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Morre William Belton, ornitologista que gravou pássaros do BR

5 nov 2009 - 17h33
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No passado, os "tweets" (trinados) eram produzidos por pássaros verdadeiros. E caso o pássaro em questão vivesse no sul do Brasil, uma região cuja rica vida aviária passou muito tempo sem documentação, há boas chances de que seus piados, cantos e assobios tenham sido pacientemente gravados por William Belton.

Ornitologista renomado internacionalmente, Belton foi responsável, quase sem ajuda, por quase todo o conhecimento hoje acumulado sobre a vida aviária do Rio Grande do Sul, o mais meridional dos Estados brasileiros. Suas gravações de campo e os espécimes recolhidos na região constam hoje das coleções de grandes instituições de pesquisa. O estudo em dois volumes que escreveu sobre as aves da região é respeitado internacionalmente.

As realizações de Belton surpreendem ainda mais se considerarmos que, como ornitologista, ele era completamente autodidata. Depois de uma carreira diplomática que o conduziu a diversos postos importantes na América Latina e em outras regiões antes de sua aposentadoria, Belton em seguida iniciou uma carreira ornitológica que durou mais de 30 anos. Ele morreu no dia 25 de outubro, aos 95 anos. O filho de Belton, Hugh, informou que ele morreu em casa, em Great Cacapon, Virgínia Ocidental, de uma insuficiência cardíaca congestiva.

Entre as mais significativas realizações de Belton estavam as mais de mil gravações de campo que realizou com pássaros, principalmente no Rio Grande do Sul. Hoje parte dos arquivos da Universidade Cornell, elas registram os sons produzidos por diversas centenas de espécies.

Embora muitos outros estudiosos tenham gravado sons de pássaros em campo, o trabalho de Belton era digno de atenção por sua abordagem metódica, sua abrangência e o longo tempo que ele dedicou aos seus estudos, disseram associados do ornitólogo em entrevistas recentes. Ele começou a gravar os pássaros do Rio Grande do Sul em 1971, carregando um pesado gravador de rolo e um microfone direcional. As últimas gravações que ele realizou foram feitas em 1993, quando estava perto dos 80 anos.

Cada gravação é produto de esperas que podiam se estender por horas de imobilidade, no meio da natureza, ao raiar do dia, e em meio a enxames de insetos agressivo. Mas as recompensas que esse sacrifício propiciou foram consideráveis. Ao longo dos anos, Belton capturou muitos sons de pássaros que jamais haviam sido documentados.

"Muitas dessas criaturas são ariscas, e não querem que ninguém se aproxime demais", disse Greg Budney, curador de arquivos sonoros da Biblioteca Budney, no Laboratório de Ornitologia de Cornell, que abriga as gravações. "E é preciso muitas vezes enfrentar uma paisagem sonora rica, com diversos outros sons concorrentes; o pesquisador precisa isolar o som produzido pela espécie-alvo, e isso requer trabalho de campo realmente habilidoso".

As gravações de Belton, muitas das quais disponíveis online, registram os sons produzidos por muitas espécies raras, e na maioria delas também se pode ouvir a voz do pesquisador, de forma passageira.

Os nomes dos pássaros bastam para sugerir uma sensação de poesia. Belton gravou, entre outros, a corujinha-do-mato e o tachã, o tio-tio, o petrim e o pitiguari; o suriri-cavaleiro, o pia-cobra e o bem-te-vi pirata; o alma-de-gato, o acauã, o pilrito-peitoral e o beija-flor dourado.

William Henry Belton nasceu em 22 de maio de 1914, em Portland, Oregon. Formou-se em ciências políticas pela Universidade Stanford, em 1935, e em 1938 ingressou no serviço diplomático. Nos 32 anos seguintes, ele serviu como diplomata em Cuba, República Dominicana, Austrália, Canadá e em alguns países da América do Sul. Foi no Canadá que ele começou a se interessar por pássaros, por influência de um vizinho ornitologista.

Belton um curso no National War College, em Washington, no final dos anos 50, e foi mais tarde primeiro secretário da embaixada norte-americana na Austrália. Ao se aposentar, ele era primeiro-secretário do consulado norte-americano no Rio de Janeiro.

A primeira mulher de Belton, Julia Hyslop, com quem ele se casou em 1939, morreu em 2003; ele deixa a segunda mulher, Cornelia Brouwer Lett Belton; três filhos de seu primeiro casamento ¿Hugh e Timothy Belton e Barbara Yngvesson; oito netos; e um bisneto.

Os livros de Belton incluem "Birds of Rio Grande do Sul, Brazil", publicado em dois volumes, em 1984 e 1985, pelo Museu Americano de História Natural.

As gravações de campo que ele realizou têm grande valor para cientistas, ecologistas e educadores, disseram seus colegas. Mas também são importantes por outro motivo: ouvi-las pode ser muito agradável. "Existe um atrativo estético real em ouvir as vozes desses animais de uma parte do mundo completamente diferente", disse Mike Webster, diretor da Biblioteca Macaulay, na sexta-feira. "E pessoas como Bill, que saíam a campo para recolhê-los e permitir que sejam ouvidos em Nova York ou qualquer outro lugar, estão prestando um grande serviço".

The New York Times
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