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Globalização da doença de Chagas faz milhões de infectados

Nos Estados Unidos e na Europa, estima-se que um milhão de pessoas estejam contaminadas. Ainda falta tratamento eficaz para a fase crônica da doença descoberta por Carlos Chagas

17 ago 2013 - 13h46
(atualizado às 13h46)
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Durante décadas, a doença de Chagas era relacionada a comunidades periféricas, de baixo poder aquisitivo, com condições precárias de moradia e restrita a regiões tropicais. Mas a enfermidade deixou de ter barreiras territoriais e vive uma fase de globalização: a crescente migração de pessoas entre países está por trás do fenômeno, afirma José Rodrigues Coura, chefe do Laboratório de Doenças Parasitárias do Instituto Oswaldo Cruz.

Só nos Estados Unidos, estima-se que existam cerca de 300 mil doentes. Outros 300 mil imigrantes ilegais também devem ter o problema naquele país, calcula Coura. Na Europa, a projeção é de que entre 180 mil e 200 mil moradores estejam infectados. "Como a doença não é natural daquela região, você tem portadores de um problema crônico. A pessoa pode transmitir a doença através da transfusão de sangue, sem nem saber que a possui. Em países onde não há o protozoário, as centrais de transplante não estão preparadas para testar a doença", comenta Coura.

Por se tratar de um problema em muitos casos imperceptível – os sintomas podem demorar anos a aparecer –, o paciente, sem saber, pode transmitir a doença durante uma transfusão de sangue, ou até mesmo de mãe para filho. "Vetores existem na Ásia e África também, mas até hoje não se comprovou infecção deles com Trypanosoma Cruzi", comenta Coura. O pesquisador destaca que é necessário reforçar ações de controle da doença para evitar a contaminação de mais pessoas, em países endêmicos e não-endêmicos.

Sintomas

Desencadeada pelo protozoário Trypanosoma Cruzi, a doença é transmitida para animais de sangue quente através da picada de mosquitos triatomínios silvestres. Eles são encontrados do sul dos Estados Unidos até o sul do Chile e Argentina. Estima-se que nessa região existam cerca de 10 milhões de infectados.

No Brasil, o principal vetor da doença é o Triatoma infestans, conhecido como barbeiro. Ele foi descoberto como transmissor do parasita em 1908, quando Carlos Chagas viajava a Pirapora, em Minas Gerais, para pesquisar a malária. O primeiro registro de um paciente com o problema foi em 1909: uma menina de dois anos de idade que vivia na cidade mineira de Lassance.

Nos primeiros 15 dias de contágio, o paciente pode desenvolver sintomas como febre, nódulos, conjuntive unilateral, inflação do miocárdio, cérebro e meninge. Entre cinco e dez anos mais tarde surge a fase crônica, quando o doente apresenta alargamento de órgãos como coração e esôfago, além de miocardite crônica, insuficiência e arritmia cardíaca.

"Muitas vezes, a pessoa morre e não foi diagnosticada com Chagas. Mais que a mortalidade, o problema da doença é a morbidade. A pessoa não consegue mais produzir", explica Rafael Guido, doutor em física molecular do Instituto de Física de São Carlos (IFSC), da Universidade Federal de São Carlos.

Carlos Chagas, há cem anos indicado ao Nobel

Com a descoberta da doença de Chagas, o Brasil ganhou visibilidade no exterior na área de pesquisa em doenças tropicais. Carlos Chagas, cientista do então Instituto de Manguinhos, hoje Instituto Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, foi o primeiro e único pesquisador do mundo a descobrir, sozinho, o vetor, a doença e os ciclos doméstico e silvestre de um mal.

Chagas ganhou importantes premiações na área da pesquisa em doenças tropicais e passou a integrar as principais instituições da área em todo o mundo. Prestígio que rendeu ao mineiro, nascido em Oliveira, Minas Gerais, em 1878, duas indicações ao Prêmio Nobel de Medicina, nos anos de 1913 e 1921. Pesquisadores da história das ciências brasileiras não entendem os motivos que fizeram com que ele não conquistasse a primeira indicação.

Para Simone Kropf, coordenadora do programa de pós-graduação em história das ciências da saúde da Fiocruz, Chagas apresentava as melhores condições para ser agraciado em 1913. Oito anos depois, questionamentos das teorias pela comunidade científica e divergências políticas podem ter tirado o primeiro Nobel do Brasil. "Ele defendia que a doença afetava a população rural e deveria ser combatida pelos governos, assim como outras, porque isso era o motivo do atraso do Brasil. Muitos achavam que estas declarações poderiam prejudicar a imagem do país no exterior", enfatiza Kropf.

O legado do trabalho do mineiro é seguido até hoje por pesquisadores e institutos focados no controle de doenças parasitárias no Brasil. O país permanece como maior produtor de pesquisas nesta área, com foco na produção de novos medicamentos, vacinas, formas de controle e nos riscos de contaminação em áreas não endêmicas.

Tratamento da doença de Chagas

A produção de medicamentos eficazes em todas as fases da doença ainda é um desafio. Existem apenas dois remédios usados para tratar o problema na etapa inicial, segundo Guido. Apenas um é produzido no Brasil. O Instituto de Física de São Carlos desenvolve desde 2008 um remédio que pode ser capaz de matar o parasita no corpo humano em todas as fases. O projeto foi escolhido pela Organização Mundial da Saúde como referência no estudo de medicamentos para doença de Chagas na América Latina.

Os resultados iniciais da pesquisa apontam que a droga tem grande potencial para tratar a enfermidade também na fase crônica. "Conseguimos otimizar a potência dos compostos mais de mil vezes, o que é um grande avanço. Esperamos desenvolver um medicamento com menos efeitos colaterais e que seja uma alternativa viável para ser produzido no Brasil." O pesquisador quer que o remédio seja disponibilizado na rede pública: "Esta é uma das 17 doenças negligenciadas, que não são interessantes para produção dos grandes laboratórios", justifica.

Deutsche Welle A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
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