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Pesquisador cria memória artificial em cérebro de drosófilas

Pesquisadores criam memórias artificiais em cérebro de drosófilas

21 out 2009 - 10h45
(atualizado às 11h09)
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Como parte de um projeto para compreender de que maneira o cérebro aprende, biólogos inscreveram lembranças nas células cerebrais de uma drosófila, fazendo com que o animal acreditasse ter passado por uma experiência horrível. A lembrança foi inscrita por um raio de luz no cérebro da drosófila, com a ativação de uma categoria especial de células envolvidas no aprendizado de como evitar choques elétricos.

Lembranças foram 'colocadas' por um raio de luz no cérebro da drosófila, conhecida como mosca da fruta, com a ativação de uma categoria especial de células envolvidas no aprendizado
Lembranças foram 'colocadas' por um raio de luz no cérebro da drosófila, conhecida como mosca da fruta, com a ativação de uma categoria especial de células envolvidas no aprendizado
Foto: Getty Images

O objetivo da pesquisa não é causar pesadelos às drosófilas, mas sim compreender como o aprendizado funciona em termos gerais, em moscas de fruta ou pessoas. "No caso da drosófila, temos um sistema nervoso bastante simples em termos numéricos que executa uma tarefa bastante complexa, e isso nos dá a chance de abrir a caixa preta e compreendê-lo", disse Gero Miesenboeck, da Universidade de Oxford, líder da equipe que desenvolveu a nova técnica.

Os psicólogos estudam sobre o aprendizado fazendo com que ratos de laboratório percorram labirintos, mas os biólogos desejam compreender a mecânica efetiva de como uma lembrança é inscrita em um neurônio. Por isso, necessitam de um organismo cujos genes possam ser facilmente manipulados.

Nos dias inicias da biologia molecular, quando outros pesquisadores se concentravam no DNA, o biólogo Seymour Benzer decidiu dissecar o comportamento por meio de estudos sobre as drosófilas. Chip Quinn, um de seus orientandos, descobriu no começo dos anos 70 que as drosófilas eram capazes de aprender. Se expostas a um odor químico e ao mesmo tempo a um choque elétrico forte o bastante para matar uma pessoa, as drosófilas associavam as duas informações, e no futuro passavam a evitar o odor.

Dos dois produtos químicos selecionados por Quinn, um tinha cheiro de balas de goma e o outro "mais ou menos o cheiro de um tênis em pleno verão", de acordo com Jonathan Weiner, que escreveu um livro sobre o trabalho de Benzer. Os biólogos desde então vêm utilizando o mesmo sistema para treinar drosófilas. Com a ajuda de odores de balas de goma e tênis usados, a equipe de Miesenboeck conseguiu, agora, estudar em profundidade o sistema de aprendizado das drosófilas.

O objetivo dele é dissecar o circuito neural por meio do qual a drosófila associa um determinado odor aos choques elétricos, e por isso começou a estudar uma categoria de neurônios produtores do mensageiro químico conhecido como dopamina.

No cérebro humano, a dopamina sinaliza prazer e recompensa, mas nas drosófilas executa o papel oposto, servindo como mensageira do medo e aversão. A drosófila dispõe de cerca de 200 neurônios produtores de dopamina, eles precisam se envolver no processo que ajuda a drosófila a associar o chulé de um tênis usado a um acontecimento realmente desagradável.

A equipe de Miesenboeck conseguiu distinguir, por seus traços genéticos, diferentes categorias de neurônios produtores de dopamina. Ao rotular cada categoria de neurônios com um gene que produz uma proteína fluorescente, eles conseguiram produzir neurônios de dopamina se iluminarem de maneira a acompanhar seu circuito. Apenas uma classe, consistindo de cerca de 12 neurônios, produzia as conexões corretas no cérebro da drosófila para que esta aprendesse a evitar choques, reportaram os pesquisadores em estudo publicado na mais recente edição da revista Cell.

Esses 12 neurônios, encarregados de receber notícias sobre choques elétricos e gerar dopaminas, convergem em outro grupo de neurônios conhecidos como células de Kenyon, ao qual parecem transmitir a notícia sobre o choque, via dopamina. Porque as células de Kenyon também recebem mensagens sobre odores vindas dos receptores posicionados nas antenas da mosca, elas parecem ser o lugar na qual a lembrança da experiência fica registrada.

Para testar se a sua compreensão do sistema era correta, Miesenboeck e seus colegas ativaram as células de Kenyon diretamente, sem submeter a drosófila a um choque elétrico. Criaram por engenharia genética uma variante de drosófila cujas células Kenyon respondem a fachos luminosos. A luz libera um líquido injetado ao qual as células são sensíveis. Em lugar de expor as drosófilas a um odor e um choque elétrico, os pesquisadores usaram o odor e um facho de luz para ativar as células de Kenyon. A luz teve o mesmo efeito que o choque, e ativou as células no momento de percepção do aroma, deixando no cérebro a mensagem de que o chulé de tênis usados era algo a ser evitado.

Tendo dominado o funcionamento básico do mecanismo de aprendizado, Miesenboeck espera descobrir os percursos no restante do circuito. Ele acredita que as células de Kenyon possam estar conectadas a outras, que controlam o movimento das drosófilas. Assim, quando a drosófila sentir o odor de tênis usados, as células de Kenyon enviarão mensagens às células motoras, agindo como eleitores que vão às urnas e assim influenciando o movimento do animal. Quanto maior a aversão ao odor transmitida pelo sinal, maior o número de células de Kenyon que votam por uma fuga rápida.O sistema de aprendizado também precisa ter algum método para estimar em que medida a lição foi aprendida, afirmou Miesenboeck em entrevista.

Assim que a associação entre o odor e o choque está estabelecida, o modelo de mundo da drosófila passa a ser 100% correto e não são necessárias alterações adicionais no circuito de memória; mas ainda não está completamente claro de que maneira esse processo é realizado. Quando todo um circuito de aprendizado é mapeado, será que a mosca, bem como outras criaturas dotadas de neurônios de aprendizado, se comportará como uma máquina biológica? "Se for possível observar de fato o que interage com os mecanismos e como a engrenagem neural funciona, teríamos um nível de explicação que me satisfaria", disse Miesenboeck.

Ralph Greenspan, especialista em comportamento de drosófilas no Instituto de Neurociência de San Diego, disse que "o estudo começa a identificar em detalhes o circuito subjacente desse percurso neural de condição associativa nas drosófilas".

Perguntado se a técnica poderia ajudar a identificar todo o percurso nervoso, da percepção do odor ao movimento que leva o animal a se afastar voando, Greenspan respondeu que "seria um milagre, a essa altura, porque o conceito quanto à maneira pela qual esse processo produz resultados motores ainda está completamente indefinido", o que significa que os circuitos neurais que propelem o movimento da drosófila continuam desconhecidos. A caixa preta no cérebro da drosófila continua a abrigar muitos circuitos obscuros.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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