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EUA querem explorar benefícios dos animais para crianças

9 out 2009 - 13h52
(atualizado às 13h57)
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Carla Baranauckas

Quando Chad, um Labrador amarelo, chegou à casa de Claire Vaccaro, em Manhattan, alguns meses atrás, o cachorro já tinha papel importante a exercer. Como animal treinado em serviços para autistas, sua missão na família seria a de ajudar a proteger Milo, 11 anos, o filho de Claire -especialmente em locais públicos, onde o menino muitas vezes sofre acessos de irritação ou tenta fugir correndo.

Como muitos animais treinados para servir como companhia, quer para prestar serviços, quer como animais de estimação, Chad teve efeito imediato - a espécie de efeito que é perceptível mas ainda não veio a ser compreendido plenamente por meio de um estudo científico. E a conexão certamente é mais longa que a da coleira que une o animal e o menino quando saem juntos.

"Dentro de casa, eu diria que bastou uma semana para que eu percebesse enormes mudanças", disse Vaccaro sobre Milo, cujo autismo prejudica sua capacidade de se comunicar e de formar elos sociais. "Mais e mais mudanças aconteceram ao longo dos meses e a conexão entre eles se intensificou ainda mais. Milo está muito mais calmo. Consegue se concentrar por períodos muito mais longos. É quase como se uma nuvem tivesse desaparecido".

A Dra. Melissa Nishawala, diretora clínica dos serviços de atendimento a autistas no Centro de Estudos da Criança, na Universidade de Nova York, diz ter testemunhado "uma mudança considerável e perceptível" em Milo, ainda que o cachorro se limite a ficar sentado silenciosamente no mesmo cômodo em que o menino. "Ele começou a me oferecer narrativas de uma maneira que nunca fazia no passado", ela revelou, acrescentando que o tema da maioria dessas histórias era o cachorro.

As mudanças foram tão profundas que Vaccaro e Nishawala estão começando a discutir a possibilidade de reduzir a medicação de Milo. Há muitas histórias não confirmadas sobre os benefícios da companhia animal - quer de animais de serviço e terapia, quer de animais de estimação - para a saúde humana. Mas o número de estudos em profundidade conduzidos até o momento não é muito grande. Agora, o Instituto Eunice Kennedy Shriver de Saúde Infantil e Desenvolvimento Humano, parte do Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, está iniciando um esforço para determinar se esses animais podem ter efeitos tangíveis sobre o bem-estar de uma criança.

Em parceria com o Centro Waltham de Nutrição Animal, da Inglaterra (que é parte do grupo Mars, fabricante de doces e ração animal), o instituto está solicitando propostas que "se concentrem na interação entre seres humanos e animais".

O objetivo específico seria o de promover estudos que demonstrem como essas interações afetam o desenvolvimento e saúde típicos, e determinar se elas têm benefícios terapêuticos e em termos de saúde pública. A proposta também solicita inscrições para estudos que "discutam por que os relacionamentos com animais de estimação são mais importantes para algumas crianças do que para outras" e que "explorem a qualidade do relacionamento entre crianças e animais de estimação, ressaltando a variabilidade do relacionamento entre animais e seres humanos dentro de uma mesma família".

O interesse do instituto nacional por esse tipo de pesquisa surgiu há pelo menos duas décadas. Valerie Maholmes, que dirige a pesquisa sobre desenvolvimento infantil e comportamento no instituto de saúde infantil, afirmou que, em uma reunião de especialistas realizada em 1987 para discutir os potenciais benefícios de animais de estimação para a saúde, o instituto havia concluído que "seria necessário pesquisar muito mais", especialmente no que tange ao desenvolvimento infantil.

Outras sessões de debate confirmaram essa necessidade de pesquisa, mas a maioria dos estudos concentra suas atenções em interações negativas, como por exemplo o papel dos animais de estimação na transmissão de doenças, disse James Griffin, diretor assistente de desenvolvimento e comportamento infantil, no instituto.

Enquanto isso, o centro Waltham estava expandindo as pesquisas que realiza e começou a conduzir pequenos estudos sobre a interação entre crianças e animais, disse Catherine Wotecki, diretora mundial de assuntos científicos na Mars. "Somos uma empresa que produz ração para animais de estimação e produtos para eles", afirmou, "e estamos interessados em manter esse relacionamento o mais forte possível".

Revisões sobre o programa de pesquisa do Waltham indicaram que estudos de maior porte, com grupos de controle apropriados, eram necessários. Quando a Mars foi informada do interesse dos institutos norte-americanos por esse tipo de pesquisa, foi estabelecida uma parceria entre o setor público e o privado para a realização desses trabalhos, com uma dotação de mais de US$ 2 milhões oferecida pela companhia. O Instituto Nacional de Enfermagem também está contribuindo para o financiamento de pesquisas.

Peggy McCardle, diretora da divisão de desenvolvimento e comportamento infantil do instituto nacional, disse que as verbas oferecidas pela Mars ajudaram a acelerar o início do projeto. McCardle acrescentou que o instituto nacional havia estabelecido protocolos para as parcerias entre o setor privado e o público e que todas as propostas passavam por revisão em pelo menos dois escalões antes de serem aprovadas.

As pessoas que trabalham com animais têm a expectativa de que pesquisas formais venham a confirmar suas observações. No Hospital Infantil do Condado de Orange, no sul da Califórnia, por exemplo, dezenas de voluntários levam seus cachorros regularmente para visitar os pacientes. As crianças que estão sendo tratadas por doenças graves muitas vezes sentem tristeza, ansiedade ou depressão. "Os cachorros certamente as animam", diz Emily Grankowski, que cuida do programa de terapia com animais de estimação conduzido pelo hospital.

Alguns pacientes que recusam a falar com médicos e enfermeiros conversam com os cachorros e outros que recusam a se mover muitas vezes tentam acariciar os animais. Assim, os animais se tornam parte do programa terapêutico, especialmente em áreas que envolvam fala e movimento. "O elo entre os animais e os seres humanos contorna completamente o aspecto intelectual e atinge de forma direta o coração e as emoções, nos oferecendo uma força que nada mais poderia propiciar", disse Karin Winegar, cujo livro "Saved: Rescued Animals and the Lives They Transform", de 2008, fala de interações entre animais e seres humanos e das transformações positivas que esse contato pode trazer.

"Nós já testemunhamos episódios como esse de costa a costa, quer se trate de crianças deficientes que aprendem a cavalgar na Califórnia ou de uma casa de repouso em Minnessota na qual uma mulher que sofre de Mal de Alzheimer não consegue mais reconhecer o marido mas ainda reconhece o seu querido cachorro".

Observações como essa não são novidade para a Autism Service Dogs of America, a organização que treinou Chad para o serviço junto a Milo. "Muitas crianças pacientes de autismo não conseguem formar relacionamentos com outros seres humanos", afirma Pris Taylor, a diretora da organização. "Mas conseguem se relacionar com um cachorro".

Tradução: Paulo Migliacci ME

Institutos de saúde querem determinar se os animais podem ter efeitos tangíveis sobre o bem-estar de uma criança
Institutos de saúde querem determinar se os animais podem ter efeitos tangíveis sobre o bem-estar de uma criança
Foto: The New York Times
The New York Times
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