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Debilidade em cromossomo Y está ligada a anomalias sexuais

Debilidade em cromossomos Y está vinculada a anomalias sexuais

16 set 2009 - 08h39
(atualizado às 08h47)
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Alguns anos atrás, pesquisadores descobriram que palíndromos -sentenças que podem ser lidas de trás para frente ou de frente para trás sem que o sentido se altere - são um traço essencial de proteção do cromossomo Y, o cromossomo que determina o sexo masculino e que todos os homens herdaram de um único indivíduo que viveu cerca de 60 mil anos atrás. Cada homem porta um cromossomo Y recebido do pai e um cromossomo X recebido da mãe. As mulheres portam dois cromossomos Y, um de cada progenitor.

A história acaba de mudar uma vez mais, com a descoberta de que o sistema palindrômico de proteção sofre de uma simples fraqueza, capaz de explicar ampla variedade de anomalias sexuais, de feminização a reversões sexuais como as que caracterizam a síndrome de Turner, um problema que aflige mulheres portadoras de apenas um cromossomo X.

Os palíndromos cromossômicos foram descobertos em 2003, quando a sequência de bases do cromossomo Y, representada pelas familiares letras G, C, T e A, foi primeiro determinada, em pesquisa de David Page, do Instituto Whitehead, em Cambridge, Massachusetts, e colegas do centro de sequenciamento de DNA na escola de medicina da Universidade Washington, em St. Louis.

Eles representaram uma completa surpresa, mas conseguiram explicar de imediato um sério enigma evolutivo, o de como os genes do cromossomo Y são protegidos contra mutações paralisantes. Ao contrário de outros cromossomos, capazes de se reparar mutuamente porque existem em pares, um proveniente de cada progenitor, o Y não conta com sistema evidente de reserva. A natureza o impede de se recombinar ao seu parceiro, o X, exceto nas pontas, para evitar que esse gene que determina o sexo masculino se infiltre no X e cause caos.

A descoberta dos palíndromos explicava de que maneira o cromossomo Y havia conseguido descartar os maus gentes, ao longo da evolução: ele se recombina consigo mesmo. Os genes essenciais ficam incorporados a uma série de oito gigantescos palíndromos, cada qual com comprimento de até três milhões de unidades de DNA. Cada palíndromo se dobra facilmente como um grampo de cabelo, aproximando as duas alas que o compõe. A maquinaria de controle de DNA da célula detecta quaisquer diferenças entre as duas alas e é capaz de converter qualquer mutação de volta à sequência correta, o que salva os genes Y de decomposição por mutação.

Depois da descoberta dos palíndromos por Page, ele começou a imaginar se o sistema não apresentaria fraquezas capazes de explicar as anomalias do cromossomo sexual masculino que formam parte importante de seus estudos. Na mais recente edição da revista Cell, em artigo escrito com Julian Lange e outros colaboradores, Page descreve o que eles definem como "calcanhar de Aquiles" do cromossomo Y, e a ampla variedade de distúrbios sexuais que derivam dessa vulnerabilidade.

O perigo do sistema palindrômico de proteção surge quando uma célula duplicou todos os seus cromossomos antes da divisão celular, e cada par está armazenado em um local conhecido como "centrômero". O centrômero em breve se dividirá, e cada metade e seu cromossomo ficará vinculada a lados opostos da célula em divisão.

Mas antes que a cisão aconteça, porém, existe a probabilidade de um sério erro. Os palíndromos de um cromossomo Y podem se estender e formar uma atração fatal com os palíndromos assemelhados no cromossomo vizinho. Os dois Y se fundem no ponto de contato, e todos os dados da junção ao final do cromossomo se perdem.

Os Y duplos assim gerados têm comprimentos variáveis, a depender de que palíndromo tenha formado a conexão indesejada. Como outros cromossomos, o Y tem uma ala direita e uma ala esquerda, com um centrômero entre elas. O gene que determina o sexo masculino fica perto do final da ala esquerda. Caso os palíndromos do final da ala direita promovam a junção, resulta um duplo Y muito longo em que os dois centrômeros ficam muito próximos.

Page detectou em seus pacientes tanto duplos Y longos quanto curtos, e de todas as extensões entre esses dois extremos. Ele e os colegas perceberam também uma diferença surpreendente na aparência sexual dos pacientes, que dependia da distância entre os centrômeros de seus duplo Y.

Os pacientes nos quais a distância entre os dois centrômeros do duplo Y são homens. Mas quanto maior a distância entre os centrômeros, maior a possibilidade de feminização anatômica. Alguns dos pacientes eram tão feminizados que apresentavam sintomas de síndrome de Turner, a doença na qual uma mulher nasce com apenas um cromossomo X.

A explicação para essa gama de resultados, na opinião de Page, está na maneira pela qual os duplos Y são tratados na divisão de células, e nas consequências disso para a determinação do sexo de um feto. Quando os centrômeros estão próximos, são vistos como unos, e arrastados para um dos lados da célula em divisão. Desde que o gene Y, determinante do sexo masculino, esteja ativo nas células do tecido sexual fetal, ou gônada, essas gônadas tendem a se transformar em testículos, cujos hormônios masculinizarão o resto do corpo.

Mas quanto os centrômeros estão distantes, resulta um caos em termos de cromossomos. Durante a divisão da célula, os dois centrômeros são reconhecidos pela maquinaria de divisão celular e, no cabo-de-guerra resultante, o cromossomo duplo Y pode às vezes sobreviver e às vezes se dissolver e terminar perdido pela célula.

Esses indivíduos podem portar uma mistura de células, algumas das quais com duplo Y e outras sem cromossomo Y. Nas gônadas fetais, a mistura de células produz pessoas de sexo intermediário. Em muitos desses casos, os pacientes são criados como mulheres, mas têm tecido testicular de um lado do corpo e tecido ovariano do outro.

Na versão extrema do processo, a distribuição de células pode ser tal que nenhuma das células de gônadas fetais possua um cromossomo Y, ainda que outras células do corpo os contenham. Page e seus colegas constataram que cinco dos pacientes feminizados tinham sintomas típicos da síndrome de Turner. Page começou a trabalhar com eles porque suas células sanguíneas contêm cromossomos Y, mas, por puro acaso, embora a linhagem sanguínea contenha cromossomos Y, as essenciais gônadas fetais não os contêm.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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