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'Lady Gaga da matemática': prefiro resolver questão a levar US$ 1 mi

15 ago 2012 - 18h01
(atualizado às 21h46)
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Mônica Garcia
Direto do Rio de Janeiro

Cédric Villani tem no currículo condecorações como a medalha Fields 2010, considerada o Nobel da ciência exata
Cédric Villani tem no currículo condecorações como a medalha Fields 2010, considerada o Nobel da ciência exata
Foto: Mônica Garcia / Terra

Enquanto a cantora não aporta em terras brasileiras, o "Lady Gaga da matemática" já está no Brasil. O francês Cédric Villani, um dos mais renomados matemáticos da atualidade, chegou ao País no fim de semana e na terça-feira já proferiu a primeira palestra para um público ávido por números no Rio de Janeiro.

Casado e pai de dois filhos, Villani, 38 anos, é diretor do Institut Henri Poincaré e professor da Université de Lyon, na França. Tem no currículo condecorações como a medalha Fields 2010, o maior prêmio da área, considerado o Nobel da ciência exata. Nos últimos anos, faturou ainda os prêmios Jacques Herbrand (Academia de Ciências da França), European Mathematical Society, Fermat e Henri Poincaré.

A convite do Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa), ele veio ao Brasil proferir palestras e mostrar um pouco do seu jeito irreverente e falante, com um jeito de vestir que chama a atenção por onde ele passa. Perguntado sobre como surgiu o apelido peculiar, diz que foi pelo jeito espontâneo e alegre.

O matemático segue para São Paulo onde amanhã à noite faz uma palestra aberta ao público no Sesc da Vila Mariana e, na sexta, no Instituto de Matemática e Estatística (IME) da USP. Ele deixa o País no fim de semana.

Confira a seguir a entrevista completa com Cédric Villani.

Terra - Quem é Cédric Villani?

Cédric Villani

- Alguém que usa a matemática para desvendar o mundo, que usa as fórmulas como uma forma de entendê-lo. A matemática tem me aproximado das pessoas e das diferentes culturas e me dado a possibilidade de conhecer países diferentes. Um homem apaixonado pela sua família e que quer fazer a matemática brilhar em todos os lugares.

Terra - Como surgiu o apelido de Lady Gaga da matemática? Foi uma forma de aproximar os jovens das ciências exatas?

Villani

- Não, o apelido surgiu durante uma entrevista com um jornalista francês. Foi pela forma que eu me vestia e porque eu dava atenção aos jornalistas e para o público, o que muitas vezes não acontece com outros estudiosos, que são mais fechados. Então, ele me chamou de Lady Gaga da matemática. Eu gostei e adotei o apelido.

Eu tenho esse estilo de me vestir há muito tempo. Pode ser que ele me aproxime mais dos jovens, não sei. Mas isso nunca foi pensado, não é de propósito. Eu só quero chamar a atenção para uma coisa: transmitir a ciência dos números para todos.

Terra - Quando surgiu a paixão pela matemática?

Villani

- Não diria paixão, mas o meu primeiro interesse surgiu com 13, 14 anos. Nessa época, eu apenas gostava de resolver questões. A paixão mesmo veio depois do meu doutorado. Acho que o trabalho final é o momento mais dramático da vida de uma pessoa.

Terra - Você vê os jovens menos interessados na matemática hoje?

Villani

- Não só na matemática, mas em todas as ciências. É certamente um dos maiores problemas na ciência hoje. Isso acontece tanto nos países subdesenvolvidos como nos países desenvolvidos, é um fenômeno mundial. Os jovens acham tudo muito complicado, e nas ciências você tem que se dedicar muito. Há bons empregos nessas áreas, nos quais você tem uma segurança financeira boa, mas isso só acontece quando você estuda.

Terra - A medalha Fields é um dos principais prêmios da Matemática, muitos a chamam de "Nobel da Matemática". A premiação é realizada de quatro em quatro anos, enquanto o Nobel é anual. Os valores também são distintos. O Nobel premia com cerca de US$ 1 milhão, o Fields premia com 15 mil dólares canadense. Você acredita que o prêmio do Fields é desvalorizado?

Villani

- Essa medalha tem grande importância para nós. Para os matemáticos, pouco importa o valor do prêmio, e sim o que ele significa. Para mim, US$ 1 milhão não se compara a resolução de uma questão. A medalha Fields pode até trazer um aumento no seu salário, caso você a associe a algum projeto, mas eu não quis me associar a nenhum.

Terra - Por que estudar as equações diferenciais parciais?

Aconteceu por meio de professores e matemáticos que tive contato durante uma crise existencial, com uns 20 anos. Conversando com eles comecei a achar interessante, porque eu queria algo que fosse aplicado, palpável e contínuo. Meu supervisor sugeriu a equação de Boltzmann, que eu passei a estudar. Sempre gostei de fórmulas que pudessem ser aplicadas por todos, que pudessem descrever as galáxias, as mudanças climáticas, enfim, que fizessem parte do cotidiano das pessoas. Conseguir descobrir, por exemplo, a pressão dessa mesa é algo fascinante e fácil (nesse momento, Villani se levanta e começa a pressionar a mesa com força e entusiasmo).

Terra - Quão inovadora precisa ser uma pesquisa para ganhar uma medalha Fields?

Villani

- É um trabalho longo, que não fiz sozinho. Foram mais de 10 anos desenvolvendo o projeto. Durante essa pesquisa, continuei com os meus outros trabalhos paralelos, investigando outros problemas. Geralmente os matemáticos são mais produtivos mais cedo do que outros cientistas. Em matemática, criatividade e inspiração têm um papel mais importante do que experiência, quando comparada com outras ciências.

Terra - Você ficou surpreso ou já esperava esse reconhecimento? Esse era um objetivo da sua carreira?

Villani

- Acho que traz má sorte trabalhar em prol do sucesso. É muito difícil trabalhar pensando nisso, mas é inevitável não pensar. Não é eficiente trabalhar e estudar com esse pensamento. Eu tinha 40% de chance de ganhar o prêmio, e você não sabe quem é o júri, então tudo era uma incógnita.

Terra - O Brasil tem investido em pesquisas científicas nos últimos anos, e esperamos colher esses frutos em breve. O que é preciso para se conseguir um reconhecimento como o Nobel ou a medalha Fields?

Villani

- Esperar dois anos, é isso que vocês precisam fazer. Acho que o Artur Ávila tem grandes chances de ganhar o próximo prêmio. Ele podia ter ganhado o último, mas o júri achou que ele era muito novo e podia esperar um pouco mais.

Terra - O governo brasileiro tem um programa chamado Ciência sem Fronteiras que promove um intercâmbio de estudantes para que se exponham a outras comunidades científicas pelo mundo. O quanto isso pode contribuir?

Villani

- Eu aprendi muito fazendo intercâmbios, acho de suma importância esses investimentos para os países e as ciências. Muitas das minhas dúvidas e questionamentos foram solucionados durante um intercâmbio nos Estados Unidos.

O governo precisa saber também que esses investimentos são em longo prazo, e que eles levam 10, 20 anos para trazer resultados. Não é de uma hora para a outra.

Terra - Críticos dizem que o Brasil deve se concentrar em resolver alguns dos problemas do País, como o sistema público de saúde, por exemplo, em vez de financiar esse tipo de programa de fomento a ciência. Qual você acha que deve ser o equilíbrio entre os dois?

Villani

- Aprendi que é preciso trabalhar em todos os setores, e não em um isoladamente. Todas as coisas estão interligadas, pois investindo em ciências, você estará investindo em saúde, educação, meio ambiente, enfim, em diversas áreas, e assim você consegue soluções para os problemas básicos.

Investir em pesquisas é muito importante para o Brasil, principalmente com toda a biodiversidade que existe aqui. O Brasil hoje tem duas preocupações, em minha opinião, o meio ambiente e a segurança. O Rio, por exemplo, é muito mal falado por causa da segurança. O dia que as pessoas tiverem segurança para vir, elas virão aos montes. Além disso, o povo brasileiro precisa cuidar da Floresta Amazônica. Isso precisa estar cada vez mais dentro da cabeça das pessoas.

Terra - Uma curiosidade. Por que o broche de aranha?

Villani

- A aranha é o meu segredo. Comecei a usar há uns 8 anos. Acho legal cada um interpretar o meu broche de um jeito ou de outro. É como um quadro ou um poema, você olha e tem a sua interpretação.

Fonte: Terra
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