tirando, legal ou ilegal.

BBC Brasil - Uma análise detalhada da proposta brasileira para Paris, feita por pesquisadores da Coppe-UFRJ, diz que o país precisará zerar o desmatamento em todo o país, legal e ilegal, para cumprir a meta apresentada.

Teixeira - De todo o desmatamento que acontece nos biomas brasileiros há o ilegal e o legal. Não posso proibir o legal. Impor a um proprietário privado que não use a terra dele. Ele tem que usar de acordo com a regra de uso. Você vai dizer que uma pessoa compra uma fazenda de mil hectares no Tocantins e não pode usar? Onde está escrito isso? A Constituição dá direito a ele de usar. Agora, se é no Tocantins, tem o cerrado amazônico, ele tem que conservar ao menos 35% da terra.

Então, quando fizemos a iNDC brasileira, nós calculamos as projeções para todos os biomas, cumprindo a lei. A modelagem matemática feita no Brasil considera o uso legal, só posso fazer modelagem em cima do que autorizo. Sonegação fiscal, trabalho escravo, tudo está associado à ilegalidade - não é assim no desmatamento da Amazônia? Tenho que tirar isso e construir a lógica do uso da terra legalizada.

A iNDC brasileira pega todos os biomas, projeta autorização de uso segundo o planejamento de expansão de fronteira agrícola do país e considera o (desmatamento) legal e a neutralização (das emissões de gases-estufa) para a Amazônia. O que fizemos é que neutralizamos as emissões do desmatamento da Amazônia, que é o único bioma (na proposta) - o resto é monitoramento para todos os biomas, taxas de desmatamento para todos e zerar a ilegalidade.

BBC Brasil - Como a sra. analisa as críticas de que o Brasil promove "pedaladas florestais" ou "pedaladas de carbono" ao abater do cálculo das emissões de desmatamento as absorções de florestas virgens em terras indígenas e áreas de conservação, o que seria um artifício para "desinflar" as emissões?

Teixeira - Isso é má-fé. Porque o IPCC (painel de cientistas que estudam mudanças climáticas) e a Convenção do Clima dizem que você pode e deve usar as áreas protegidas para proteger e fixar carbono.

Também colocamos as APPs, áreas de preservação permanente, como área de conservação de biodiversidade dentro da Convenção sobre Diversidade Biológica (tratado da ONU de 1992), porque são áreas que ficarão intocáveis. Mantenho os serviços ambientais, o carbono, a biodiversidade, numa propriedade privada. Isso é pedalada?

Pedalada é você simplesmente achar que está fazendo a coisa e não está fazendo. Um país que assume o compromisso de 60 milhões de hectares de unidades de conservação na Amazônia - estou dizendo que 60 milhões de hectares não serão desmatados. Se quiser olhar pelo carbono, estou falando: isso aqui não vai para a atmosfera. Não fizemos nada que a Convenção não mande fazer.

Aliás, em debate com todos os cientistas, inclusive, alguns que criticam estavam lá concordando. Nas salas privadas concordam, depois vão fazer política do lado de fora. Agora ficaram frustrados porque muitos críticos esperavam que o Brasil apresentasse algo que ficasse aquém, e nós roubamos a cena.

BBC Brasil - Mas a ONU ainda analisará se esse critério de admitir emissões "líquidas" será aceito depois de 2020.

Teixeira - Você quer jogar como? Falar só emissões brutas ou liquidas? A convenção manda falar emissões líquidas. Você quer fazer uma ação política, você fala só emissões brutas. Tudo bem, é um dado importante, mas não é o dado que dialoga com a convenção.

Não aceito esse comentário de pedaladas de carbono. Isso é uma crítica vazia, porque seguimos a regra. Muda a regra, muda meu dado. Tudo que protejo no Brasil, que evito (de emissão de) carbono, simplesmente não vale mais? Isso é típico de quem não conhece clima, de quem quer fazer crítica vazia e não conhece o que o Brasil está fazendo.

Interessa-me ampliar as unidades de conservação. O CAR (cadastro ambiental rural) que está quase 70% pronto, está me dando hoje cerca de 50 milhões de hectares de vegetação nativa, primária, em áreas privadas, que o agricultor pode usar, áreas passíveis de desmatamento legal. Isso é um ativo.

Tenho de criar mecanismos de proteção para o cara não desmatar, e ele pode pela lei. Tem que convencê-lo a manter a vegetação em pé. Isso é biodiversidade com clima, e não contabilizo esse carbono a meu favor? Vou preferir que ele corte e emita? Por que quando o carbono sobe para a atmosfera, é uma coisa só, ninguém está carimbando se é legal ou ilegal.

Quando você faz a iNDC em temperatura, você está calculando o tempo de permanência desses gases e a contribuição para a temperatura. Por isso ninguém apresenta, porque gases associados à matriz energética permanecem mais tempo na atmosfera. Carvão, por exemplo, fica cem anos lá em cima, então sua contribuição em tese é maior, do que, por exemplo, a do metano associado à agricultura, que fica 14, 16 anos na atmosfera.

BBC Brasil - É possível avançar mais na proposta brasileira?

Teixeira - Mais? Se essa trajetória se confirmar, no futuro podemos fazer, mas cobrar mais do Brasil? Queria que outros países fizessem um décimo do que o Brasil está fazendo. Se os países desenvolvidos fizessem o que nós estamos fazendo, e os países em desenvolvimento, que podem fazer mais, fizessem como estamos fazendo, a solução de (evitar aumento da temperatura em) 2ºC estará mais próxima, isso posso assegurar a você.

BBC Brasil - E qual é a sua expectativa para as negociações em Paris?

Teixeira - Estamos trabalhando duramente para ter um acordo. Sou muito pragmática e muito otimista. Acho que cabe um elogio ao governo francês, que está fazendo todos os movimentos para dar certo. Aliás, fazia muito tempo que não via um presidente da COP fazendo tanto esforço, e não é no último momento.

Acho que tem um grande engajamento da sociedade, diferentemente do que havia no passado. E um engajamento que não é só por pressão, é de entendimento sobre mudança do clima, não só no setor privado como na sociedade civil.

Consolidou-se também o papel do IPCC no diálogo com a questão política. Termos eleito uma brasileira vice-presidente do IPCC (a pesquisadora Thelma Krug) dá a sinalização do governo brasileiro de priorizar o tema.

Acho que pela primeira vez você também tem o engajamento do setor financeiro, e obviamente você tem um grande problema em Paris: como conciliar o novo tendo em vista as pendências que não foram implementadas até agora.

E você tem que proteger a convenção, porque se você começar a fazer fora da convenção você perde o acordo multilateral. Acho que tem tudo para ter uma solução.

BBC Brasil - Mas como o Brasil pode avançar se o plano climático não muda a ênfase de investimentos em combustíveis fósseis?

Teixeira - Você faz uma bobagem de pergunta, estou sendo sincera com você. Nenhum país do mundo trabalha energia sem segurança energética. O Brasil tem uma matriz equilibrada, 50% a 50% (entre energias renováveis e não renováveis). Sabe quanto os países da OCDE (conhecido como 'clube dos países ricos') têm de renovável? 8%. Os países desenvolvidos, todos, além da OCDE? 13%.

O Brasil quer colocar 45% (de participação de fontes renováveis na energia total consumida), já teve 48%, por segurança energética entra com (usina) térmica para não faltar energia, e volta para 45%, podendo chegar a 50%, é a trajetória que vai fazer.

Nenhum país do mundo fez isso, nenhum tem condição de fazer, se não discutir combustível. Pegue a proposta para ver: estamos fazendo troca de carvão e óleo combustível por gás, e em melhores condições do que os americanos estão fazendo com shale gas (gás de xisto, extraído com maior impacto ambiental). Então por que para eles vale e para gente não vale?

Não tenho nenhum problema em discutir energia no Brasil, e estamos falando além das hidrelétricas, que ainda tem a polêmica das hidrelétricas. O Brasil precisa começar a discutir energia como gente grande. Com um sistema interligado num pais continental, que precisa ter investimento, desenvolvimento, para ter emprego, que outra fonte segura isso? Só térmica. Ou é combustível fóssil, ou nuclear. Prefiro discutir as renováveis. É mais barato, você tem que construir soluções, e é mais factível do ponto de vista da tecnologia que existe no Brasil.

BBC Brasil - A sra. ficou satisfeita com o estudo de impacto ambiental da usina de São Luiz do Tapajós? (Uma análise encomendada pelo Greenpeace denunciou "problemas graves" no relatório)

Teixeira - Nós rejeitamos o estudo. Não conheço o estudo, acho que tem que ter uma discussão legal. O Ibama rejeitou, pediu para rever uma série de coisas. Acho que o Brasil terá que discutir geração hídrica em outro patamar. Não se abre mão de potencial hídrico. Não estou dizendo que vai aproveitar 100%, mas você terá que discutir isso com a sociedade, porque os desafios do país vão impor que você tenha segurança energética, preferencialmente energias renováveis, com custo menor e que você tenha domínio tecnológico.

Aí você diz: 'ah, mas tem eólica e solar'. Está bom, mas isso é absolutamente complementar. Quando você fala de estoque, visão estratégica de energia, por que os combustíveis fósseis são tão estratégicos? Porque você pode estocar.

Por isso defendo que a opção seja aberta. Se você não vai poder gerar hidroeletricidade na Amazônia porque é terra indígena ou por qualquer restrição, quais são as alternativas? Lembrando que temos um sistema interligado nacional, que tem de ter tarifa social competitiva, que tem que trabalhar segurança energética no sistema nacional, que existe sazonalidade e vulnerabilidade, tem que gerar emprego, desenvolvimento regional, essas coisas todas. Tudo tem que estar na mesa.

É impossível você querer fazer coisas no oba-oba. Também posso dizer que quero o Brasil com 0,5 bilhões de toneladas equivalentes de CO2 (a proposta do Brasil é de 1,21 bilhão em 2030), (o país) crescendo para 240 milhões de habitantes, com desigualdades regionais, é loucura. Seja realista e apresente coisas factíveis, e foi o que fizemos.

Agora, restaurar 12 milhões de hectares (de florestas degradadas) precisa aprender a fazer isso, não é trivial. Combinamos com o setor privado, que me deu o número de 20 milhões de hectares. Eu falei: 'Faz 12, e se puder rever, revejo'. Hoje a performance é 600 mil hectares. É maldade o que fizeram ao dizer que o Brasil já teria que fazer isso pelo Código Florestal. Código Florestal manda restaurar vegetação nativa, não é floresta.

O Código Florestal fala o seguinte: reserva legal você tem 20 anos para restaurar. APP não te dá o tempo para restaurar. Querem que coloque isso em 2030? A lei não me manda fazer isso. Ou você prepara a turma para fazer como deve ser feito, e é o que estamos fazendo, e coloca a condição do clima para influenciar nesse desenvolvimento, trabalhando com todos os setores da economia, com olhar regional.

Não adianta fazer só Sudeste, tenho que entender o país como um todo, transformar isso em estratégia de desenvolvimento.

E o Brasil apresentou a iNDC não condicionada a dinheiro internacional. Vários países apresentaram só se tiver ajuda internacional. A gente, não. Se tiver, ótimo, vou fazer talvez mais rápido, mas não foi condicionada. Espero, e a gente vai trabalhar para cumprir, e quem vier depois de mim que o faça.

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