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Cientista fala sobre a lógica circular do universo

11 dez 2009 - 15h08
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Circulando não muito tempo atrás pela mostra de Vasily Kandinsky, exposta no propício ambiente espiralado do Museu Guggenheim, me deparei com uma das pinturas mais ilustres, embora traiçoeiramente batizada, do mestre russo: Several Circles (vários círculos).

Esses "vários" círculos, observei, estavam mais para três dúzias, cada um deles parecendo sair da tela, boiando sobre a justaposição astuciosamente exuberante de suas diferentes cores, tamanhos e aparente translucidez. Soube que na época em que Kandinsky pintou a obra, em 1926, ele havia começado a colecionar enciclopédias e periódicos científicos; assim, enquanto observava a pintura com um sorriso enorme e estúpido em meu rosto, pensei em leveduras se desenvolvendo, um sol de halo azul salpicado de satélites, ou a própria vida surgindo do descuidado caldo primordial.

Também descobri a crescente relação de amor de Kandinsky com o círculo. O círculo, escreveu ele, é "a forma mais modesta, mas se afirma incondicionalmente". Essa forma é "simultaneamente estável e instável", "grosseira e suave", "uma única tensão que carrega incontáveis tensões dentro de si". Kandinsky amou o círculo a tal ponto que finalmente a forma suplantou em sua imaginação visual a longamente aclamada primazia de um emblema de sua juventude russa, o cavalo.

Peculiarmente, a vida do artista seguiu uma forma circular: ele nasceu em dezembro de 1866 e morreu no mesmo mês em 1944. Já que estamos em dezembro, gostaria de homenagear Kandinsky por meio de sua forma geométrica favorita, celebrando o círculo e saudando a esfera. A vida como conhecemos deve ser vivida em rodadas e o mundo natural está repleto de objetos circulares em qualquer escala que observarmos.

Deixe um corpo celeste se tornar grande o bastante para a gravidade atuar e teremos uma bola. Estrelas são bolas gigantescas, geralmente simétricas, de gás radiante, enquanto a definição tanto de planetas como Júpiter quanto de plutoides como Plutão é de um objeto celestial em órbita de uma estrela que seja massiva o bastante para ser largamente redonda.

Em um nível mais terrestre, globos oculares fazem jus a seu nome sendo redondos como bolinhas de gude, e, como a cantiga de Jonathan Swift de pulgas sobre pulgas, essas orbes da alma são inscritas por íris circulares que, por sua vez, são cravadas por pupilas circulares. Ou pense nas curvas do seio humano e seu alvo formado por auréola e mamilo.

Nossos óvulos e os de muitas outras espécies não têm de forma alguma o formato de um ovo, mas são esféricos, e quando você observa óvulos humanos em um microscópio, eles parecem sóis de calmaria com as coroas de Kandinsky por trás. Gotas de chuva iniciam sua vida nas nuvens não com os contornos de pêra das lágrimas de um desenho, mas como globos líquidos, amontoados de moléculas de água que se condensaram ao redor de partículos de poeira ou sal e, então, mutuamente se prenderam umas às outras na forma arredondada da menor resistência. Somente quando as gotas de chuva caem é que elas perdem sua simetria, a parte inferior se achata enquanto a de cima permanece arredondada, uma forma às vezes parecida com a de um pão de hambúrguer.

Às vezes, circularidade é uma matéria de pura física."O formato de todo objeto representa o equilíbrio de duas forças em oposição", explica Larry S. Liebovitch, do Centro de Sistemas Complexos e Ciências Cerebrais da Universidade Florida Atlantic. "Você consegue coisas redondas quando essas forças são isotrópicas, ou seja, sentidas igualmente em todas as direções."

Em uma estrela, a gravidade puxa a massa do gás para dentro em direção a um ponto central, enquanto a pressão empurra o gás para fora, assim, as duas forças em competição chegam a uma détente dinâmica - "simultaneamente estável e instável", poderíamos dizer - na forma de uma esfera. Para um planeta como a Terra, a gravidade atrai a rocha majoritariamente fundida em direção ao núcleo, mas as rochas e seus elétrons hostis empurram de volta com igual veemência. Plutoides são massivos o suficiente para a gravidade superar a teimosia da rocha e aplainar seus blocos individuais, mesmo eles não sendo os corpos gravitalmente dominantes do pedaço.

Em nuvens chuvosas, as gotículas de água são excepcionalmente grudentas, enquanto a extremidade levemente positiva de uma molécula d¿água busca a extremidade levemente negativa de outra. Mas, novamente, elétrons mutuamente hostis põem limite à intimidade molecular, criando uma configuração ajustada na forma de uma bola. "Uma esfera é a maneira mais compacta para um objeto se formar", disse Denis Dutton, teórico evolucionário da Universidade de Canterbury, na Nova Zelândia.

Uma esfera também é resistente. Para uma dada superfície, é praticamente mais forte do que qualquer outro formato. Se você quiser criar um recipiente seguro usando o mínimo de material, disse Liebovitch, faça esse recipiente redondo. "É por isso que quando se assa uma salsicha, ela sempre se rasga ao longo do corpo", disse, ao invés de se rasgar na circunferência. A parte curvada tem a força tênsil de uma esfera, o longo eixo, a de um retângulo: sem chances.

A confiabilidade de um envoltório esférico pode ajudar a explicar alguns dos objetos redondos encontrados entre os seres vivos, como o formato de partes do corpo que supostamente têm alguma relação com seu propósito. Ovos são bens valiosos na natureza, e se uma embalagem redonda é a opção mais segura, faça-os absolutamente redondos como o caviar. Entre muitas aves, é claro, ovos são ovais e não redondos, uma característica que biólogos atribuem tanto à passagem árdua do ovo através do oviduto, quanto ao fato de ovos ovais rolarem em círculo ao invés de numa linha reta, tendo assim menos chances de cair de um ninho.

Mesmo assim, os cientistas admitem que não entendem sempre as pressões evolucionárias que esculpem um dado formato com base em carbono.Enquanto estudava a córnea na Faculdade de Médicos e Cirurgiões da Universidade de Columbia, Liebovitch se perguntou por que o globo ocular é redondo. "Parecia ser sua característica mais saliente", disse.

Ele explorou as opções. Para auxiliar o foco? Mas apenas uma pequena região da retina está envolvida no foco, disse, e todo o invólucro esférico parece supérfluo para as necessidades ópticas da região fóvea. Para permitir que o olho gire facilmente na órbita e se direcione rapidamente para essa e aquela direção? Mas aves e outros animais com olhos fixos também têm globos oculares salientes e redondos. "As razões não estão realmente claras", disse.

E para inspiração especulativa, nada supera a variedade de hipóteses estabelecidas para explicar a circularidade do seio feminino humano. É uma imitação das nádegas. É um lugar conveniente de se armazenar gordura para tempos difíceis. É um sinal de fertilidade, um sinal de juventude, um sinal de saúde, um símbolo de riqueza. Seios grandes enfatizam a cintura comparativamente menor da mulher, que é onde recai o interesse masculino. Quanto a mim, ainda espero que alguém explique por que o bíceps bem desenvolvido de um homem se parece com um seio errante.

Seja qual for a inspiração, nossos olhos redondos são atraídos por coisas redondas. Jeremy M. Wolfe, da Escola de Medicina de Harvard, e seus colegas descobriram que a curvatura é uma característica básica que usamos ao realizar uma busca visual. Talvez estejamos procurando por rostos, uma nova oportunidade para conversar.

Ao estudar macacos resos, Doris Tsao, do Instituto de Tecnologia da Califórnia, e seus colegas identificaram um conjunto de células cerebrais que responde fortemente a imagens de rostos, sejam de macacos ou não. O único outro tipo de estímulo visual que provocou esses neurônios identificadores de rosto, segundo Tsao, foram objetos redondos - relógios, maçãs e semelhantes. A pesquisadora suspeita que os resultados devem ser parecidos com humanos. Nós fazemos do rosto um fetiche. "Se você tem um objeto redondo com dois pontos no meio", disse ela, "isso instantaneamente atrai sua atenção".

Ou talvez o círculo acene não por sua semelhança ao rosto humano, mas como uma marca da arte humana. Dutton, autor de ¿The Art Instinct¿, aponta que formatos perfeitos são extremamente raros na natureza. ¿Veja uma bola de sinuca¿, disse. ¿É impossível imaginar que ela pudesse sair da natureza.¿ Estamos predispostos a reconhecer ¿artefatos humanos¿, disse, e a circularidade pode ser uma marca de nosso trabalho. Quando a natureza imita o meticuloso Michelangelo, ficamos impressionados.

"As pessoas vêm ver as rochas moreaki da Nova Zelândia", disse, "e soltam 'oh' e 'ah' porque elas são impressionantemente esféricas".Os artistas, por sua vez, usaram o círculo como o símbolo do divino: em mandalas, rosáceas, a flor de lótus de Buda, as auréolas dos santos cristãos. Para Kandinsky, disse Tracey Bashkoff, curadora da exposição no Guggenheim, o círculo fazia parte de uma "linguagem cósmica" e era a ligação com um plano mais espiritual e sublime. Uma rodada de aplausos! Nós voltamos a Kandinsky.

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
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