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Burocracia ainda é um dos maiores entraves para a ciência brasileira

15 jan 2012 - 09h26
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Em um cenário de crescimento econômico e descobertas na área do petróleo, a produção científica brasileira foi alçada a patamares até então inéditos. Em cerca de 10 anos, a área de pesquisa deu um grande salto, tanto em quantidade quanto em qualidade, praticamente triplicando a participação dos pesquisadores brasileiros em relação ao total de pesquisas produzidas mundialmente, de cerca de 1% para 3%.

Segundo o diretor de Cooperação Institucional do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Manoel Barral Netto, o aumento de verbas públicas para pesquisas é um dos principais fatores responsáveis por esse crescimento. "Claramente, há um aumento de volume, e ele tem sido oferecido de uma forma competitiva: são feitas as chamadas públicas, por meio de editais, que em geral são focados nas áreas de origem dos recursos. Houve um grande esforço, que ocorre devido ao aumento de verbas, e também ao estímulo para a formação de doutores", explica.

Para Patricia Pranke, professora da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e participante do Instituto de Pesquisa com Células-tronco, houve uma grande mudança no cenário de pesquisas brasileiro. "A liberação de verbas aumentou nos últimos anos, antigamente era muito mais concorrido para se conseguir apoio à pesquisa", comemora. Além disso, a professora ressalta o crescimento do intercâmbio de pesquisadores entre o Brasil e outros países, com grande investimento governamental em projetos como o Ciência Sem Fronteiras, do Ministério da Ciência e Tecnologia.

Pesquisadores criticam burocracia

Entretanto, apesar dos avanços, Patricia afirma que ainda existem dificuldades e entraves, especialmente em aspectos como o tempo de importação de produtos para as pesquisas, além da demora para a aprovação de documentos. Mesmo tratando-se de um tema delicado e ainda novo para legislações de todo o mundo, a professora destaca a lentidão nesses processos, que podem demorar até dois anos quando envolvem células-tronco embrionárias. "Tem que ser aprovado pelo comitê, é claro, mas é muita burocracia; às vezes, o projeto volta umas cinco vezes", relata.

O principal ponto de crítica é a excessiva burocracia. Acostumada com os processos para liberação de verbas, Patricia afirma que chega a passar até um terço de seu horário de trabalho envolvida com questões legais: "Nós, pesquisadores, perdemos muito tempo com prestação de contas, e é um tempo muito nobre, que poderia ser usado para fazer pesquisa. A gente se envolve demais nisso", ressalta.

Os entraves burocráticos são umas das grandes deficiências ainda existentes, concorda Barral Netto, o que muitas vezes afasta o pesquisador de suas funções principais, transformando-o em burocrata. "É um grande problema no Brasil: a gente tem muito apoio para ciência e tecnologia, mas, em contrapartida, o próprio pesquisador precisa assumir serviços de administração que não fazem parte de suas funções. A atividade burocrática deveria estar sendo feita por outras pessoas", afirma.

Uma das razões para isso, segundo o Diretor de Cooperação Institucional do CNPq, é o uso de uma legislação que não foi feita para a área de Ciência e Tecnologia. Entretanto, ele afirma que já está em andamento no Congresso Nacional um novo projeto para mudar a legislação da área, substituindo a atual por uma mais adequada à operação de ciência nos centros de pesquisa, em um prazo "não muito longo".

Parcerias com o setor privado

Segundo Barral Netto, outra deficiência do país é a formação de profissionais qualificados, além da falta de parcerias com grandes empresas. "Esse é o grande ponto da nossa situação atual: formamos pouco mais de 12 mil doutores por ano. Além de dinheiro, você precisa ter gente capaz de utilizar bem esses recursos, e nós temos de formar um profissional com perfil mais atrativo para a empresa. O grande problema do Brasil ainda é falta de pessoal", conclui.

A professora da Faculdade de Farmácia da UFRGS também é favorável às parcerias entre os centros de pesquisa e o setor produtivo, afirmando que elas são positivas para o crescimento científico nacional, ao promover um intercâmbio entre as esferas pública e privada. Por outro lado, Patrícia acredita que o país ainda precisa progredir bastante no investimento em patentes, seguindo o exemplo de países que são referências no tema, como EUA, Japão e Coreia do Sul: "Para produzir tecnologia e inovação tem de haver pesquisa, e o Brasil ainda é muito carente de patentes", frisa.

Para José Carlos Pinto, professor de Engenharia Química da UFRJ, a cooperação entre empresas e laboratórios de pesquisa deve ser vista com cautela, pois, em alguns casos, pode haver uma dependência dos centros em relação à iniciativa privada, causada pela falta de verbas públicas para as instituições. "Nós temos muito investimento em infraestrutura, mas ele não é acompanhado de verbas para a manutenção dos laboratórios. A pesquisa cientifica de ponta é muito cara, os campi brasileiro viraram um campo de obras e as universidades estão crescendo, mas também é necessário suporte para infraestrutura. O País deveria ter um programa mais consistente de manutenção das atividades dos grandes laboratórios", afirma. Consequentemente, acrescenta Pinto, ocorre um excesso de serviços prestados para a iniciativa privada: "Os laboratórios onde são feitas as pesquisas de ponta têm se mantido com prestação de serviços para grandes empresas, o que sobrecarrega a quantidade de trabalho feita neles".

Segundo o professor, essas parcerias são necessárias, mas sem que as empresas monopolizem os trabalhos dentro dos laboratórios. "A interface com o setor privado é fundamental, mas os grandes laboratórios não podem depender unicamente desses serviços. A ciência não deve estar refém da atividade produtiva: é preciso que haja fontes de financiamento do governo federal", ressalta.

Apesar das deficiências e dificuldades ainda enfrentadas, para grande parte da comunidade científica brasileira, o cenário é bastante promissor: "Não está uma maravilha, mas eu tenho uma visão muito otimista. Houve avanços na estrutura e no desenvolvimento das universidades brasileiras", destaca o professor de Engenharia Química da UFRJ. Porém, com as conquistas, surgem novos desafios, que demandam um maior número de esforços e ações, como ressalta Pinto: "Ainda falta fomento consistente para a produção científica, e isso é efeito do ponto em que chegamos. A atividade de geração de conhecimento não deve ser relegada a um segundo plano".

Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra Cartola - Agência de Conteúdo - Especial para o Terra
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