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Aspirina pode ter influenciado epidemia de gripe de 1918

14 out 2009 - 09h02
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A epidemia de gripe de 1918 foi provavelmente a mais mortífera praga da história humana, causando mais de 50 milhões de mortes em todo o mundo. Agora, parece que um pequeno número de mortes pode ter sido causado não só pelo vírus como pelo medicamento usado em seu tratamento: a aspirina.

A Dra. Karen Starko, autora de um dos primeiros estudos que vincula o uso de aspirina à síndrome de Reyes, publicou um artigo no qual sugere que overdoses do novo "remédio miraculoso" podem ter tido consequências fatais.

O que despertou as suspeitas de Starko é que altas dosagens de aspirina, hoje consideradas como perigosas, eram usadas comumente no tratamento da gripe, e pode ter sido difícil distinguir entre os sintomas de overdose de aspirina e os da gripe, especialmente para pacientes que morriam rapidamente depois da infecção.

Algumas dúvidas já foram ventiladas na época. Pelo menos um patologista da era, que trabalhava para o Serviço de Saúde Pública, reportou que os danos pulmonares que encontrara em autópsias de mortes rápidas eram pequenos demais para que se pudesse atribui-los a uma pneunomia viral, e que o grande volume de um líquido sangrento e aquoso encontrado nos pulmões poderia ter tido outra causa.

Starko reconheceu que não dispunha de relatórios de autópsia ou outros documentos que possam provar que a aspirina era o problema. "A situação naqueles lugares era caótica", ela disse, "e não estou certa de que os registros fossem precisos em todas as instituições".

Mas dos muitos fatores que podem ter influenciado o desfecho de qualquer caso específico, escreveu Starko, a overdose por aspirina se destaca por diversos motivos, entre os quais uma confluência de acontecimentos históricos.

Em fevereiro de 1917 a Bayer perdeu sua patente sobre a aspirina nos Estados Unidos, o que abriu o mercado de um medicamento lucrativo a muitos fabricantes. A Bayer contra-atacou com copiosa publicidade, na qual celebrava a pureza de sua marca, enquanto a epidemia se agravava.

As embalagens de aspirina não continham informações sobre toxicidade e poucas instruções de uso. No final de 1918, diante de uma doença mortífera e que estava se espalhando sem controle, o serviço de saúde pública e a marinha dos Estados Unidos passaram a recomendar a aspirina para tratamento dos sintomas, e as forças armadas adquiriram largo volume do medicamento.

O Journal of the American Medical Association sugeria dosagem de mil miligramas a cada três horas, o equivalente a quase 25 tabletes padrão de 325 miligramas a cada 24 horas. Essa dosagem é cerca de duas vezes mais alta do que o máximo considerado seguro hoje em dia.

O estudo de Starko, publicado na edição de 1° de novembro da Clinical Infectious Diseases, despertou certo interesse, ainda que não tenha sido endossado entusiasticamente, entre os demais especialistas.

"Creio que o estudo seja criativo e faça perguntas pertinentes", disse John Barry, autor de um livro sobre a epidemia de gripe de 1918. "Mas não sabemos quantas pessoas de fato receberam dosagens de aspirina como as discutidas no artigo".

A farmacologia da aspirina é complexa e só passou a ser compreendida em sua plenitude nos anos 60, mas a questão da dosagem é crucial. Dobrar a dose ministrada a intervalos de seis horas por causar elevação de 400% no nível de medicamento que permanece no organismo. Até mesmo doses diárias razoavelmente baixas - de seis a nove tabletes padrão de aspirina a cada dia, por alguns dias - pode causar pressão arterial perigosamente alta em algumas pessoas.

Peter Chyka, professor de farmácia na Universidade do Tennessee, disse que considera a teoria de Starko "intrigante". Na época, diz, pouco se conhecia sobre dosagens seguras, e os médicos muitas vezes iam aumentando a dose até que percebessem sinais de toxicidade.

"No contexto do que hoje conhecemos sobre a aspirina e outros produtos assemelhados à aspirina, Starko fez um esforço interessante para montar esse cenário", disse Chyka. "Existem outras coisas que não apenas a gripe que podem complicar uma doença como essa".

Ainda que duvide que mais que um pequeno número de mortes possa ser atribuído a overdoses de aspirina, o Dr. David Morens, epidemiologista do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, disse que o estudo era importante porque "faz uma tentativa de estudar fatores ambientais ou de hospedagem que podem ter influenciado a situação". Ele disse que "não fomos capazes de explicar pelo vírus da gripe em si todas as mortes de jovens adultos registradas naquela época".

Starko hesita em estimar o número de mortes que podem ter sido causadas por overdoses de aspirina, mas sugeriu que os arquivos das forças armadas podem ser uma fonte de informações interessante. "Espero que outros pesquisadores sigam o caminho que abri", disse, "com o exame dos registros de tratamento disponíveis".

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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