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Biólogo divulga estudo falso em 157 publicações especializadas

4 out 2013 - 13h53
(atualizado às 13h53)
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O cientista e jornalista John Bohannon contou na quinta-feira na revista especializada Science como conseguiu emplacar uma pesquisa falsa em diversas publicações científicas de acesso grátis. O biólogo afirma que o artigo, que seria rejeitado por qualquer um "com mais conhecimento de química do que um aluno do ensino médio e a habilidade de entender gráficos básicos", foi aceito por 157 dos 304 jornais aos quais ele foi submetido, alguns de grandes editores ou ligados a universidades internacionalmente reconhecidas. "Os dados dessa operação revelam os contornos de um Velho Oeste emergente na publicação acadêmica", diz o biólogo.

Bohannon, que é doutor em biologia molecular pela Universidade de Oxford (Reino Unido) e escreve para a revista Wired, criou um artigo sobre um suposto componente anticancerígeno de um tipo de líquen. Ele assinou como Ocorrafoo Cobange, do Instituto de Medicina Wassee, em Asmara. Nem Cobange, nem o Wassee existem. 

Uma das publicações que aceitou o falso estudo é o Journal of Natural Pharmaceuticals, da editora Medknow, com sede na Índia e dona de mais de 270 jornais científicos de acesso aberto. Além dessa, títulos de editoras "titânicas" (como chama o biólogo) como Elsevier e Sage, e ligadas a instituições prestigiadas, como a Universidade de Kobe (Japão) também aceitaram o embuste. Ele foi divulgado até mesmo em publicações que nada tinham a ver com o tema do "estudo" - como um jornal de reprodução assistida.

"Aceitar é a norma, não a exceção", diz o cientista. Segundo ele, em um dos casos, o Plos One - que já foi criticado por supostamente ter pouca qualidade na revisão por pares -, da Biblioteca Pública de Ciência dos Estados Unidos, foi o único a chamar atenção para possíveis problemas éticos com o texto, como a falta de documentação sobre o tratamento dos animais usados. O jornal rejeitou o artigo duas semanas depois de recebê-lo devido à falta de qualidade científica.

Segundo o biólogo, muitas publicações não cobram pelo acesso ao conteúdo - mas cobram do pesquisador para que o texto seja divulgado em suas páginas. Ele diz que a ideia de submeter um estudo falso surgiu em julho de 2012. Os editores da Science receberam um e-mail do biólogo David Ross, da Universidade da Pensilvânia, no qual detalha o processo de publicação de um artigo de Aline Noutcha, da Universidade de Port Harcourt, na Nigéria.

Aline havia pesquisado, junto com Ross, o mosquito transmissor do vírus da febre do Nilo. Ela submeteu o artigo a um jornal de acesso aberto. O estudo foi aceito, mas a pesquisadora foi pega de surpresa ao ser cobrada em US$ 150. No e-mail, Ross reclama que ocorre uma tendência em crescimento de enganosos jornais de acesso grátis "que parasitam a comunidade de pesquisa científica".

Bohannon então começou a planejar uma lista de jornais para tentar emplacar o embuste. Ele diz que um deles, da editora Sage, não pediu nenhuma modificação - apenas uma taxa de US$ 3,1 mil.

"Eu tomo total responsabilidade pelo fato deste embuste ter passado pelo processo editorial", diz Malcolm Lader, editor-chefe do Journal of International Medical Research (que cobrou os US$ 3,1 mil). Lader, que é professor do King’s College London, diz que o valor é cobrado porque a segunda fase após o artigo ser aceito, de edição técnica, é detalhada e cara - e os estudos ainda podem ser rejeitados.

Segundo a Elsevier, o jornal que aceitou o falso estudo não pertence à empresa. "Nós publicamos para outra pessoa", diz Tom Reller, vice-presidente para relações corporativas globais da editora. Raghavendra Kulkarni, do Colégio de Farmácia BLDEA, em Bijapur, Índia, e creditado como editor-chefe da publicação, diz não ter acesso ao processo editorial da Elsevier desde abril, quando o dono do jornal começou a trabalhar nesse processo.

Shun-ichi Nakamura, editor-chefe do Kobe Journal of Medical Sciences e professor de medicina da universidade de mesmo nome, não respondeu aos contatos da Science. Seu assistente, Reiko Kharbas, diz que o jornal recebeu a informação de que o estudo era falso antes da publicação, e que a carta de aceitação do artigo não teve efeito.

"Jornais sem controle de qualidade são destrutivos, especialmente em países em desenvolvimento, nos quais os governos e universidades estão se enchendo com pessoas com credenciais científicas falsas", diz Paul Ginsparg, físico da Universidade Cornell e fundador do arXiv, plataforma de divulgação de estudos. "Todos concordam que o acesso livre é uma boa coisa. A questão é como realizá-lo", diz Ross.

Fonte: Terra
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