PUBLICIDADE

Vencedor do Nobel de Química 2008 fala sobre o valor do prêmio

Vencedor do Nobel de Química 2008 fala sobre o valor do prêmio

2 out 2009 - 16h19
(atualizado às 16h24)
Compartilhar

Todos os anos, na primeira semana de outubro, um comitê de dignatários em Estocolmo anuncia os Prêmios Nobel nas ciências. Os vencedores do Prêmio Nobel de Química do ano passado foram Osamu Shimomura, Roger Y. Tsien e Chalfie, pela descoberta e desenvolvimento da proteína fluorescente verde (GFP). "Com a ajuda da GFP", disse o comitê, "pesquisadores desenvolveram formas de acompanhar processos antes invisíveis, tais como o desenvolvimento das células nervosas no cérebro ou a disseminação de células cancerígenas".

Martin Chalfie, chefe do departamento de ciências biológicas da Universidade Columbia, foi o ganhador do Prêmio Nobel de Química no ano passado
Martin Chalfie, chefe do departamento de ciências biológicas da Universidade Columbia, foi o ganhador do Prêmio Nobel de Química no ano passado
Foto: Nature

Conversamos com Chalfie, 62, no mês passado em seu escritório na Universidade Columbia, onde chefia o departamento de ciências biológicas. A seguir, uma versão editada e condensada de uma entrevista de três horas: Chalfie estava dormindo quando tentaram avisá-lo que ele havia ganhado um Prêmio Nobel, mas sua carreira foi repleta de descobertas sobre alertas.

É verdade que o senhor perdeu a ligação informando que havia ganhado o Prêmio Nobel porque estava dormindo?
É verdade. Sabe, se você tem sorte o bastante de fazer um bom trabalho, as pessoas fazem essa coisa terrível com você, começam a dizer: "Ei, você talvez ganhe o Prêmio Nobel." Então, quando chega a primeira semana de outubro, você perde um pouco do sono.

Em outubro passado, não dormi bem na noite anterior quando anunciaram o prêmio de medicina. Mas não houve nenhuma ligação. Eles anunciaram o prêmio de química dois dias depois. Bem, naquela noite, ouvi um telefone tocando à distância, mas presumi que era de um vizinho.

Então, acordei dez para as seis da manhã seguinte e deduzi que outra pessoa havia ganhado o prêmio de química. Assim, abri meu laptop e fui para Nobelprize.org conferir o otário que havia conseguido. E aí vi meu nome ao lado dos nomes Osamu Shimomura e Roger Tsien. Eu era o otário! Acordei minha esposa, Tulle: "Aconteceu." Ela disse, "O quê? Perdemos a hora para levar nossa filha à escola?"

Depois, o telefone começou a tocar de verdade. Era uma repórter da AP que disse estar na frente do nosso apartamento e queria tirar uma foto de mim. Eu disse, "Estou de pijama." Ela replicou, "É exatamente a foto que quero." Eu disse, "Mas você não vai conseguir."

O senhor é um biólogo. Está surpreso por ganhar o Nobel de química?
O prêmio foi na verdade para a molécula. Em 1962, Osamu Shimomura descobriu uma proteína em uma água-viva que a fazia ter um brilho verde claro. Com meus colegas, 30 anos depois, consegui inserir esse gene GFP em uma bactéria e fazê-la se tornar verde. Depois, isso abriu a possibilidade de usar a GFP como um tipo de lanterna natural no interior de animais e plantas, o que nos permitiria enxergar suas células e partes.

Roger Tsien avançou ainda mais ao criar uma palheta inteira de cores a partir da GFP, o que nos dá marcadores que permitem observar ainda mais processos enquanto eles ocorrem. A revolução é que agora podemos assistir à vida em tempo real.

Como o senhor começou a estudar a GFP?
Na verdade me lembro do dia em que ouvi falar dela pela primeira vez. Isso porque tenho um pedaço de papel cheio de anotações animadas que fiz -25 de abril de 1989. Tivemos uma série de seminários aqui e o neurobiólogo Paul Brehm era o palestrante convidado. Em sua introdução, ele mencionou que Osamu Shumomura estava estudando essa água-viva, que tinha uma proteína que libera uma luz verde quando você a irradia com ultravioleta.

Havia uma década que eu estudava um verme transparente, o C. elegans. Imediatamente pensei, se pudesse colocar o gene GFP no C. elegans, então conseguiria enxergar processos biológicos em animais vivos. Até então, tínhamos que matá-los e preparar seu tecido quimicamente para visualizar proteínas ou genes ativos dentro de células.

Mas essa visão da vida era estática: queríamos ver a progressão de eventos enquanto as células mudavam com o tempo. Eu estava muito animado. Não consegui ouvir mais nada da palestra de Brehm depois disso. Fiquei fantasiando sobre todas as coisas maravilhosas que poderíamos fazer.

Passei o dia seguinte tentando descobrir quem mais estava trabalhando com a GFP. Douglas Prasher, como descobri mais tarde, estava tentando clonar seu DNA: concordamos imediatamente em trabalhar juntos. Mas depois, por causa de uma série de mal-entendidos, perdemos o contato. Ele pensou que eu tinha largado a ciência. Em 1992, restabelecemos contato e, um mês depois, usando um DNA que ele havia nos enviado, inserimos a proteína na E. coli, que passou a ficar verde quando jogávamos luz ultravioleta sobre ela. Fomos, então, capazes de fazer a mesma coisa com a C. elegans.

Como o Prêmio Nobel mudou a sua vida?
O principal é que virei uma pessoa que é ouvida. As pessoas em geral não ouvem muito os cientistas. Durante a coletiva de imprensa que a Columbia organizou no dia em que vencemos, anunciei que estava imediatamente assinando uma petição de laureados do Nobel em apoio a Barack Obama para presidente; isso foi poucas semanas antes da eleição. Na semana anterior, ninguém teria se importado para quem ia meu voto.

Mas todo o resto é praticamente o mesmo. Sou o chefe de um departamento de biologia e ainda preciso encontrar fundos e espaço para estudantes. Ainda preciso me inscrever em bolsas para minha pesquisa, que são avaliadas como a de qualquer outra pessoa. Ninguém no NIH (Institutos Nacionais de Saúde) fala, "Ah, ele é um Nobel, deveríamos dar o dinheiro a ele."

Por que o senhor acha que o governo Obama fez da pesquisa biológica uma peça importante do pacote de estímulo econômico? Durante a Grande Depressão, a WPA (uma agência governamental de investimentos criada por Franklin D. Roosevelt) dava às pessoas trabalhos para pintar murais em espaços públicos e construir postos de correio.
É porque a pesquisa biológica exige muito trabalho - isso é um programa de empregos. Também há dinheiro para reformar laboratórios e comprar novos equipamentos, o que cria empregos fora da academia. Os dividendos aqui não estão embelezando espaços públicos, mas esclarecendo funções biológicas, doenças e a agricultura.

No meu laboratório, não nos inscrevemos para receber o dinheiro do estímulo porque nosso financiamento regular ia ser renovado. Parecia ser ganancioso se inscrever para os dois. Mas sei de três pessoas no departamento cujo emprego foi salvo por causa do estímulo.

Voltando a seu Nobel, como o senhor se preparou para a cerimônia formal em Estocolmo?
Meu amigo Bob Horvitz, que ganhou o prêmio de medicina em 2002, tentou me preparar. Ele disse, "Você vai a um ensaio antes da cerimônia e vão lhe mostrar um vídeo de Paul Nurse (diretor da Universidade Rockfeller) recebendo seu prêmio, porque querem mostrar o que você não deve fazer."

Aparentemente, você deve caminhar até o rei, aceitar sua medalha, apertar sua mão e então fazer reverência a ele e ao júri. Depois, você faz reverência ao público. Paul fez isso, mas quando voltou a sua cadeira, ergueu os braços à la Rocky e fez "Iiiisso!" Aparentemente, eles não aprovaram essa conduta.

Quando chegamos a Estocolmo, não nos mostraram o vídeo de Paul Nurse. Na cerimônia, após reverenciar o rei, o júri e o público, vi minha esposa e filha na terceira fileira e lhes joguei um beijo. Mais tarde, em uma recepção, encontrei uma condessa Alice que nos disse, "Em todos os anos que frequentei a cerimônia, nunca havia visto alguém fazer aquilo!" Então agora, temo que passem a mostrar o meu vídeo como o exemplo do que não se deve fazer.

No dia 5 de outubro, começam a anunciar os nomes dos Nobel 2009. O senhor tem algum conselho para eles?
O mesmo que recebi: aproveite.

Tradução: Amy Traduções

The New York Times
Compartilhar
Publicidade