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Cientistas tentam decifrar a linguagem dos macacos

14 jan 2010 - 09h11
(atualizado às 10h15)
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Atravessando a floresta Tai, na Costa do Marfim, Klaus Zuberbühler podia escutar os chamados dos macacos-diana, mas a tagarelice não fazia nenhum sentido para ele. Isso foi em 1990. Hoje, após quase 20 anos de estudos de comunicação animal, ele consegue traduzir os sons da floresta.

Babuínos reconhecem a ordem na qual dois sons são produzidos e relacionam diferentes significados para cada sequência
Babuínos reconhecem a ordem na qual dois sons são produzidos e relacionam diferentes significados para cada sequência
Foto: Getty Images

Um chamado significa que um macaco-diana viu um leopardo. E um segundo indica que ele avistou outro predador, a águia-coroada. "No nosso período de experiência, que foi uma experiência modesta, percebemos que existe muita informação sendo passada de maneiras que não havíamos percebido antes", disse Zuberbühler, psicólogo da Universidade de St. Andrews, na Escócia.

Será que grandes primatas e macacos têm uma linguagem secreta que ainda não foi decifrada? E se for o caso, será que isso vai resolver o mistério de como a faculdade humana da linguagem evoluiu? Biólogos abordam o assunto de duas maneiras: tentando ensinar linguagens humanas a chimpanzés e outras espécies, e escutando animais na vida selvagem.

A primeira estratégia foi impulsionada pelo desejo intenso das pessoas - talvez reforçado pela exposição infantil a animais falantes em desenhos animados - de se comunicar com outras espécies. Os cientistas dedicaram imenso esforço para ensinar a linguagem a chimpanzés, seja na forma de sons ou de sinais.

Em 1974, um repórter do New York Times que entende a linguagem dos sinais, Boyce Rensberger, foi capaz de realizar o que talvez seja a primeira entrevista jornalística com outra espécie ao conversar com a chimpanzé Lucy. Ela o convidou a subir numa árvore, proposta que ele recusou, disse Rensberger, que hoje está no MIT.

Mas, com poucas exceções, ensinar animais a linguagem humana provou ser um beco sem saída. Eles talvez devessem falar, mas não falam. Animais podem se comunicar com muita expressividade - é só ver como os cães definitivamente conseguem transmitir o que querem -, mas não conectam sons simbólicos em sentenças ou possuem qualquer coisa próxima a uma língua.

Uma melhor compreensão surgiu da escuta de sons feitos por animais na vida natural. Em 1980, descobriu-se que macacos da espécie Chlorocebus pygerythrus emitiam alertas específicos para seus predadores mais perigosos. Se os chamados fossem gravados e reproduzidos, os macacos responderiam apropriadamente. Eles pulavam em arbustos ao ouvir o chamado contra leopardos, olhavam para o chão com o chamado contra cobras e olhavam para cima quando o chamado contra águias era tocado.

É tentador pensar que a espécie possui palavras como "leopardo", "cobra" ou "águia", mas não é bem assim. Eles não combinam chamados com outros sons para produzir novos significados. Eles não os modulam, até onde se sabe, para comunicar que um leopardo está a 10 ou 100 metros de distância. Seus chamados de alerta se parecem menos com palavras e mais como alguém dizendo "Ai!" ¿ uma representação vocal de um estado mental interior ao invés de uma tentativa de comunicar uma informação exata.

Mas os chamados pelo menos possuem significado específico, o que é um começo. E os biólogos que analisaram os chamados dos C. pygerythrus, Robert Seyfarth e Dorothy Cheney, da Universidade da Pensilvânia, detectaram outro elemento importante na comunicação de primatas quando passaram a estudar babuínos.

Os babuínos são bem sensíveis quanto à hierarquia de sua sociedade. Se tocarmos uma gravação em que um babuíno superior ameaça um inferior, com o último gritando aterrorizado, os babuínos não darão qualquer atenção - isso acontece sempre nos assuntos babuínos.

Mas quando os pesquisadores inventam uma gravação em que um rugido de ameaça de um inferior precede o grito de um superior, babuínos vão olhar surpresos em direção à caixa de som que transmite essa aparente subversão da ordem social.

Os babuínos evidentemente reconhecem a ordem na qual dois sons são produzidos e relacionam diferentes significados para cada sequência. Eles e outras espécies, portanto, parecem muito mais próximos às pessoas na compreensão das sequências sonoras do que em sua produção. "A habilidade de pensar em sentenças não os leva a falar em sentenças", escreveram os doutores Seyfarth e Cheney no livro Baboon Metaphysics.

Algumas espécies talvez consigam produzir sons de maneiras que estejam um passo ou dois mais próximas da linguagem humana. Mês passado, Zuberbühler relatou que os macacos-de-campbell, que vivem nas florestas da Costa do Marfim, podem variar chamados individuais adicionando sufixos, como na conjugação de um verbo.

Os macacos-de-campbell dão um alerta "crac" quando veem um leopardo. Mas o acréscimo de um "-u" transforma-o em um alerta genérico de predadores. Um contexto para o som "crac-u" é quando eles escutam um alerta de leopardos vindo de outra espécie, o macaco-diana. Os macacos-de-campbell evidentemente seriam bons repórteres, já que distinguem entre leopardos observados diretamente (crac) e aqueles que escutaram outros observar (crac-u).

Ainda mais notável, os macacos-de-campbell podem combinar dois chamados para gerar um terceiro com significado diferente. Os machos têm um chamado "bum bum", que significa "estou aqui, venha até mim". Quando os "bum" são seguidos por uma série de "crac-u", o sentido muda bastante, afirma Zuberbühler. A sequência significa "Madeira! Árvore caindo!"

Zuberbühler observou conquista similar entre os macacos-de-nariz-branco, que combinam seu chamado "píou" (alerta de leopardo) com seu chamado "rac" (alerta de águia-coroada) em uma frase que significa "Vamos sair daqui o mais rápido possível".

Grandes primatas têm cérebros maiores do que esses macaquinhos e podem criar a expectativa de que produzem mais chamados. Mas se há um código elaborado de comunicação chimpanzé, seus primos humanos não o quebraram ainda. Os chimpanzés produzem um chamado de alimento que parece variar muito, talvez dependendo da aparente qualidade da comida. Quantas formas diferentes o chamado pode assumir? "Você teria que deixar que os próprios animais decidam quantos chamados com significado eles podem discriminar", disse Zuberbühler. Um projeto desses, estima ele, pode levar uma vida inteira de pesquisas.

Macacos e grandes primatas possuem muitas das faculdades que fundamentam a linguagem. Eles escutam e interpretam sequências de sons igual às pessoas. Eles têm um controle bom de seu trato vocal e podem produzir quase o mesmo rol de sons que os humanos. Mas eles não conseguem juntar tudo isso.

Isso é particularmente surpreendente, porque a linguagem é muito útil para uma espécie social. Depois que a infraestrutura da linguagem se consolida, como é quase o caso com macacos e grandes primatas, a faculdade deveria desenvolver muito rapidamente em padrões evolucionários.

No entanto, os macacos circulam por aí há 30 milhões de anos sem dizer uma única frase. Os chimpanzés também não têm nada que se pareça com uma língua, embora tenham dividido um ancestral em comum com os humanos há somente cinco milhões de anos. O que manteve todos os outros primatas fechados na prisão de seus próprios pensamentos?

Seyfarth e Cheney acreditam que uma razão pode ser a ausência de uma "teoria da mente"; o reconhecimento de que os outros têm pensamentos. Já que um babuíno não sabe ou se preocupa com o que o outro babuíno sabe, não existe ímpeto para repartir seu conhecimento. Zuberbühler sublinha que a intenção de se comunicar é o fator ausente. As mais novas das crianças já têm um grande desejo de compartilhar informação com outros, mesmo não obtendo nenhum benefício imediato fazendo isso. Não é isso que ocorre com os outros primatas.

"Por princípio, um chimpanzé poderia produzir todos os sons que um humano produz, mas não o faz porque não há nenhuma pressão evolucionária nesse sentido", disse Zuberbühler. "Um chimpanzé não tem nada a dizer porque ele não tem nenhum interesse em falar." Em algum ponto da evolução humana, por outro lado, as pessoas desenvolveram o desejo de compartilhar pensamentos, observa Zuberbühler.

Felizmente para elas, todos os sistemas básicos de percepção e produção sonora já existiam como parte da herança primata, e a seleção natural precisou apenas encontrar uma forma de conectar esses sistemas ao pensamento.

Entretanto, é esse o passo que parece o mais misterioso de todos. Marc D. Hauser, especialista em comunicação animal de Harvard, vê a interação desinibida entre diferentes sistemas neurais como crítica para o desenvolvimento da linguagem. "Por alguma razão, talvez um acidente, nosso cérebro é promiscuo de uma forma que os cérebros dos animais não são, e depois que isso emerge temos uma explosão", disse.

Nos cérebros dos animais, por contraste, cada sistema neural parece estar preso no lugar e não consegue interagir livremente com os outros. "Os chimpanzés têm uma infinidade a dizer, mas não conseguem", disse Hauser. Os chimpanzés conseguem ler os objetivos e as intenções uns dos outros e fazem muitas estratégias políticas, em que a linguagem seria muito útil. Mas os sistemas neurais que computam essas interações sociais complexas não se casaram com a linguagem.

Hauser está tentando descobrir se animais podem perceber alguns dos aspectos críticos da linguagem, mesmo se não conseguem produzi-la. Ele e Ansgar Endress relataram no ano passado que saguis-cabeça-de-algodão conseguem distinguir uma palavra acrescentada antes de outra da mesma palavra colocada depois. Isso pode parecer a habilidade sintática de reconhecer sufixo ou prefixo, mas Hauser acha que se trata apenas da habilidade de reconhecer quando uma coisa vem antes de outra, com pouca relação com sintaxe.

"Estou ficando pessimista", disse sobre os esforços de explorar se animais têm alguma forma de linguagem. "Eu conclui que os métodos que temos são insuficientes e não nos levam aonde queremos na demonstração de alguma semântica ou sintaxe."

No entanto, como fica evidente na pesquisa de Zuberbühler, existem muitos sons aparentemente sem sentido na floresta que transmitem informações de maneiras parecidas com a linguagem.

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
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