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Cientista: falhar é o "destino" do acelerador de partículas

Cientista afirma que falhar é o ¿destino¿ do acelerador de partículas

15 out 2009 - 11h21
(atualizado às 11h23)
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Mais de um ano depois que uma explosão de fagulhas, fuligem e hélio gélido forçou seu fechamento, a maior e mais dispendiosa experiência de física que o mundo já realizou, conhecida como Large Hadron Collider (LHC) está pronta a reiniciar suas atividades. Em dezembro, se tudo correr bem, vão começar as colisões de prótons em um circuito fechado subterrâneo nas cercanias de Genebra, em busca de forças e partículas que imperaram no primeiro trilionésimo de segundo do Big Bang.

A maior experiência de física que o mundo já realizou, conhecida como LHC está pronta para reiniciar suas atividades
A maior experiência de física que o mundo já realizou, conhecida como LHC está pronta para reiniciar suas atividades
Foto: Nature

Então chegará a hora de testar uma das mais bizarras e revolucionárias das teorias científicas. Não estou falando de novas dimensões de espaço-tempo, matéria escura e nem mesmo de buracos negros capazes de devorar a Terra. Não, estou falando da teoria de que o problemático acelerador de partículas talvez esteja sendo sabotado pelo seu próprio futuro.

Uma dupla de cientistas em geral respeitados sugeriu que o bóson de Higgs, uma partícula hipotética que os físicos esperam ser capazes de produzir com a ajuda do LHC, pode ser tão repulsiva para a natureza que sua criação cria uma distorção temporal e impede que o acelerador a crie, mais ou menos como um viajante do tempo que retornasse ao passado para assassinar seu bisavô.

Holger Bech Nielsen, do Instituto Niels Bohr, em Copenhagen, e Masao Ninomiya, do Instituto Yukawa de Física Teórica, em Quioto, Japão, apresentaram essa ideia em uma série de estudos com títulos como "Teste sobre o Efeito do Futuro sobre o LHC: Uma Proposta" e "Busca de Influência Futura sobre o LHC", publicados no site científico arXiv.org ao longo dos últimos 18 meses.

De acordo com o chamado Modelo Padrão, que governa quase toda a Física, o bóson de Higgs é responsável por dotar as demais partículas elementares de massa. "Nossa previsão deve ser a de que todas as máquinas produtoras do bóson de Higgs terão má sorte", afirmou Nielsen em mensagem de e-mail.

Em um ensaio não publicado, ele declarou, sobre sua teoria, que "bem, seria quase possível dizer que temos um modelo para Deus". O palpite da dupla, ele prossegue, é o de que "Ele odeia as partículas de Higgs e tenta evitá-las".

Essa influência maligna vinda do futuro, argumentam, poderia explicar porque o Superconducting Supercollider dos Estados Unidos, igualmente projetado para gerar o bóson de Higgs, teve sua construção cancelada em 1993 depois de investimentos de bilhões de dólares, um acontecimento tão improvável que Nielsen o define como "um antimilagre".

Seria admissível pensar que o surgimento dessa teoria é prova de que as pessoas têm tempo ¿talvez tempo demais- para pensar sobre o que o acelerador, cuja construção demorou 15 anos e custou US$ 9 bilhões, pode produzir. Ele foi criado pelo Centro Europeu de Pesquisa Nuclear (CERN), com o objetivo de acelerar prótons a energias de sete trilhões de elétron-volts, por um percurso em anel de 27 quilômetros de comprimento, e depois forçá-los a colidir em explosões primevas.

O plano, pelo menos na forma anunciada na metade de setembro pelos engenheiros do CERN, é começar a promover colisões de prótons à chamada energia de injeção de 450 bilhões de elétron-volts, em dezembro, e depois elevar a energia até que os prótons tenham energia da ordem de 3,5 bilhões de elétron-volts cada; em seguida, depois de uma curta pausa natalina, a Física real poderia começar.

Talvez

Nielsen e Ninomiya começaram a defender sua teoria pessimista no segundo trimestre de 2008. O acelerador de partículas do CERN só foi ligado alguns meses mais tarde, mas uma conexão entre dois eletroímãs se vaporizou, causando uma paralisação de atividades que já dura mais de um ano.

Nielsen classificou o incidente de "algo engraçado que poderia nos levar a acreditar naquela nossa teoria". Ele concorda em que ceticismo viria a calhar. Afinal, a maior parte dos grandes projetos científicos, entre os quais o Telescópio Espacial Hubble, passam por períodos em que parecem estar sob o efeito de alguma maldição. No CERN, as complicações continuam: no final de semana passado, a polícia francesa deteve um físico de partículas que trabalha em uma das experiências com o acelerador, por suspeita de conspiração com a ala norte-africana da organização terrorista Al Qaeda.

Nielsen e Ninomiya propuseram uma espécie de teste: que o CERN se envolva em um jogo de azar, um exercício aleatório, talvez com a ajuda de um gerador de números aleatórios, para ajudar a discernir entre má sorte e ação do futuro. Se o desfecho fosse suficientemente improvável, por exemplo, se uma carta escolhida ao acaso fosse a única carta de espadas em um maço com 100 milhões de cartas de copas, a máquina ou não funcionaria ou o faria mas apenas em nível de energia insuficiente para produzir o bóson de Higgs.

É claro que tudo isso é uma maluquice e o CERN certamente não deveria determinar o destino de seu maior investimento por meio de uma aposta. Alguns blogs compararam a teoria a algo digno de Harry Potter. Mas maluquices têm uma longa tradição na Física, uma disciplina que discute sobre gatos que estão vivos e mortos ao mesmo tempo e sobre uma antigravidade que inflaria o universo.

Como disse Niels Bohr, compatriota de Nielsen e um dos criadores da mecânica quântica, a um colega, certa vez, "todos concordamos em que sua teoria é uma loucura. O que nos divide é determinar se é louca o bastante para estar correta".

Nielsen está bem qualificado, no que tange a essa tradição. Ele é conhecido na Física como um dos proponentes da teoria das supercordas e como um pensador profundo e original, "uma daquelas pessoas extremamente inteligentes que se dispõem a trabalhar com ideias malucas e levá-las aos seus limites", nas palavras de Sean Carroll, físico do Instituto de Tecnologia da Califórnia e autor de um livro sobre o tempo, no prelo, cujo título será "Da Eternidade até Aqui".

Outro dos projetos de Nielsen é um esforço para demonstrar de que maneira o universo tal qual o conhecemos, apesar de toda sua aparente regularidade, poderia derivar de uma pura aleatoriedade, um tema que ele designa "dinâmica aleatória".

Nielsen admite que a teoria que desenvolveu com Ninomiya deve alguma coisa ao conceito de viagem no tempo, algo que o interessa há muito e se tornou tema respeitável de pesquisa nos últimos anos. Embora voltar no tempo e assassinar o próprio avô seja um paradoxo, os físicos concordam em que não existe paradoxo se alguém voltar no tempo para evitar que seu avô seja atropelado por um ônibus.

No caso do bóson de Higgs e do LHC, é como se algo viajasse ao passado para impedir que o universo seja atropelado por um ônibus, embora não seja claro por que, exatamente, gerar um bóson de Higgs seria catastrófico. Se soubéssemos, seria presumível que não estivéssemos tentando produzi-lo.

Sempre presumimos que o passado influencia o futuro. Mas isso não é necessariamente verdade na física de Newton e Einstein. De acordo com os físicos, tudo que se precisa conhecer, matematicamente sobre o que acontece a uma maçã ou aos 100 bilhões de galáxias do universo, ao longo do tempo, são as leis que descrevem como as coisas mudam, e uma declaração sobre sua situação inicial. Esse último fator é a chamada "condição de limite" - a maçã pendente sobre a cabeça de alguém a 1,5 metro de altura, ou o Big Bang.

As equações funcionam igualmente bem, apontam Nielsen e outros, caso as condições de limite envolvam o futuro em lugar do passado, desde que as leis fundamentais da Física sejam reversíveis ¿algo que a maioria dos físicos acredita sejam. "Para aqueles de nós que acreditam na Física", Einstein escreveu a um amigo certa vez, "a separação entre passado, presente e futuro é apenas uma ilusão".

Em "Sirens of Titan", um romance de Kurt Vonnegut, toda a história humana acontece apenas para que seja possível entregar uma peça metálica do tamanho de um abridor de latas a um alienígena encalhado em uma lua de Saturno, para que ele possa consertar sua espaçonave e voltar para casa. Determinar se o LHC terá um destino assim nobre, ou humilde - ou, aliás, qualquer destino - é algo que ficará para o futuro. Mas, como torcedor do Boston Red Sox durante toda minha vida adulta, eu posso dizer que sou especialista em maldições.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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