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"Não caminhamos para o caos climático", afirma físico

11 mar 2010 - 14h43
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O físico Paulo Eduardo Artaxo Netto é um dos cientistas brasileiros mais citados internacionalmente, segundo a Academia Brasileira de Ciências, da qual ele é membro desde junho de 2005. Professor titular da Universidade de São Paulo (USP), o pesquisador paulista dedica-se à física do meio ambiente há mais de três décadas, especialmente no que diz respeito à Amazônia e às mudanças climáticas. Paulo Artaxo também integra o Experimento de Larga Escala da Biosfera e Atmosfera da Amazônia (LBA), grupo vinculado ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa).

Nesta entrevista ao portal EcoDesenvolvimento.org, o cientista afirma que não são eventos "de duas semanas", como as conferências climáticas das Nações Unidas, que irão resolver problemas da dimensão do aquecimento global, além de contestar a visão de que o Painel Intergovernamental sobre Mudanças do Clima (IPCC, na sigla em inglês) da ONU, que ele integra, vive um período de descrédito. Artaxo também defende que o mundo não caminha para um "caos climático", mas ao mesmo tempo destaca a necessidade de construção de "uma nova sociedade".

EcoD: o colunista do jornal The New York Times, Thomas Friedman, afirmou recentemente que o clima do mundo "está cada vez mais esquisito", e que os estudos sobre os fenômenos climáticos globais ainda não atingiram a maturidade esperada. O que o senhor pensa a respeito?

Paulo Artaxo: Sim, é verdade que a percepção da população em geral de que as mudanças climáticas podem estar chegando é bastante visível. Embora ainda não é possível atribuir univocamente a causa deste "clima esquisito" às mudanças globais, é evidente que algo está acontecendo lentamente com o clima do nosso globo.

Concordo também com a afirmação de que os estudos sobre os fenômenos climáticos globais ainda não atingiram a maturidade necessária, pois esta temática científica só esta sendo intensivamente pesquisada nos últimos 20 anos, e este prazo é curto do ponto de vista cientifico, mas é inegável o enorme progresso na ciência nesta área crítica para o futuro de nosso planeta. Nem sempre a ciência cresce com a mesma velocidade das necessidades.

A Amazônia integra o foco de suas pesquisas desde o final da década de 1970. Qual é a importância do bioma amazônico para o clima do planeta e de que forma os problemas que o assola (como o desmatamento) influenciam na vida das pessoas?

A Amazônia é criticamente importante para o clima regional e global. O bioma amazônico é fonte importante de gases traços, aerossóis e vapor de água para a atmosfera global. O desmatamento altera bruscamente propriedades essenciais do ecossistema amazônico, incluindo a perda de biodiversidade.

As emissões de queimadas associadas ao desmatamento têm efeito muito importante sobre a saúde da população que vive na Amazônia e também sobre o balanço de radiação e mecanismos de formação das nuvens.

A ONU anunciou recentemente que pretende implementar um projeto de captura e armazenamento de carbono (CCS) nas indústrias dos países em desenvolvimento. Qual é a opinião do senhor sobre o CCS? Quais são as vantagens e/ou desvantagens desse sistema?

É importante explorar todas as possibilidades de redução de emissões de gases de gases de efeito estufa. Além da implantação maciça da utilização de energias renováveis, como a solar e eólica, é fundamental reduzir as emissões onde for necessário o uso de energia de combustíveis fósseis.

Ainda não existem mecanismos de CCS que sejam economicamente viáveis, mas a tecnologia para sua implantação deve ser desenvolvida e aprimorada. Mas, o foco tem que ser na maior eficiência na produção e uso de energia, utilização de energias renováveis e redução do padrão de consumo.

Alguma novidade sobre as pesquisas do LBA?

Sim, o programa LBA tem tido progressos notáveis no entendimento de como a Amazônia funciona em seus vários compartimentos. Os trabalhos de balanço de carbono, por exemplo, têm mostrado aspectos inesperados, de como a floresta responde à secas como a de 2005, ou secas artificiais como nos dois locais onde o LBA está fazendo experimentos de exclusão de chuvas. Os estudos de química atmosférica estão mostrando a complexidade do funcionamento biológico da floresta.

De que forma as emissões da floresta, a formação das nuvens e as chuvas na Amazônia se relacionam?

Na Amazônia estes processos estão ligados por meio de processos climáticos e biológicos. A floresta é resultado de um conjunto de fatores que estão em equilíbrio. O clima é função não só de processos atmosféricos, mas as plantas emitem compostos gasosos que se transformam em partículas e atuam como núcleo de condensação de nuvens. As nuvens formadas, dependendo das condições termodinâmicas da atmosfera, podem gerar precipitação. O sistema é fortemente acoplado.

Como o senhor vê a postura do governo brasileiro em relação as políticas de combate ao desmatamento da Amazônia? O ministro do Meio Ambiente (Carlos Minc), por exemplo, garantiu que "o desmatamento na Amazônia está controlado".

O processo de desmatamento na Amazônia depende de um grande número de processos, incluindo estratégias governamentais, clima, preço internacional de commodities, e muitos outros fatores. Observamos uma forte redução no desmatamento da Amazônia, onde em 2004 tivemos perto de 27.000 km2 desmatados e em 2009, cerca de 11.000 km2.

Mas o governo brasileiro precisa estruturar políticas públicas que possam garantir que esta forte redução vai continuar e que a meta de redução de desmatamento de 80% vai ser atingida.

A COP-15 foi considerada um grande fracasso em razão da ausência de um acordo jurídico capaz de dar prosseguimento ao Protocolo de Kyoto. Em dezembro, no México, teremos a COP-16. O senhor acredita que os chamados "líderes mundiais" concretizarão em Cancún aquilo que deixaram de lado em Copenhague?

Acredito que a maioria das pessoas tem expectativas não realistas sobre o processo de "solução" das questões de mudanças globais. A humanidade vai precisar de muito mais do que uma reunião de duas semanas para encaminhar a solução dos problemas globais. Os vínculos socioeconômicos e políticos são muito fortes.

O tamanho do problema é muito maior do que qualquer problema que a humanidade lidou até hoje. Por isso, eu acredito que demorará pelo menos uma década para que a questão das mudanças climáticas globais seja satisfatoriamente encaminhada.

O senhor também é membro do grupo de trabalho do IPCC. Na sua avaliação, o órgão que já ganhou até o prêmio Nobel da Paz em 2007 está em descrédito em razão da projeção errônea sobre as geleiras do Himalaia?

Eu não vejo um descrédito no trabalho do IPCC e da comunidade científica mundial que trabalha em mudanças climáticas globais. É importante salientar que as conclusões em um relatório de mais de 3.000 páginas, com mais de 10.000 referências, feito por centenas de cientistas não perdem a validade somente por uma referência errônea em um único parágrafo.

Evidentemente a indústria que depende das emissões de combustíveis fósseis tem forte interesse econômico em desacreditar o trabalho de milhares de cientistas que trabalham com mudanças climáticas globais.

A imprensa tem um papel importante em separar o que pode ser real e o que pode não ter fundamento científico ou que é irrelevante do ponto do vista de um relatório que pela primeira vez atribui a responsabilidade humana no aumento das concentrações de gases de efeito estufa.

Existem soluções para o problema do clima mundial ou caminhamos a passos largos para o caos?

Eu tenho convicção de que nós não caminhamos para o caos climático. Teremos um clima diferente nas próximas décadas e nos próximos séculos. Quanto antes reduzirmos as emissões de gases de efeito estufa, menores serão as consequências para o clima futuro de nosso planeta.

Esta é a nossa tarefa hoje: Construirmos uma nova sociedade, onde o uso dos recursos naturais seja feito de modo mais inteligente e sustentável em longo prazo. Esta é uma tarefa de cada ser humano em nosso planeta Terra.

Fonte: EcoDesenvolvimento
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