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Ilusão olfativa faz mulher sentir mesmo cheiro por anos

13 ago 2009 - 17h40
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Jane G. Andrews

Estava na minha cozinha, e sentia cheiro de terra. Três plantas novas estavam posicionadas no beiral da minha janela. Faz quase 10 anos, era o mês de abril, e eu as tinha comprado porque a primavera enfim havia chegado. Estava admirando suas flores pequenas e densas, e suas folhas verdes lustrosas. Mas não tinha planejado sentir aquele outro cheiro, mais forte e bruto. Enquanto trabalhava pela casa, tentava pensar em outra coisa. Ao subir as escadas, o cheiro me acompanhava - forte, terroso, quase úmido. Eu comecei a imaginar como poderia estar sentindo o cheiro de três pequenas plantas que haviam ficado no andar de baixo.

De tarde, fazendo compras, o cheiro persistia. Será que ele havia de alguma maneira se fixado em minhas roupas? Um dia mais tarde, a quilômetros de distância, no consultório de minha médica em Manhattan, eu continuava a senti-lo - ainda que ela não tivesse plantas.

E eu por fim percebi que aquele cheiro forte, que me acompanhava sem convite há quase dois dias, vinha de dentro da minha cabeça e não de fora. Mortificada, comecei a pensar que eu talvez cheirasse mal. Passei a cobrir a boca com a mão ao conversar com os amigos, a escovar mais os dentes, a usar um desinfetante bucal compulsivamente. Mas meu marido me disse que meu cheiro continuava gostoso - bafo algum. Por fim, fui ao médico.

Descobri que sofro de fantosmia. "Osmia" vem da palavra grega para "cheiro". Acoplada a "fanto" (de "fantasma"), a palavra descreve um senso ilusório de cheiro. Sinto cheiro quando não existe perto de mim nada de odorífero.

Era inevitável que eu passasse por testes médicos - uma ressonância do cérebro (para eliminar a possibilidade de um tumor) e uma tomografia da minha região nasal (em busca de sinusite); por fim, fiz um eletrocardiograma, porque alucinações olfativas acontecem em caso de epilepsia. Os resultados foram negativos e duas rodadas de antibióticos, para o caso de o problema advir de uma infecção nasal oculta, foram o único tratamento que realizei - infrutífero.

Um dia, passado um ano, percebi que o cheiro havia desaparecido. Mas para meu desgosto um novo aroma havia ocupado seu lugar. Meu marido havia queimado uma panela de chili ao cozinhar. Chili queimado se tornou o meu novo aroma padrão. Bem, ao menos o cheiro era melhor que o de terra.

Depois de sete anos, uma viagem à Provença substituiu o chili. Alfazemas floresciam, e meu novo aroma passou a ser o de lavanda. O cenário do sul da França, repleto de alfazemas, me acompanhou de volta para casa. Houve quem achasse que tive sorte - muita gente gosta de lavanda. Mas eu odiava aquele cheiro que se infiltrava em meu cérebro sem convite.

Eu tentei em vão segurar o nariz, ou sentir o cheiro de limões. Tentei perfumes fortes e loções, mas eles tampouco funcionaram. Um odor poderoso como o de amônia conseguia superar a lavanda por curtos períodos, mas era um caso de cura pior que a doença.

Agora já faz dois anos que os cheiros variam, alguns mais e outros menos fortes. A novidade é que eles se conectam apenas ligeiramente com o mundo externo. Não consigo conectá-los ao mundo real, quando surgem. Assustam-me como um membro fantasma.

Há momentos em que não sei se o cheiro que sinto está dentro ou fora de mim. Passeando com o cachorro, senti cheiro de esterco e chorei, crente de que seria o cheiro que eu sentiria dali por diante. Mas o cheiro passou. No dia seguinte, voltei a senti-lo, no mesmo local - e só então vi uma placa sobre o uso de fertilizantes. Pude ter certeza de que o cheiro era real.

Evitar odores repulsivos é minha primeira defesa e também já tentei a tática oposta, a de me esforçar por sentir apenas aromas agradáveis. Infelizmente, minha fantosmia parece sentir predileção por odores desagradáveis.

Agora sei que em geral é isso que acontece. O Dr. Donald Leopold, diretor do centro de otorrinolaringologia no Centro Médico do Nebraska, em Omaha, estuda distúrbios olfativos há 30 anos. Na fantosmia, ele diz, as passagens nasais superiores e o cérebro participam, mas o cérebro, "onde a percepção de cheiro efetiva é gerada", tem o papel principal.

Os pacientes quase sempre perderam parte de seu faro. Leopold diz que o cérebro, "que é propenso a criar cheiros", supercompensa oferecendo odores, em geral desagradáveis, que podem ter existido em seus registros anteriormente mas em geral eram suprimidos. Ao que parece, certos neurônios "patrulheiros" que bloqueavam esses cheiros terminam desativados.

Ainda que Leopold garanta que "existe tratamento", não experimentei as soluções salinas nasais, antidepressivos, anticonvulsivos ou sedativos que diversos médicos me receitaram. Em geral tento ignorar a fantosmia, desviando minha atenção a outros assuntos. De isso não funciona, tento levar na brincadeira, como algo mais absurdo que horrendo. Venço número maior dessas batalhas do que seria de esperar.

E descobri que é melhor manter o silêncio sobre a doença. Alguns amigos se contorcem quando ouvem falar a respeito, como se eu fosse maluca. Aliás, a fantosmia está conectada a certos distúrbios psiquiátricos (esquizofrenia, depressão, Mal de Alzheimer), mas eu certamente não sofro deles. Imagino, porém, o que querem dizer essas alucinações olfativas. As explicações neurológicas não me satisfazem de todo. A resposta pode estar na ponta do nariz, mas o mistério persiste.

The New York Times
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