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Mais uma vez, Programa Espacial Brasileiro não decola

Especialistas definem com "frustração" o momento do setor; veículo lançador de satélites completará 30 anos sem sair do chão

5 dez 2014 - 09h16
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O Programa Espacial Brasileiro (PEB) encerrará 2014 da mesma forma como terminou 2013: com orçamento insuficiente, adiamentos de projetos, promessas para o futuro e nada do VLS, o veículo lançador de satélites que chegará aos 30 anos de idade sem sair do chão.

E para decolar, o PEB precisa de uma revisão estratégica ampla. Essa é a solução apontada por Aydano Carleial, presidente da Associação Aeroespacial Brasileira e ex-diretor do programa de satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

“O Brasil avançou muito pouco, ou quase nada, em sua capacidade tecnológica e industrial do setor espacial desde o fim do século passado”, afirma Carleial, pós-graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Stanford, dos Estados Unidos. “Os projetos de engenharia espacial do governo em geral arrastam-se anos a fio sem perspectiva de conclusão com sucesso. Como não se reformou a organização do Estado para o setor nem se estabeleceu ainda uma nova estratégia com forte apoio político (permanece o marasmo), o momento atual do desenvolvimento espacial brasileiro é de frustração”.

Ele não é o único especialista a definir com “frustração” o momento do setor espacial brasileiro. E essa palavra ganha ainda mais força quando se compara a situação nacional com os demais BRICs (Rússia, Índia e China, países emergentes de maior destaque no cenário internacional). Desse grupo, o Brasil é o único que não conseguiu conquistas expressivas nessa área, que hoje não se encontra mais polarizada entre Estados Unidos e Rússia, como na Guerra Fria.

Depois que os russos, no período soviético, protagonizaram as primeiras grandes proezas espaciais, Índia e China também avançaram. A primeira lançou, no ano passado, uma sonda orbital que chegou a Marte em setembro - é a única nação a ter sucesso nesse tipo de missão na primeira tentativa. Os chineses, por sua vez, lançaram seu primeiro satélite em 1970 e, em 2003, tornaram-se o terceiro país a levar um homem ao espaço.

Já o Brasil, que criou o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais - que daria lugar ao Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) - em 1961, até hoje sequer conseguiu levar aos céus a tecnologia de seus próprios lançamentos.

Perspectivas

O principal motivo da inércia brasileira quanto à exploração espacial é o baixo investimento. Na Lei Orçamentária Anual de 2014, foi previsto o repasse de R$ 316 milhões para a Agência Espacial Brasileira (AEB). Dois anos antes, em 2012, a verba destinada era de R$ 360 milhões.

Para fins de comparação, o orçamento planejado para a Organização Indiana de Pesquisa Espacial (ISRO) para o biênio 2014-2015 é de quase R$ 3 bilhões. “Apesar do dinamismo e perseverança de nossos servidores, temos que considerar que a atividade espacial é uma atividade de alto risco, alto custo, longo tempo de desenvolvimento e completamente dependente de investimento governamental”, observa o presidente da AEB, José Raimundo Coelho.

Segundo ele, quando há uma redução na quantidade de recursos, são tomadas medidas como o adiantamento de compromissos assumidos e reavaliações no Programa Nacional de Atividades Espaciais (PNAE).

Esse é um exemplo de situação que atravanca o desenvolvimento da pesquisa espacial brasileira. Edmilson de Jesus Costa Filho, doutor em Política Científica e Tecnológica pela Unicamp e analista de ciência e tecnologia, usa a agência espacial americana como exemplo de processo ideal. “Quando os Estados Unidos fazem uma contratação para a NASA, faz logo de 15 satélites. Assim você tem escala de produção, compras garantidas, sem corte de orçamento.”, diz.

Independência

Pode-se dizer que o atraso do programa espacial brasileiro se deve, em boa parte, à sua incapacidade de lançar seus próprios equipamentos ao espaço. Ultrapassar essa barreira e dominar a tecnologia de lançamento demanda muito investimento, mas, uma vez que o objetivo é alcançado, os demais projetos tornam-se mais econômicos.

O problema é que o Brasil enfrenta muita dificuldade para atingir essa meta. A primeira tentativa de voo do seu Veículo Lançador de Satélites, o VLS-1, ocorreu em 1997, quando foi necessário acionar o comando de autodestruição devido a uma falha na ignição. Nova falha aconteceu em 1999. Já em 2003, na terceira e última tentativa, uma ignição prematura fez o foguete explodir ainda na plataforma de lançamento, vitimando 21 profissionais.

“Após o acidente de 2003, todo projeto foi revisado com vistas ao aumento da segurança de operação e confiabilidade”, conta o presidente da AEB. Até hoje, desde o início do desenvolvimento do VLS, foram gastos R$ 417.657.574,91, segundo a agência, cujas estimativas para o futuro do lançador são postergadas ano a ano.

De acordo com Coelho, os próximos testes devem ocorrer no ano que vem. “As próximas etapas de desenvolvimento do veículo são operações com objetivos de testar as redes elétricas e verificar seu sistema de navegação. Estas campanhas serão executadas por meio das operações Santa Bárbara I e II, respectivamente, previstas para o segundo semestre de 2015.”

O ônus do atraso, segundo especialistas, é que, quando for finalmente lançado, o VLS já estará obsoleto. “Hoje o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que é a parte que faz satélites pro Brasil, tem satélites de uma tonelada e meia, duas toneladas, que não cabem dentro do nosso foguete”, salienta Costa Filho. O VLS-1 terá capacidade para transportar cargas de até 250 kg.

Por esse motivo, a AEB já prevê o desenvolvimento do VLS-Alfa, com capacidade para transportar 500 kg, e o VLS-Beta, que será capaz de carregar 800 kg. De acordo com o programa, eles serão lançados em 2018 e 2020, respectivamente. “Com a conclusão dos testes do VLS, prosseguiremos para a fase de expansão, prevista no PNAE, com o desenvolvimento dos veículos lançadores de maior porte e o atendimento das demandas do Programa Espacial Brasileiro”, diz o presidente.

Em parceria com a Agência Espacial Alemã, há ainda o desenvolvimento do Veículo Lançador de Microssatélites (VLM), que também tem previsão de conclusão para 2015. Esse terá capacidade de carregar equipamentos com peso de até 150 kg.

Cyclone

Após o acidente do VLS-1 em 2003, Brasil e Ucrância firmaram, naquele mesmo ano, um acordo de cooperação internacional, que resultou na Alcântara Cyclone Space (ACS). A parceria visava a lançar, a partir do Centro de Lançamento de Alcântara, no Maranhão, o foguete ucraniano Cyclone-4.

O objetivo era competir comercialmente no mercado internacional de lançamentos de satélites. Acontece que esse projeto também sofreu com diversos atrasos de cronograma. Mais de uma década depois da assinatura inicial, a conclusão do projeto segue indefinida. E a ACS não comenta o assunto.

Para o analista de ciência e tecnologia Edmilson de Jesus Costa Filho, o acordo foi uma boa ideia que não deu certo na prática. “O produto, no mercado espacial, precisa ter uma série de certificações. Um foguete só é homologado a partir de quatro lançamentos com sucesso, então a gente saiu meio no escuro, tentando superar esses entraves, só que efetivamente a gente nunca conseguiu, por problemas na questão de licenciamento e na questão tecnológica.”

Seja com tecnologia própria ou ucraniana, o espaço continua longe dos brasileiros. Enquanto os chineses já almejam uma missão tripulada à Lua e a Índia manda sua sonda a Marte, o Brasil ainda engatinha e aguarda um planejamento estratégico consistente para a sua política espacial.

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