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Heteropoda davidbowie e Godzillius: veja nomes inusitados de espécies

25 ago 2012 - 11h01
(atualizado às 12h16)
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Arnold Schwarzenegger, Beyoncé e David Bowie têm algo em comum além da fama: emprestam seus nomes a animais. Os responsáveis pela fauna célebre são os taxonomistas, os pesquisadores que identificam os seres vivos e, muitas vezes, fogem dos nomes tradicionais - os quais descrevem atributos como as características da espécie e a localidade onde ela foi encontrada - para homenagear cientistas, artistas e personagens do cinema. Mas nem sempre a graça advém da atribuição de nomes humanos aos animais, como prova o Godzillius robustus, pequeno crustáceo das Bahamas.

A aranha  Predatoroonops schwarzeneggeri foi descoberta no Brasil e homenageia o filme Predador e o ator Arnold Schwarzenegger
A aranha Predatoroonops schwarzeneggeri foi descoberta no Brasil e homenageia o filme Predador e o ator Arnold Schwarzenegger
Foto: Instituto Butantan / Divulgação

De acordo com Bryan Lessard, entomologista da Organização para a Pesquisa Industrial e Científica (CSIRO), da Austrália, dar o nome de uma celebridade a uma nova espécie aumenta a conscientização da importância da taxonomia, demonstrando que a ciência também pode ser divertida. Em sua primeira identificação de uma espécie, o cientista relacionou uma rara mosca australiana à cantora Beyoncé. O resultado: Scaptia (Plinthina) beyonceae. Conforme o cientista, o nome surgiu devido à semelhança do tom dourado do inseto com o da roupa usada pela cantora no videoclipe Bootylicious. "Eu queria fazer algo especial. Eu estava ouvindo a música dela no laboratório e queria honrar Beyoncé e a mosca, porque ambas são glamorosas e poderosas quando se trata de desempenho", argumenta o entomologista.

Realeza anfíbia

A mosca australiana se junta a um time de espécies "famosas", que receberam o nome célebre devido a alguma característica em comum ou a uma homenagem especial.

Agra schwarzeneggeri

, por exemplo, é um besouro de porte avantajado, em alusão ao ator Arnold Schwarzenegger. Até mesmo o personagem de desenho Bob Esponja Calça Quadrada dá nome a um fungo:

Spongiforma squarepantsii

. Nem a Realeza britânica foi poupada. A bióloga e pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Laura Cappelatti, lembra que o Príncipe Charles foi homenageado em uma espécie de anfíbio, nomeada de

Hyloscirtus princecharlesi

.

"Um caso recente que achei interessante foi o da espécie de borboleta Prenda clarissa, no Rio Grande do Sul", conta Laura. "Além de o gênero (Prenda) homenagear a mulher gaúcha, o epíteto específico (clarissa) remete à personagem do livro do escritor Érico Verissimo".

Homenagem aracnídea

De acordo com o biólogo Antonio Domingos Brescovit, pesquisador do Instituto Butantan, as aranhas também costumam ser agraciadas com nomes de celebridades. David Bowie dá nome à aranha

Heteropoda davidbowie

, enquanto a

Calponia harrisonfordi

foi uma homenagem ao ator Harrison Ford por seu apoio financeiro ao Museu Americano de História Natural, de Nova York. Até o mascote da empresa francesa de pneus Michelin, chamado Bibendum, foi homenageado por Brescovit e outros pesquisadores com o nome

Melychiopharis bibendum

, devido ao apoio da empresa a um trabalho realizado na Bahia.

Apesar disso, Brescovit não ficou satisfeito e prestou mais uma homenagem recentemente, aumentando a lista de aranhas famosas. Ele e mais quatro pesquisadores do Instituto Butantan, de São Paulo, fazem parte do grupo brasileiro que participa do projeto The Globin Spider PBI, cujo estudo abrange aranhas da família Oonopidae. Eles descobriram recentemente 17 novas espécies de aranhas na Mata Atlântica, que foram batizadas com inspiração no filme Predador.

Segundo Brescovit, a homenagem ao filme foi uma coincidência em função dos aspectos morfológicos das quelíceras (apêndices para capturar presas) da aranha. "Quando achamos os primeiros exemplares, logo notamos esta semelhança com a face do Predador, sem sua máscara. Assim as aranhas ficaram sendo chamadas de Predatoroonops entre todos os participantes, até que assumimos colocar oficialmente este nome no gênero", explica. Para incrementar a homenagem ao filme, que completa 25 anos em 2012 os pesquisadores decidiram contemplar todos os artistas com os nomes das espécies. Arnold Schwarzenegger, que interpreta o mocinho Dutch, recebeu dupla homenagem: Predatoroonops schwarzeneggeri e Predatoroonops dutch.

Scytodes piroca: não é o que você pensa

Laura explica que os nomes científicos geralmente descrevem uma ou mais características na espécie e podem formar combinações estranhas, como, por exemplo,

Griseotyrannus aurantioatrocristatus

: ave da família Tyrannidae, cinza, de capuz preto com amarelo. Ela cita ainda a espécie

Godzillius robustus

que, ao contrário do que parece, é um pequeno crustáceo das Bahamas.

Para o doutor em zoologia e professor do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP), Antônio Carlos Marques, os nomes podem não ter qualquer sentido real, como no caso do bivalve chamado Abra cadabra. Outros podem ser de mau gosto, como em Foadia pakaluk, em alusão à expressão fuck off or die. "Entretanto o código que regula os nomes das espécies rege que nenhum pesquisador deve propor um nome que, segundo o seu conhecimento, seja ofensivo", afirma Marques.

Mesmo nomes que possuem sentido objetivo podem ser bastante curiosos. Em suas próprias identificações, Brescovit encontra casos assim. Mesabolivar cuarassu é uma espécie endêmica da Ilha da Queimada Grande, em São Paulo, cujo nome significa "genitália grande". "Neste caso a genitália da fêmea é quase do tamanho do abdômen da aranha, um exagero", justifica. Já para a Scytodes piroca, o pesquisador explica que, apesar de parecer pejorativo, é o nome de uma localidade no Acre, e "não o que as pessoas logo pensam".

Valorização científica

Além de nomes científicos que caracterizam a espécie ou que tenham alguma relação com o local onde ela foi encontrada, o mais comum na taxonomia é homenagear biólogos e pesquisadores conhecidos ou que tenham, de alguma forma, contribuído para o trabalho em questão. Um exemplo, conforme Marques, são as inúmeras espécies batizadas de

darwini

ou

darwinianus

, em referência a Charles Darwin. Quem também dá nome a diversas espécies, como a serpente

Calamaria linnaei

, foi Carl Linnaeus. "Ele foi o botânico que criou o sistema de nomenclatura binominal usado até hoje", argumenta a bióloga Laura. Outro cientista reconhecido, segundo ela, é o ornitólogo Hermann von Ihering, cujo nome originou o registro à espécie

Phyllomedusa iheringii

.

Conforme o professor aposentado Ubirajara R. Martins, doutor em ciências que já publicou mais de 500 espécies da família de insetos Cerambycidae (Coleoptera), existem ainda outros nomes dedicados a grandes especialistas, como Macrodontia batesi, em homenagem a H. W. Bates, e Rhatimoscelis melzeri, em homenagem a J. Melzer.

Segundo Hilda Maria Longhi-Wagner, professora do Departamento de Botânica da UFRGS, na taxonomia vegetal muitos pesquisadores também são prestigiados: Stipa sellowiana, em homenagem ao pesquisador Sellow, que coletou bastante no Brasil, antigamente. Briza lindmanii, em referência ao pesquisador alemão Lindman, que viajou e coletou no sul do Brasil e Axonopus ramboi, em homenagem ao grande botânico Balduino Rambo, que foi professor do Colégio Anchieta e coletou muitas plantas no Rio Grande do Sul e escreveu várias obras sobre o assunto.

É frequente também que a homenagem prestigie pessoas que cooperaram diretamente com o trabalho do pesquisador, como no caso de Cláudio Ruy Fonseca, do Inpa. Ele deu nome à espécie Passalusreyesi, um besouro da família Passalida, em homenagem ao pesquisador Pedro Reyes, um dos grandes taxônomos do grupo. Já a espécie Spasalus aquinoi, besouro da família Passalidae, foi uma homenagem que Fonseca fez ao técnico que trabalhou com ele muitos anos na coleta de material entomológico em vários pontos da Amazônia. "Desta forma, há inúmeras espécies que receberam nomes que homenageiam personalidades ou pessoas que tiveram participação ativa nos trabalhos de pesquisas", salienta.

Cansonomia

Registrar uma nova espécie não é um trabalho simples. Consiste em anos de estudo, pesquisa e diversas etapas até a sua conclusão. O primeiro passo, segundo Hilda Maria, constitui-se da averiguação de que a espécie é realmente nova e que não foi validamente descrita antes, por outro autor. E isso demanda uma pesquisa bastante cuidadosa. Marques explica que, a fim de se saber que um determinado organismo pertence a uma espécie que nunca foi descrita, deve-se conhecer todas as espécies que já foram descritas para o grupo daquele organismo e verificar algo no novo organismo que o diferencie das espécies anteriores.

Após essa constatação, realiza-se descrição da nova espécie, sempre seguindo os padrões ditados pelos códigos de nomenclatura para cada grupo. De acordo com Brescovit, para ter validade, a descrição deve ser documentada em um trabalho científico, publicado em uma revista científica de taxonomia de qualidade.

Quem são essas pessoas?

Plantas, animais e microorganismos normalmente são classificados e identificados pelos taxonomistas, profissionais que geralmente possuem formação na área de Ciências Biológicas. "A taxonomia é uma atividade muito trabalhosa e requer densa formação", explica Fonseca. Para ele, do ponto de vista formal, somente os taxonomistas são capacitados para classificar os organismos.

Contudo Marques esclarece que, como a formação do taxonomista geralmente ocorre no nível de pós-graduação e o ingresso nos programas de PG pode ocorrer para um profissional com título em qualquer área, há taxonomistas com formações variadas. Brescovit explica que também existem os parataxonomistas, treinados por taxonomistas, que muitas vezes não são biólogos, mas podem exercer a função.

Há também taxonomistas informais. "Os taxonomistas podem ser amadores, um segmento que, nos últimos tempos, vem inclusive aumentando a produção em taxonomia", diz Marques. Ele cita o caso do imperador Hirohito do Japão, agora chamado de imperador Showa, um amador famoso que trabalhou durante toda sua vida com organismos marinhos chamados hidróides (parentes dos corais e águas vivas).

Não existe um número exato de quantos taxonomistas existem hoje no Brasil e no mundo. Mas há muito trabalho a ser feito. "Nós só descrevemos cerca de 10% das espécies da Terra, e uma nova geração de taxonomistas é necessária para descrever os outros 90%, antes que elas se tornem extintas devido aos nossos impactos nocivos sobre o ambiente", reforça Lessard. Com uma tarefa dessa dimensão, é bom que os taxonomistas encarem com bom humor o trabalho.

Fonte: GHX Comunicação
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