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Reconstrução de rostos ainda desafia ciência e médicos

25 mar 2012 - 11h49
(atualizado às 12h03)
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MELISSA BECKER
Direto de Birmingham

Sobrevivente paquistanesa recebe tratamento do médico Mohammad Jawad por meio da ONG Islamic Help
Sobrevivente paquistanesa recebe tratamento do médico Mohammad Jawad por meio da ONG Islamic Help
Foto: Asad Faruqi / Divulgação

A reconstrução de faces desfiguradas por ataques ou acidentes com ácido ainda é um grande desafio para médicos. Mais do que avanços na área da cirurgia plástica reparadora, pesquisas com células-tronco e até transplante de rosto, em casos mais severos, dão esperanças para pacientes no futuro.

Funções, estética e simetria ao restaurar todos os componentes da face ou de outra parte do corpo são os principais pontos deste tipo de operação, explica ao Terra o cirurgião plástico Mohammad Jawad, que teve seu trabalho voluntário com sobreviventes de ataques com ácido no Paquistão mostrado em Saving Face, ganhador do Oscar de documentário de curta-metragem neste ano. Os profissionais procuram deixar o mínimo possível de cicatriz, distorção, contratura ou alteração de cor ou textura da pele. Mesmo assim, ao ser reconstruído, um rosto nunca será como antes (veja abaixo o que o ácido provoca em contato com a pele).

"Nosso objetivo é atingir um ponto em que o paciente pode tomar uma decisão consciente de não se submeter mais a cirurgias e continuar com sua nova vida após o trauma. Esforçar-se por perfeição por muito tempo pode resultar em vantagem zero ou ainda desvantagem", avalia o cirurgião plástico britânico Ronald Hiles, que já tratou cerca de 2 mil sobreviventes na Ásia por meio da Acid Survivors Trust International (ASTI).

De acordo com ele, pesquisas estão em andamento para descobrir melhores maneiras de criar uma nova pele sem causar grandes cicatrizes secundárias no paciente, em caso do uso de enxertos (pele retirada de outra parte do corpo). O ideal é que a substituta tenha a mesma cor e textura, sem tendência a contrair.

"Muito progresso tem sido feito nos últimos anos, mas sempre há espaço para mais melhorias. Pesquisas com células-tronco são uma grande esperança neste sentido", aponta.

Visão restaurada

Pelo menos para a recuperação da visão, o uso de células-troncos se tornou realidade em fevereiro deste ano, em uma cirurgia pioneira realizada na britânica Katie Piper, ex-modelo e apresentadora de TV que foi atacada com ácido a mando do ex-namorado em Londres, em 2008. Seu rosto foi reconstruído por mais de cem cirurgias desde então, mas ela continuava cega do olho esquerdo. Em ataques ou acidentes com esse tipo de produto corrosivo, é muito difícil de preservar a visão, com a pele ao redor dos olhos se dissolvendo, assim como sobrancelhas e cílios, explica Jawad, que reconstruiu o rosto da modelo.

No site de sua fundação, criada para ajudar pessoas com queimaduras e cicatrizes no Reino Unido, Katie conta que, após passar três anos e meio tentando aceitar que seria cega para sempre de um olho, entrou em contato com o médico responsável ao ouvir falar do novo procedimento e se apresentou para ser uma das poucas pessoas no mundo a passar pelo tratamento, com a colocação de células-tronco diretamente no local.

Segundo a BBC, médicos no Queen Victoria Hospital, no condado de West Sussex, no sudeste da Inglaterra, usaram tecidos da córnea de um doador anônimo para desenvolver as células, que foram então costuradas ao olho de Piper. Seu olho foi então coberto com uma membrana amniótica, que envolve o embrião dentro do útero e que foi doada por mulheres que passaram por cesáreas, que servia como curativo.

Transplante de face

Procedimento controverso, o transplante de rosto pode ser uma alternativa futura em casos de desfiguração severa, com perda de tecidos mais profundos da pele e de músculo, além de situações de perda completa da face, explica Jawad. "É tecnicamente desafiador, mas uma excelente opção para o paciente certo com a atitude certa", opina.

Isso porque o rosto, com papel tão importante na nossa personalidade, envolve complexas questões emocionais. "A escolha de pacientes adequados, que mais provavelmente se beneficiariam física e psicologicamente de um transplante de face, é certamente muito difícil. Permissão para usar rostos de doares em potenciais tem probabilidade de ser recusada em muitos casos. Também há problemas com rejeição de tecido, a necessidade de imunossupressão (para evitar a rejeição) prolongada e a incerteza sobre a qualidade da reinervação dos músculos faciais", observa Hiles.

Desde 2006, um ano após a francesa Isabelle Dinoire passar pela primeira operação parcial no mundo, o Reino Unido conta com uma equipe autorizada a fazer transplante completo de rosto, no hospital Royal Free, em Londres. No entanto, até hoje, os médicos ainda aguardariam um doador compatível com os pacientes candidatos.

Hiles, que acompanha com interesse as pesquisas feitas na área, acredita que ainda há um longo caminho até se chegar a um procedimento adequado a sobreviventes de ataques de ácido que ainda possuem a maior parte de seus músculos e ossos faciais intactos. "O Paquistão não está pronto para isso neste estágio, mas espero estar errado sobre isso", complementa Jawad sobre o transplante de rosto.

Saiba mais:

O que o ácido causa

- O grau de severidade do dano depende do tipo e da quantidade de ácido e do lugar atingido pelo produto

- Quando o ácido atinge a pele, há uma imediata reação química destrutiva, que penetra profundamente e "mata" o órgão e, frequentemente, tecidos mais profundos e até ossos. Orelhas e nariz podem ser dissolvidos. Se atingir os olhos, o dano da córnea pode causar perda da visão;

- Uma vez que todas as camadas de pele foram destruídas, a única forma natural para a cicatrização é a migração de células da pele ao redor do ferimento. Esse é um processo lento e doloroso e resulta em grandes cicatrizes, distorções de traços faciais e restrição de movimentos das juntas.

Procedimento médico

- Após os primeiros socorros, a prioridade é o tratamento dos olhos, caso afetados. Para a pele, uma cirurgia o mais rápido possível assegura melhores resultados;

- A pele queimada é removida cirurgicamente antes do final do terceiro dia após o ferimento. Nesta fase, problemas com sangramento e infecção são menores do que se a cirurgia ocorresse mais tarde;

- Ao reconstruir a parte afetada, é necessário um suporte dérmico, tanto do próprio paciente, quanto artificial. Enxertos são escolhidos de áreas menos importantes do corpo e anexadas às partes em que a pele queimada foi removida pelos médicos;

- Os enxertos são costurados com técnicas especiais que reduzem o risco de falha e são posicionados e medidos de forma a esconder as cicatrizes nas margens e antecipar certo grau de contratura. O processo natural de maturação de uma pele recém-transplantada é lento;

- Após pelo menos seis meses ou até mesmo um ano, dependendo dos resultados, pode se decidir pela chamada reconstrução secundária, que envolve técnicas mais sofisticadas.

Fonte: Especial para Terra
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