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Cientista defende pesquisas com células-tronco embrionárias

25 jun 2010 - 13h20
(atualizado às 13h22)
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Elaine Fuchs, 60 anos, bióloga celular da Universidade Rockefeller e pesquisadora do Instituto Médico Howard Hughes, estuda a bioquímica do tecido cutâneo, a pele. Ela é a nova presidente da Sociedade Internacional de Pesquisas com Células-Tronco. Parte de seu trabalho é focada em transformar o tratamento de vítimas de queimaduras e ferimentos.

Ao longo dos anos, qual descoberta a deixou mais orgulhosa?
Fomos pioneiros numa abordagem não-convencional para solucionar a base genética das doenças humanas. No passado, quando geneticistas pesquisavam uma doença herdada - fibrose cística, câncer de mama -, eles sistematicamente estudavam grandes famílias com a ocorrência, e depois buscavam no DNA o gene defeituoso. No fim, acabavam conseguindo identificar o culpado, digamos o BRCA1. Mas isso não lhes dizia como proteínas mutantes codificadas contribuíam para o fato de uma pessoa desenvolver câncer de mama.

No início da década de 1990, em meu laboratório, nós tomamos uma direção reversa ao estudar o que as proteínas faziam, para depois descobrir quais doenças eram causadas por elas quando defeituosas. Nosso primeiro avanço veio quando estudávamos uma rara doença hereditária envolvendo bolhas na pele. Por essa condição ser rara, não havia grandes famílias para estudo. Você não podia usar os métodos convencionais para identificá-la.

O que fizemos foi começar estudando as queratinas, as principais proteínas da pele. Quando criamos ratos para expressar queratinas mutantes, descobrimos que sua pele criava bolhas. Além disso, fomos capazes de demonstrar como a mutação causava as bolhas. Então, o próximo passo era comparar a patologia da pele dos ratos com todas as doenças conhecidas que causavam bolhas na pele humana. Nos juntamos a dermatologistas para estudar amostras de pele de pacientes. Isso nos levou ao fundamento genético dessa doença hereditária em humanos. Desde então, nosso método se tornou um paradigma para orientar cientistas à base genética de outras doenças humanas.

Atualmente, seu laboratório foca em células-tronco da pele. O que há nelas que a fascina tanto?
Células-tronco da pele possuem propriedades especiais que faltam nas células comuns da pele. Elas conseguem desenvolver um tecido que pode se tornar pele exterior, folículos capilares ou glândulas sudoríparas. Eu gostaria de saber como uma célula-tronco pode criar tecidos tão diferentes entre si.

Isso pode, no fim, se mostrar útil no tratamento de pacientes com queimaduras. Atualmente, podemos dar a eles enxertos de pele, embora a pele transplantada não desenvolva pêlos ou suor, algo de que as pessoas precisam para regular sua temperatura corporal. Uma vez que entendamos completamente como funcionam as células-tronco da pele, poderemos conseguir projetar enxertos aprimorados. Poderemos inclusive ser capazes de criar tecidos que ajudem com a cegueira da córnea. Espero que sim.

Como parte dessa pesquisa, a senhora criou um rato extraordinariamente peludo. Por quê?
Nós queríamos compreender a função de uma proteína produzida por células-tronco da pele: a beta-catenina. Ela ajuda os genes a ligar e desligar, e ajuda as células a aderirem umas às outras. Assim, nós isolamos a proteína e a inserimos em ratos. Para nossa surpresa, vimos que ela parecia persuadir as células-tronco a criar folículos capilares.

Essa foi uma dica de como as células-tronco da pele fazem pêlos?
Exatamente. A proteína emitia instruções ao interruptor que pega uma célula-tronco e diz a ela: "Faça um pêlo". O que estávamos fazendo ao expressar altos níveis de beta-catenina era dizer às células da epiderme: "Crie um pêlo". E elas responderam: "OK". Resultado: o rato cabeludo.

A senhora sempre quis ser cientista?
Eu sempre me interessei em como as coisas funcionam. Quando era criança em Chicago, nos anos 50, não havia muitas mulheres cientistas. Assim, fazer o tipo de pergunta que me interessava era algo incomum. Eu me lembro de que, como uma das três mulheres entre os 200 formandos de química da Universidade de Illinois, ficava apavorada de imaginar que, se eu fosse bem nas aulas, os professores achariam que eu havia trapaceado. Esse é o grau em que eu pensava não pertencer àquele lugar. Então, estudei como uma louca, e rotineiramente conseguia as melhores notas nas provas - porque, se eu fosse a número 1, então de quem eu teria colado?

Quando entrei na escola de pós-graduação em Princeton, em 1972, como uma das três mulheres em bioquímica, tive dificuldades em encontrar um orientador para minha tese. A primeira pessoa com quem falei sobre a possibilidade de trabalhar em seu laboratório foi Bruce Alberts.

Ele disse: "Eu só aceito os melhores alunos". Para mim, era uma indicação para dar o fora. Então, escrevi para Art Pardee, que afirmou não estar recebendo novos alunos. No ano seguinte, ele aceitou dois novos estudantes. O orientador que me aceitou foi Charles Gilvarg. Eu fiquei muito feliz, até que seu técnico de laboratório disse: "É surpreendente que você trabalhe para ele, pois ele afirmou que as mulheres não pertencem à ciência".

Levei esses fatos como um convite para provar as pessoas do contrário. Isso me fez trabalhar mais duro.

Bruce Alberts era, até recentemente, presidente da Academia Nacional de Ciências, da qual a senhora é um membro. Alguma vez ele já lhe contou seu lado da história?
Bem, ele alega não se lembrar do ocorrido. Porém, atualmente todos esses cavalheiros são apoiadores da mulher na ciência. Eles voltaram atrás.

Tenho de lhe dizer que agora que estou numa posição de autoridade, sinto ser vital para mim pavimentar o caminho para que outras mulheres entrem nestas fileiras. Essa é a verdade para muitas das mulheres bem-sucedidas de minha geração. Uma de minhas amigas mais próximas é Susan Lindquist, do Instituto Whitehead. Ela se sente da mesma forma. Não acho que nenhuma de nós enxergue nosso sucesso como uma indicação de que agora podemos desistir. Hoje já não é moderno dizer em voz alta que as mulheres não deveriam ser cientistas, mas as posturas permanecem.

Voltando às células-tronco. A senhora se preocupa com o fato de que sua área específica de pesquisa, sobre células-tronco da pele, é constantemente considerada uma alternativa à pesquisa de célula-tronco embrionária, o que é controverso?
Nós temos de continuar usando as células-tronco embrionárias, pois elas proporcionam um padrão especial ao aprendizado de como todas as células funcionam. Temos de entender o que fazem as células-tronco do embrião - como elas funcionam. Como elas conseguem criar cada célula de nosso corpo, algo em torno de 220 tipos diferentes de células? As células-tronco adultas da pele, com as quais trabalho, podem fazer apenas três tecidos diferentes, o que é comparativamente minúsculo.

Mas Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto, reprogramou células-tronco adultas da pele de forma que, como as células-tronco embrionárias, elas aparentemente podem criar muitos outros tecidos, e não apenas aqueles três. Ele acabou de receber um prêmio da organização March of Dimes, que declarou: "Seu método elimina a necessidade de obter células-tronco de embriões humanos". Isso está correto?
No momento, a descoberta de Yanamaka não substitui as células-tronco do embrião humano. O que ela faz é dar esperança de que poderemos, eventualmente, substituí-las. Um motivo pelo qual ainda precisamos delas é que o próprio trabalho de Yanamaka é, na verdade, baseado em células-tronco de embriões humanos! Se ele está tentando fazer uma célula da pele se tornar uma embrionária, ele não pode fazer isso sem saber, em primeiro lugar, o que faz uma célula-tronco embrionária. E nós ainda não aprendemos tudo sobre ela.

Além disso, as pessoas que trabalham com a reprodução sempre precisarão trabalhar com as células-tronco do embrião. Assim, isso nunca irá terminar totalmente. Quando parte disso estiver esclarecida, eu serei favorável a focar em células-tronco adultas. Ainda não estamos nesse ponto.

The New York Times
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