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No seu bicentenário, Darwin permanece influente

11 fev 2009 - 08h59
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A teoria da evolução de Darwin se tornou a fundação da moderna biologia. Mas, ao longo da maior parte de sua existência, desde que foi proposta formalmente em 1859, até mesmo os biólogos a ignoraram ou se opuseram vigorosamente a ela, no todo ou em parte.

Darwin morreu em 1882 e ainda influencia a discussão entre os biólogos
Darwin morreu em 1882 e ainda influencia a discussão entre os biólogos
Foto: The New York Times

É prova da extraordinária percepção de Darwin que os biólogos tenham necessitado de quase um século para perceber até que ponto suas opiniões estão essencialmente corretas.

Os biólogos aceitaram rapidamente a idéia de evolução mas rejeitaram por décadas a seleção natural, mecanismo proposto por Darwin para o processo evolutivo.

Até a metade do século 20, em larga medida ignoraram a seleção sexual, um aspecto especial da seleção natural que Darwin propunha como causa de ornamentos de animais machos, a exemplo da cauda do pavão.

E os biólogos continuam debatendo a seleção em nível de grupo - a idéia de que a seleção natural pode operar no nível de grupo bem como no individual.

A proposta de Darwin quanto a seleção de grupos - ou algo parecido, já que os especialistas discordam quanto ao que ele queria dizer- responderia, por exemplo, pelas castas existentes entre as formigas e pelo desenvolvimento da moralidade entre os seres humanos.

Como Darwin conseguiu estar tão adiante de sua era? Por que os biólogos demoraram tanto a compreender que Darwin havia oferecido a resposta correta sobre tantas questões centrais? Os historiadores da ciência perceberam diversos traços distintivos na abordagem científica de Darwin que podem ajudar, somados ao gênio, na explicação de suas percepções.

Também apontam para diversos critérios não científicos que podem servir de obstáculo à aceitação das idéias de Darwin pelos biólogos.

Uma das vantagens de Darwin é que ele não tinha de publicar 15 artigos ao ano ou submeter pedidos de verbas de pesquisa. Pensou profundamente sobre todos os detalhes de sua teoria durante 20 anos, antes de publicar "A Origem das Espécies", em 1859, e mais 12 anos antes de publicar a continuação, "A Origem do Homem", que explorava a maneira pela qual sua teoria poderia ser aplicada aos seres humanos.

Darwin contribuiu com diversas virtudes intelectuais para o trabalho que empreendeu. Em lugar de desconsiderar as objeções à sua teoria, ele pensava sobre elas obsessivamente até encontrar uma solução.

Os vistosos ornamentos de animais machos, como a cauda do pavão, pareciam difíceis de explicar à luz da seleção natural, já que pareciam mais prejudicar que auxiliar a sobrevivência. "Sempre que contemplo uma cauda de pavão, fico enjoado", escreveu Darwin.

Mas a preocupação com o problema o levou a desenvolver a idéia de seleção sexual, a de que as fêmeas escolhem os machos com os melhores ornamentos, e por isso os pavões elegantes procriam mais.

Darwin também tinha a dureza intelectual necessária a encarar as consequências perturbadoras de sua teoria, de que a seleção natural não tem objetivo ou propósito.

Alfred Wallace, que desenvolveu suas idéias sobre a seleção natural de maneira independente, mais tarde deixou de lado essa interpretação e decidiu recorrer ao espiritualismo para explicar a mente humana.

"Darwin teve a coragem de enfrentar as implicações do que ele havia feito, mas o pobre Wallace não", diz William Provine, historiador na Universidade Cornell.

O pensamento de Darwin sobre a evolução era não só profundo mas muito amplo. Ele tinha interesse por fósseis, criação de animais, distribuição geográfica, anatomia e plantas.

"Essa visão muito abrangente permitiu que ele visse coisas que outras pessoas não eram capazes de perceber", diz Robert Richards, historiador na Universidade de Chicago.

"Ele estava tão certo de suas idéias centrais ¿a transmutação de espécies e a seleção natural- que precisava encontrar maneira de fazer com que tudo isso se encaixasse".

Da perspectiva de 2009, as idéias principais de Darwin estão substancialmente corretas. Não que ele tenha acertado tudo. Por desconhecer as placas tectônicas, os comentários de Darwin sobre a distribuição das espécies não são muito úteis.

Sua teoria de hereditariedade é irrelevante, porque ele não sabia nada sobre genes ou ADN. Mas os conceitos centrais de seu trabalho, a seleção natural e a seleção sexual, estavam corretos. Ele também propôs uma forma de seleção em nível de grupo que foi desconsiderada por muito tempo mas hoje conta com importantes advogados, como os biólogos Edward Wilson e David Sloan Wilson.

Não só ele estava correto sobre as premissas centrais de sua teoria mas há diversas outras questões em aberto sobre as quais suas opiniões também devem prevalecer.

A idéia dele sobre a formação das espécies foi eclipsada pelo conceito de Ernst Mayr, de que uma barreira à reprodução, como uma montanha, força uma espécie a se dividir. No entanto, diversos biólogos estão voltando à idéia de Darwin de que a especiação ocorre principalmente em forma de competição, nos espaços abertos, diz Richards.

Darwin também acreditava que existia uma continuidade entre os seres humanos e outras espécies, o que o levou a refletir sobre a moralidade humana como traço relacionado à simpatia que existe nos grupos de animais sociais.

Essa idéia, por muito tempo desdenhada, foi retomada recentemente por pesquisadores como o primatologista Frans de Waal. Darwin "jamais acreditou que a moralidade tivesse sido inventada por nós; achava que fosse produto da evolução, posição que agora vemos estar crescendo em popularidade sob a influência do que conhecemos sobre o comportamento dos animais", disse de Waal. "De fato, estamos de volta à posição inicial de Darwin, agora".

É bastante notável que um homem que morreu em 1882 ainda influencia a discussão entre os biólogos, e ainda mais estranho que tantos biólogos tenham recusado durante décadas a aceitar as idéias expressas por Darwin em claro e belo inglês.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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