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Ciência ainda está distante do esporte no País, dizem especialistas

10 mar 2012 - 09h03
(atualizado em 12/3/2012 às 10h46)
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O ano de 2012 será marcado pelos Jogos Olímpicos de Londres. É época de quebra de recordes nas pistas, nas quadras e nas piscinas. Mas o que poucos se dão conta é que o desempenho dos atletas de elite reflete, na maioria das vezes, não apenas um esforço pessoal, mas um intenso trabalho da atividade científica em benefício do esporte, principalmente em países que costumam liderar o quadro de medalhas, como Estados Unidos e China.

Segundo o coordenador do Programa de Pós-Graduação em Educação Física da Universidade de Brasília (UnB), Ricardo Jacó de Oliveira, o Brasil, que sediará a Copa do Mundo em 2014 e a Olimpíada, em 2016, atravessa um momento único, identificando a necessidade de investir na formação dos atletas e em pesquisas na área. "O Pan de 2007 despertou a necessidade de investimento na formação desportiva. Entretanto, um foco nesse sentido, visando a eventos como a Olimpíada, é muito caro, e os nossos resultados ainda são escassos. O esporte não tem tantos recursos e iniciativas acadêmicas, mas a educação física brasileira conseguiu seguir a lógica dos grandes eventos mundiais da área, como congressos de genética do esporte, buscando formas de treinar os indivíduos que um dia podem se tornar atletas", pondera.

O professor de Engenharia Biomédica da Universidade Federal do ABC (UFABC) Marcos Duarte afirma que o atual quadro brasileiro teve um forte reflexo do processo ocorrido durante o final da década de 1980, que culminou com o fim da Guerra Fria e da disputa bipolarizada entre americanos e soviéticos, que também ocorria nas atividades esportivas. "Até a década de 1980, havia um grande número de cientistas voltados para o esporte, principalmente nos Estados Unidos e na União Soviética. Mas, a partir do fim dessa década, diminuíram os recursos estatais e privados para isso. De um dia para outro, diversos cientistas do esporte ficaram desempregados, pois não havia mais interesse nessa linha de pesquisa. Muitos migraram, especialmente os russos, para outros países, como os Estados Unidos", destaca.

Dessa forma, esses antigos cientistas do esporte passaram a realizar pesquisas na área da saúde, deixando as experiências voltadas para a atividade esportiva de lado. "Esse contexto também se aplica ao Brasil, onde as pesquisas relacionadas ao esporte são bem menores, em termos de quantidade e de recursos financeiros, comparativamente com a área da saúde. Aqui, esse segmento tem um papel bem menor, essas pesquisas são apenas pontuais. Não existem grandes grupos de pesquisadores, mas sim cientistas que investigam termos específicos, em universidades como a Unicamp. As iniciativas do governo nesse sentido têm patinado, acabam não se consolidando", analisa Duarte.

O modelo seguido pela Unicamp

A Unicamp desenvolve desde 1997 pesquisas voltadas para a atividade esportiva em seu Laboratório de Bioquímica do Exercício (Labex), que surgiu com o objetivo de fazer um trabalho de acompanhamento de atletas a partir de análises sanguíneas, enveredando para outras linhas de pesquisa relacionadas ao esporte. "O laboratório vem crescendo no sentido de realizar um acompanhamento disciplinar para fazer o trabalho mais completo possível. Já tivemos contato com equipes de futebol, como Corinthians e Guarani, de vôlei, de basquete, além de esportistas do atletismo, por exemplo", diz Lucas Tessutti, pesquisador e coordenador técnico da equipe de atletismo do Labex.

"Dentro do projeto de extensão, nós temos feito um trabalho com uma equipe amadora de atletismo, composta por estudantes e funcionários da universidade, com o objetivo de prepará-los para os melhores resultados em testes e avaliações, ampliando essas conquistas para equipes de nível nacional e até mesmo olímpico. O laboratório trabalha com várias vertentes, dentro do objetivo de oferecer o melhor acompanhamento aos atletas, realizando, projetos mais voltados para esportes individuais. Eles são mais fáceis de lidar, dentro da relação com o treinador e o atleta", completa Tessutti.

Governo tem banco de dados

Cerca de uma década atrás, o Ministério do Esporte deu início a um banco de dados por meio do qual é possível ter acesso às possibilidades biométricas dos indivíduos cadastrados, o que permite fazer uma estimativa quanto às capacidades atléticas de cada um deles. Esse banco, que hoje já conta com mais de 20 mil mensurações, estimulou uma série de pesquisas na área de educação física.

"A UnB e a Católica de Brasília desenvolveram, então, um projeto de coleta de genes de possíveis atletas, que pode ser usado na promoção de talentos desportivos. Utilizando essa possibilidade genética, somando a parte antropométrica com a parte técnica, podemos dizer se um indivíduo tem mais chances do que outro de ter sucesso em uma atividade esportiva, como corridas de 100 metros, por exemplo", explica Jacó de Oliveira.

Para ele, o desenvolvimento da atividade esportiva e de pesquisas científicas na área ainda são muito baixos para um país tão grande e populoso como o Brasil, havendo a necessidade de se pensar em investimentos a longo prazo. "Os indivíduos que começam a treinar hoje competirão daqui a duas Olimpíadas, em média. Claro que existem alguns casos em que o desenvolvimento de um potencial atlético ocorre rapidamente, mas em países como Estados Unidos e Jamaica, por exemplo, o tempo para ganhar uma prova de nível mundial pode ser de até 10 anos", afirma.

Falta de investimentos

Com experiência na avaliação de atletas de diversas modalidades esportivas, Marcos Duarte acredita que ainda falta investimento em pesquisas na área. "No que se refere ao esporte, o nosso atraso ainda é muito grande e, infelizmente, os eventos não significam necessariamente mais investimentos em ciência. Mesmo que o governo investisse todo o dinheiro em pesquisa agora, esse investimento não se reverteria rapidamente em medalhas, pois não daria tempo. Não tenho visto nenhum grande avanço devido aos eventos esportivos. Estamos progredindo sim, mas em uma velocidade mais baixa do que outros países", ressalta.

Tessutti tem opinião similar. "Desde a última Olimpíada, em Pequim-2008, mudou a questão de verbas e estrutura material. Mas em relação ao principal, que é essa aproximação, esse trabalho de detecção de talentos, continuamos na mesma. O problema é na formação dos atletas, nas pessoas que estão envolvidas no processo. Ainda temos poucas discussões em torno do tema, poucos falam sobre e trabalham com isso", lamenta.

Na comparação com países que já sediaram jogos olímpicos, o Brasil ainda carece de um desenvolvimento considerável na área, bem como de uma interação entre a pesquisa nas universidades e a prática esportiva. "Existe uma distância grande entre as equipes esportivas e as universidades no país, diferentemente dos Estados Unidos, por exemplo, que sempre tiveram um desempenho fantástico também pela aproximação entre essas duas áreas. Lá, o esporte olímpico está dentro das universidades. Países como a China, com a Olimpíada de Pequim, e a Espanha, com os jogos de Barcelona, em 1992, conquistaram um crescimento muito grande, e aqui a gente não vê isso. Existem algumas equipes e confederações fazendo um trabalho bacana, mas ainda é muito pouco para um país que será sede de Olimpíada e quer ter sucesso na atividade esportiva", completa.

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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