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Pediatra critica "profetas do autismo" em defesa das vacinas

15 jan 2009 - 14h38
(atualizado às 14h54)
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Um novo livro que defende as vacinas, escrito por um médico enfurecido diante da alegação de que elas causam autismo, está galvanizando a reação contra o movimento antivacina nos Estados Unidos. O autor, Dr. Paul Offit, não fará viagens para divulgar seu livro Autism's False Prophets (Os falsos profetas do autismo, na tradução do inglês

O americano Paul Offit, 57 anos, publicou um livro em que se opõe à alegação de que as vacinas causariam autismo
O americano Paul Offit, 57 anos, publicou um livro em que se opõe à alegação de que as vacinas causariam autismo
Foto: The New York Times

) porque recebeu diversas ameaças de morte.

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"Eu pretendo fazer palestras em conferências de enfermagem, por exemplo", disse. "Mas não vou realizar noites de autógrafos públicas do livro. As coisas poderiam ficar feias. Há pais que realmente acreditam que as vacinas prejudicam seus filhos, e para eles sou uma pessoa incrivelmente maligna. Sou odiado", desabafou.

O pediatra Offit, 57 anos, é um homem cortês, divertido e um tanto amarfanhado. Diretor de doenças infecciosas no Hospital Infantil de Filadélfia, ele também é co-inventor da vacina contra o rotavírus, uma doença que mata 60 mil crianças ao ano nos países pobres. "Quando Jonas Salk inventou a vacina contra a poliomielite ele era um herói ¿ e eu sou o que, terrorista?", brincou ele, se referindo a um cartaz que o denunciava em uma recente manifestação dos ativistas antivacina diante do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), em Atlanta.

Nos últimos anos, o debate sobre vacinas e autismo, que começou com confusão e medo, adquiriu um tom de ira. Como detalha o livro de Offit, diversos estudos sobre compostos presentes em vacinas que supostamente serviriam como gatilhos para o autismo foram conduzidos e centenas de crianças com diagnósticos da doença receberam tratamentos, que ele considera enganosos, e foram "curadas". Ambos os lados insistem em que as provas médicas sustentam suas posições.

Como resultado, "alguns anos atrás o discurso científico civilizado foi abandonado e a disputa passou a girar em torno de ataques pessoais", disse o Dr. Gregory Poland, diretor de pesquisa de vacinas da Mayo Clinic, lembrando que seus filhos sofreram ameaças. "Paul atrai muitas dessas críticas porque não hesita em participar abertamente do debate".

Os partidários de Offit dizem que ele foi forçado a assumir esse papel. Os oponentes das vacinas organizaram comícios, foram entrevistados em programas de TV como Oprah e Imus in the Morning, se tornaram os heróis em filmes feitos para TV e encontraram uma celebridade que defende a causa, Jenny McCarthy, atriz e ex-modelo da revista Playboy, que tem um filho autista. E as resposta das autoridades de saúde à controvérsia foi evasiva e expressa em termos do jargão científico mais tedioso.

"Se o diretor do serviço médico nacional, o secretário da Saúde ou o diretor do CDC se pronunciassem de maneira forte sobre isso, tenho certeza de que a coisa toda se dissiparia", destacou Peter Hotez, presidente do Instituto Sabin de Vacinação, pai de uma menina com severo autismo cuja origem, ele afirma, foi diagnosticada como genética.

Perguntado sobre os motivos da reticência das autoridades de saúde, o Dr. Steven Galson, que ocupa interinamente a posição de diretor do serviço médico nacional, divulgou um comunicado no qual explica que "imunizações na infância são uma das maiores realizações de todos os tempos" e que "os indícios científicos demonstram claramente que as vacinas não contribuem para o autismo". Ele falou sobre questões como obesidade, tabaco, viagens aéreas e exercícios físicos, mas seu gabinete informou que os jornalistas não o questionaram sobre vacinas e autismo.

O livro de Offit, publicado em setembro pela editora da Universidade Colúmbia, conta com amplo apoio entre os pediatras, pesquisadores do autismo, produtores de vacinas e jornalistas médicos, segundo os quais, o trabalho resume em linguagem leiga as provas científicas em apoio às vacinas e argumenta vigorosamente que pais vulneráveis estão sendo manipulados por médicos que promovem falsas curas e por advogados interessados em mover processos coletivos.

"Os oponentes das vacinas tomaram a questão do autismo como refém", avaliou Offit. "Não falam pelos pais de todas as crianças autistas, utilizam cientistas cujas posições são extremas e celebridades, e criaram uma pequena indústria de falsa esperança que na verdade prejudica as crianças. Os pais pagam caro por tratamentos perigosos, hipotecam suas casas para adquirir câmaras de oxigênio hiperbáricas. É repugnante", criticou.

Os oponentes o apelidaram de Dr. Proffit (lucro), porque ele recebeu milhões de dólares em royalties pela vacina RotaTeq. Um grupo que ele critica asperamente no livro é o Generation Rescue, que advoga tratar crianças autistas com dietas que excluem os laticínios e o trigo, e o uso de quelação para remover mercúrio do corpo. McCarthy e seu companheiro, o ator Jim Carrey, bem como Deirdre Imus, mulher do apresentador de rádio Don Imus, fazem parte do conselho de organização.

J. B. Handley, que fundou a Generation Rescue em 2005, rejeita os ataques de Offit, afirmando que "temos centenas de crianças plenamente recuperadas. Estou muito frustrado por Offit, que jamais tratou uma criança autista, gastar seu tempo tentando refutar a realidade da recuperação biomédica". Ele desdenha a idéia de que Offit tenha recebido numerosas ameaças de morte, e condena quaisquer ameaças de violência, alegando que ele mesmo recebeu algumas. "Ninguém deveria fazer coisa parecida com outro ser humano", alertou.

Offit agora conta com uma celebridade como aliada, a atriz Amanda Peet, que se apresentou a ele por intermédio de um cunhado, um médico que trabalha no mesmo hospital em Filadélfia. "Onde moro, em Los Angeles", ela contou em entrevista por telefone, "temos essa tendência na criação de filhos - servir apenas alimentos orgânicos, remover da casa tudo que seja tóxico. E há muito fervor contra as empresas, contra as companhias farmacêuticas".

Quando estava grávida, ela lembra, "eu almoçava com minhas amigas que tinham filhos e elas diziam que não vacinariam suas crianças, ou que as vacinariam só a longos intervalos, e perguntavam se eu não sabia que vacinas podem fazer mal".

Depois de interrogar diversos médicos em sua família e Offit, ela por fim concordou em se tornar a porta-voz da Every Child by Two, uma organização de defesa da vacinação criada pela antiga primeira dama Rosalynn Carter. Em entrevista à revista Cookie, dirigida a pais e mães, Peet classificou os pais que se opõem às vacinas como "parasitas", porque dependiam da imunização das demais crianças para proteger seus filhos. Mais tarde se desculpou pelo uso da palavra, mas enfatizou que os pais deveriam receber conselhos médicos dos médicos, "não de mim ou de qualquer outra celebridade".

A Dra. Nancy Mishnew, neurologista no Centro Médico da Universidade de Pittsburgh e uma das mais conhecidas especialistas em autismo, recomenda qualquer pai que tenha dúvidas sobre vacinas que leia o livro de Offit. Ela é especialista em imagens magnéticas do cérebro, não tem conexões com fabricantes de vacinas e diz que não conhece Offit e que nunca falou com ele.

O autismo, segundo ela, é uma das muitas doenças, como dislexia, esclerose tuberosa e esquizofrenia, que têm causas genéticas mas não apresentam sintomas por anos. Ela culpou os jornalistas por "criar uma conspiração onde não há nenhuma". Ao agir como se houvesse duas posições legítimas no debate sobre o autismo, ela afirma, "a mídia alimentou essa questão - porque beneficia seus índices de audiência".

Muitos médicos argumentam que os repórteres deveriam tratar o lobby antivacina com a mesma indiferença reservada àqueles que negam o holocausto e a aids, e aos que dizem ter provas de que a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço, a Nasa, falsificou a aterrissagem de astronautas na Lua.

Arthur Allen, autor de um livro sobre a história das vacinas, já participou de debates públicos contra outros jornalistas que alegam que vacinas causam autismo, depois de inicialmente aceitar alguns dos argumentos da teoria.

O livro de Offit "precisava ser escrito", ele diz. Mas está cético quanto a que o livro sirva para pôr um ponto final à disputa. "Continuam existindo pessoas que acham que flúor é perigoso, e que as trilhas de fumaça dos aviões a jato causam câncer", ironizou. "Estou esperando que o debate supere essa fase, mas há pessoas que não se convencerão", finalizou.

Tradução: Paulo Migliacci

The New York Times
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