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Há 1 século, expedição inaugurou ciência antártica; fim foi trágico

15 jul 2012 - 07h27
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A expedição Terra Nova, que completa 100 anos em 2012, aliava dois objetivos: a conquista do Polo Sul e o avanço da pesquisa científica na Antártida. A primeira meta foi frustrada por noruegueses, que fincaram lá bandeira 33 dias antes do grupo britânico. A segunda, porém, foi plenamente atingida: o legado rendeu o que se pode chamar hoje de início da ciência antártica. E os esforços em seu nome explicam parte da tragédia de Robert Falcon Scott e quatro de seus exploradores, que morreram de fome e frio na neve.

Robert Falcon Scott observa o gelo da Antártida durante a expedição Terra Nova
Robert Falcon Scott observa o gelo da Antártida durante a expedição Terra Nova
Foto: Getty

O componente científico foi a principal diferença entre a expedição de Scott e a do norueguês Roald Amundsen. Enquanto o primeiro reuniu o "grupo de cientistas mais impressionante que já estivera em qualquer expedição polar" (segundo seu biógrafo, David Crane) para retomar os estudos principiados em sua expedição anterior, Discovery, o segundo sequer levou cientistas para a sua jornada. Amundsen tinha como único objetivo ser o primeiro homem a chegar ao Polo Sul. Para desespero de Scott, o norueguês conseguiu.

Partindo de Cardiff, no País de Gales, no dia 15 de junho de 1910, a expedição britânica foi um divisor. Ela se situa no final da chamada Idade Heroica da Exploração da Antártida, quando os principais objetivos das expedições eram atingir os polos, estabelecer uma cartografia do terreno e voltar para casa com vida. "O que nós podemos dizer é que grande parte da ciência antártica se inicia após essa expedição", afirma o responsável pelo planejamento estratégico da parte científica do Programa Antártico Brasileiro, Jefferson Simões.

Para Simões, além do início das pesquisas sobre a geologia e a glaciologia do interior da Antártida, um dos principais avanços da expedição foi a montagem de uma logística para pesquisas científicas. "Essa era a grande diferença para uma expedição de aventura, como a do Amundsen, que não tinha ambição científica nenhuma", compara.

O cientista é o único PhD brasileiro formado pelo Instituto de Pesquisa Polar Scott (SPRI), o primeiro voltado às pesquisas polares em todo o mundo e parte da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. O instituto foi arquitetado em memória de Scott e seus companheiros, com fundos levantados após o fim trágico da expedição. Além de um centro de pesquisas, o SPRI possui um dos principais museus sobre o tema e uma das bibliotecas polares mais completas.

O SPRI é um dos repositários das mais de 2 mil amostras de animais e plantas obtidas na expedição, 400 delas novas para a ciência. O coordenador de exibições do instituto, Bryan Lintott, destaca: "As coletas incluem (e isso é apenas uma fração do total): Geologia - dois novos gêneros e espécies de fósseis antárticos; zoologia - milhares de espécimes, incluindo 46 crustáceos (14 desconhecidos) e 80 esponjas antárticas (11 desconhecidas); Botânica - 17 espécies de líquen (oito desconhecidas)".

Deriva continentalA coleta de fósseis de Glossopteris, arbustos lenhosos que mediam de 4 a 6 m de altura, reforçou a teoria da deriva continental. Foram os primeiros registros de vegetais primitivos obtidos na Antártida. "A descoberta mostrou que ali, no passado, existia uma grande floresta e reafirmou que as placas tectônicas eram unidas formando um grande e único continente", diz o biólogo Martin Sander, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos). "Esses fósseis ajudam a datar parte das Montanhas Transantárticas e foram evidências da deriva continental - até então uma teoria", explica Lintott.

Essa coleta mostra o quão engajados cientificamente estavam os exploradores. No fim de suas forças, eles abandonaram tudo que fazia peso para poderem continuar lutando pela vida. Apesar disso, mantiveram, com eles, 16kg de fósseis de Glossopteris. "Parece que, sabendo que suas chances de sobrevivência estavam diminuindo, eles escolheram carregar diários, observações meteorológicas e amostras de pedra até o fim - um legado de sua jornada ao Polo Sul", afirma Lintott.

Em busca dos pinguins-imperadoresNem todos os esforços da expedição, contudo, resultaram grande avanço científico. As agruras enfrentadas por três homens em busca de ovos de pinguins-imperadores é um exemplo. Narrada em livro, A pior viagem do mundo (The Worst Journey in the World, no original), por um dos cientistas envolvidos, Apsley Cherry-Garrard, a aventura tentava provar o elo evolutivo entre as aves e os répteis.

Assim, no dia 27 de junho de 1911, Cherry-Garrard e outros dois cientistas deixaram o Cabo Evans em direção à colônia de pinguins do Cabo Crozier. Depois da coleta de cinco ovos e da quebra acidental de dois deles, uma tempestade de neve destruiu o acampamento, qualquer esperança de novas coletas e quase todas as chances de sobrevivência dos homens. Por dois dias inteiros, eles permaneceram sem comida. Conseguiram retornar com vida mais de um mês depois, mas o esforço não confirmou a teoria. O estudo dos ovos foi publicado em 1934, quando a hipótese da ligação evolucionária já fora descartada havia muito tempo.

Em busca do Polo SulConforme os planos de Scott, três grupos começariam a jornada até o Polo Sul, mas apenas um seguiria até o fim. A jornada, que começou no dia 13 de setembro de 1911, não contou com a ajuda do clima: as temperaturas na Antártida bateram todos os recordes negativos. Em nenhum momento da viagem, a expedição desfrutou de temperaturas acima de -17°C. De acordo com os diários resgatados, Scott culpava principalmente as nevascas intensas e constantes pelas desventuras da jornada. "Não é possível ver a próxima barraca, muito menos a terra. É mais do que a nossa parcela de azar, mas talvez a sorte venha para o nosso lado", escreveu no dia 5 de dezembro de 1911.

Mas a sorte, tão esperada, não passou pelo caminho dos exploradores. No dia 11 de janeiro de 2012, ele escreveu em seu diário: "É quase inexplicável por que subitamente nós sentimos tanto frio". Cinco dias depois, o ápice da viagem. Um dos aventureiros avistou algo à distância e, após menos de duas horas, eles se aproximaram o suficiente para entender o que era aquele objeto: uma bandeira norueguesa. De volta ao diário: "Isso nos contou toda a história. Os noruegueses foram os primeiros no Polo. Muitos pensamentos vêm, e muita discussão já tivemos (...) Todos os devaneios devem ir embora; será um retorno enfadonho".

O fimSe fosse apenas enfadonha, seria uma excelente volta para casa. Em março de 2012, no entanto, a apenas 17 km do depósito de comida mais próximo, uma nevasca de enorme proporção os impediu de continuar. Uma ferida no pé de Scott havia inflamado, e a amputação era uma certeza. "São os passos para a minha queda", anotou. Nove dias depois, ainda sem poder reiniciar a caminhada, registrou-se a última anotação do explorador: "Parece uma pena, mas não acho que eu possa continuar a escrever. Por Deus, cuide da nossa gente". Ele teve ainda forças para redigir diversas cartas, uma das quais para a esposa: "Eu queria muito ajudar a criá-lo (nosso filho), mas é uma satisfação saber que ele estará seguro com você. Faça o garoto se interessar em história natural se você puder. É melhor do que esporte (...) E tente o fazer acreditar em um Deus, é confortador".

Em carta endereçada para o público, Scott definiu assim a viagem: "Nós assumimos riscos, nós sabíamos que os estávamos assumindo; as coisas acabaram mal, e assim nós não temos motivo para reclamar, e sim para nos curvar à vontade da Providência, determinados ainda em fazer o melhor até o final (...) Se tivéssemos sobrevivido, eu teria tido uma história para contar sobre a perseverança e a coragem dos meus companheiros que mexeria com o coração de todos os homens ingleses. Estas notas rabiscadas e nossos corpos vão ter de contar a história (...)".

A exposiçãoA Última Expedição de Scott ("Scott's Last Expedition"), até setembro no Museu de História Natural de Londres, também conta essa história. A mostra recria as condições inóspitas de vida dos desbravadores que morreram em nome da ciência, da ambição imperial e do desejo pessoal de seu líder em se tornar o primeiro a alcançar o temido Polo Sul.

O destaque da exposição é uma representação em tamanho real da tenda que abrigava os exploradores em Cape Evans. Contém, em seu interior, livros, jogos, gramofone, comida, roupas e diários que contam as agruras, dificuldades e intempéries enfrentadas pela expedição britânica. Os visitantes podem ver ainda itens raros utilizados pelos desbravadores, reproduções de jornais da época, fotos tiradas por Scott e espécimes científicas coletadas.

Onde: Natural History Museum (metrô: South Kensington / ônibus: 14, 49, 70, 74, 345, 360, 414)

Período: 20 de janeiro a 2 de setembro de 2012Horário

: 10h às 17h

Preços

: Adultos 9 libras / crianças 5,50

Fonte: GHX Comunicação
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