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Estudos criticam uso indevido de droga para hemorragia

29 abr 2011 - 09h19
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Uma droga poderosa e cara, aprovada em 1999 para um pequeno grupo de pacientes que pode sangrar descontroladamente durante cirurgias, está sendo usada agora em várias outras situações cirúrgicas, às vezes com graves efeitos colaterais, segundo dois novos estudos.

De acordo com os pesquisadores, os estudos deixam claras as armadilhas de uma prática médica comum - usar drogas novas em situações nas quais nunca foram rigorosamente testadas. O medicamento, vendido com o nome NovoSeven, foi aprovado para pessoas que não têm o gene produtor de uma proteína coagulante do sangue chamada fator VIIa e para alguns hemofílicos que não toleram outro produto para controlar a hemorragia.

A droga, que é o fator VIIa, é feita com células do rim de filhotes de hamster que tiveram o gene para fator VIIa a elas acrescentado. As células dos filhotes secretam a proteína numa solução que contém soro de bezerro recém-nascido. Depois, a proteína é extraída daquela solução e purificada.

Demora um ano para produzir - a maior parte desse tempo, de nove a dez meses, é dedicado a testar a pureza e segurança da droga. A medicação custa US$ 10 mil a dose, mas pode salvar a vida desses pacientes.

De acordo os novos estudos, publicados em The Annals of Internal Medicine, a medicação ela também é usada em outros pacientes. Na verdade, o pequeno grupo para o qual ela foi aprovada representa apenas 3 por cento das 18 mil vezes por ano em que o medicamento é usado em hospitais. Nos outros 97% de vezes, é dado para pacientes com outros causadores de hemorragia, como cirurgia cardíaca ou derrame cerebral.

Segundo uma das investigações científicas, para tais pacientes, a droga não apenas não aumenta as chances de sobrevivência como também eleva a probabilidade de coágulo sanguíneo no coração ou cérebro, provocando ataque cardíaco ou um tipo de derrame no qual é bloqueado o fluxo do sangue para uma região cerebral. A medicação também é usada na cirurgia de traumas, nas quais também não melhorou a sobrevivência. Todavia, os pacientes com trauma que receberam a droga não tiveram mais coágulos do que os esperados.

"É assustador", disse o Dr. Jerry Avorn, professor de medicina do Brigham and Women¿s Hospital de Boston que escreveu um artigo comentando os estudos. "Trata-se de uma droga poderosa, ainda não compreendida inteiramente", afirmou a Dra. Veronica Yank, de Stanford e que está entre os autores dos dois estudos.

Segundo o relatório dos pesquisadores, numa cirurgia cardíaca, uma em cada 20 pessoas que recebeu o fator VIIa teria um coágulo grave no coração ou cérebro. Quando o medicamento é usado para controlar a hemorragia no ou ao redor do cérebro, como nos casos de derrame cerebral, um em cada 17 pacientes teria um coágulo perigoso, na dosagem mais alta que costuma ser usada, e um em 33 teria coágulo quando os médicos usam uma dose mais baixa.

Os coágulos, disse Yank, podem se formar em qualquer parte do corpo, obstruindo vasos sanguíneos. "Alguns pacientes têm mais de um coágulo".

Os médicos alegam dar a medicação porque veem o efeito imediato: a hemorragia para. "É um resultado dramático", disse o Dr. Mark Gladwin, diretor de pneumologia e medicina intensiva do Centro Médico da Universidade de Pittsburgh. Ele acrescentou: "Existe uma motivação muito atraente para usá-la".

E os médicos que usam o medicamento durante a cirurgia podem não ver um efeito de longo prazo, a coagulação, que pode ocorrer dias mais tarde. Eles não teriam como saber se o remédio salva vidas a longo prazo. Gladwin assinalou que é comum os médicos administrarem drogas para usos não aprovados.

As empresas farmacêuticas não podem promover as drogas para tais usos, mas os médicos estão livres para prescrevê-las. A Novo Nordisk, fabricante da medicação com o fator VIIa, declarou não promover empregos não aprovados e que trabalhou com a Food and Drug Administration (FDA) para incluir avisos contra tais utilizações no rótulo do produto.

Quando ao custo alto, as seguradoras pagam pelo fator VIIa como parte do custo geral do tratamento dos pacientes hospitalizados e por isso, a droga pode não ser identificada especificamente. "Geralmente, o plano de saúde não sabe o que foi usado", disse Susan Pisano, porta-voz do America¿s Health Insurance Plans, que representa o setor. Segundo ela, o fator VIIa "seria parte do pagamento global".

Cirurgiões de trauma estão entre os primeiros usuários entusiasmados pelo fator VIIa, só que eles também foram os primeiros a restringir o uso. "Eu usei e praticamente todo cirurgião de trauma do mundo com acesso ao medicamento o usou", disse o Dr. Ernest Moore, chefe de cirurgia da Denver Health, afiliada à Universidade do Colorado.

Muitos médicos se interessaram quando viram um estudo, há cerca de uma década, descrevendo como um soldado israelense com ferimento à bala no abdome recebeu o produto e foi salvo do que parecia a morte certa. Além disso, pesquisas indicaram que o fator VIIa era importante para dar início à coagulação, dando credibilidade ao trabalho.

Segundo Moore, à medida que os cirurgiões de trauma começaram a usar a droga, tiveram "a experiência inesquecível de ver pessoas que estavam com hemorragia mortal pararem de sangrar". Ele também acrescentou: "não há dúvidas de que, na circunstância certa, pode ser um tratamento milagroso".

Só que o entusiasmo desenfreado dos cirurgiões de trauma pelo fator VIIa foi abrandado recentemente quando estudos começaram a mostrar nenhum benefício para o sobrevivente. Moore o emprega menos agora, da mesma forma que outros cirurgiões de trauma.

Não está claro se outras especialidades médicas tiveram um despertar similar, mas algumas instituições, como o Centro Médico da Universidade de Pittsburgh, tomaram medidas para controlar o uso da droga. O hospital de Pittsburgh começou a exigir que os médicos interessados em usar o fator VIIa obtivessem permissão de um especialista em hematologia.

A única exceção é o paciente com hemorragia cerebral, tomando anticoagulante e prestes a passar por uma neurocirurgia de emergência. Os especialistas muitas vezes recusavam a permissão, disse o Dr. Franklin Bontempo, diretor do laboratório de coagulação do Centro Médico da Universidade de Pittsburgh.

Alguns médicos querem usar a droga para hemorragias rotineiras em pacientes com trauma ou em quem passará por transplante de fígado. Isso é desnecessário, tais médicos costumam ouvir. Outros ligam porque um paciente tem hemorragia pulmonar, está tossindo sangue e o médico está compreensivelmente preocupado, querendo dar o fator VIIa para deter o sangramento. Segundo Bontempo, nessa situação o hematologista vai sugerir outros métodos. "Muitas vezes isso resolve o problema".

De acordo com Yank, a lição na história do Fator VIIa é de que os relatórios baseados em depoimentos, até os que citam resultados positivos como o fim da hemorragia, podem enganar. Usar uma droga para um uso não aprovado pode ser arriscado. Nem sempre a simples mensuração de resultados leva em conta o quadro geral de riscos e benefícios. E o cenário de risco e benefício do uso aprovado talvez seja bem diferente daquilo que acontece quando o medicamento é utilizado em outras situações. "Você pode estar correto ao admitir que a droga tenha os mesmos benefícios, mas também pode não estar".

The New York Times
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