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Brasil investe em segurança para evitar novos acidentes em Alcântara

Atual diretor do Centro de Lançamentos de Alcântara relata as medidas adotadas desde o trágico acidente que matou 21 pessoas em 2003

22 ago 2013 - 11h22
(atualizado às 11h22)
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O VLS-1 continua em desenvolvimento. Segundo a AEB, o projeto precisa ainda de R$ 178,4 milhões para ser finalizado
O VLS-1 continua em desenvolvimento. Segundo a AEB, o projeto precisa ainda de R$ 178,4 milhões para ser finalizado
Foto: Agência Brasil

Dez anos atrás, em 22 de agosto de 2003, um incêndio destruiu o terceiro protótipo do Veículo Lançador de Satélites (VLS) do Brasil, tirou a vida de 21 pessoas, entre técnicos e engenheiros, e pôs em xeque Programa Espacial Brasileiro. Após investigação das causas do acidente, o Centro de Lançamentos de Alcântara (CLA), no Maranhão, passou por uma reforma completa, recebeu R$ 110 milhões em melhorias desde 2009 e se prepara para o dia em que o foguete finalmente decolar.

A tragédia que faz aniversário nesta data não foi a primeira tentativa de lançamento. Em 1997 e 1999, falhas nos componentes levaram à destruição dos foguetes. Em 2003, o lançamento nem ocorreu. Três dias antes da data programada, o VLS-1 V03 teve uma ignição prematura - “acendimento intempestivo de um dos motores”, segundo o Instituto de Aeronáutica e Espaço.

O relatório completo de investigação levou em consideração diversas possibilidades, inclusive sabotagem. A conclusão, porém, foi de que falhas de segurança ao longo dos anos colaboraram para a tragédia. No capítulo final, é constatado: “A longa convivência do projeto com a escassez de recursos humanos e materiais pode ter conduzido a uma dificuldade crescente em perceber a degradação das condições de trabalho e da segurança”.

“O acidente foi resultado da carência de recursos para equipamentos, infraestrutura deficiente do Centro de Alcântara e, principalmente, perda de pessoal especializado por conta dos salários baixos”, analisa o astrônomo da Fundação Planetário da Cidade do Rio de Janeiro Naelton Mendes de Araújo, ao examinar o relatório, resultado de investigação empreendida por especialistas brasileiros e russos. “Visitei ano passado a base de Alcântara e me pareceu que agora as modificações de segurança estão em um nível muito bom”, pondera.

A partir das recomendações do relatório e de documento elaborado por assessoria russa, muitas mudanças foram promovidas no Centro de Lançamento. “A Torre Móvel de Integração foi totalmente reconstruída, utilizando os mais modernos procedimentos de segurança existentes no ambiente espacial”, garante o presidente da Agência Espacial Brasileira, José Raimundo Braga Coelho. “A nova plataforma tem, entre as inovações, atualizações nos itens de segurança e sistemas elétricos. Em relação ao projeto do Veículo Lançador de Satélite, todos os procedimentos de segurança foram revistos e aprimorados”.

Confira as medidas adotadas pelo Centro de Lançamento de Alcântara para aumentar sua segurança, nesta entrevista com o coronel engenheiro César Demétrio Santos, diretor do CLA:

Terra - O que mudou na estrutura de Alcântara desde o trágico acidente de 2003? O que foi feito especificamente para melhorar a segurança da base e da logística em torno dos lançamentos?

Coronel Santos - A partir do Relatório de Investigação do Acidente com o VLS e do Relatório de Recomendações elaborado por uma assessoria russa, o CLA investiu na modernização de uma série de sistemas para aprimorar a segurança e toda a logística em torno dos lançamentos. Para se ter uma ideia, desde 2009 foram investidos 110 milhões de reais em melhorias, como a reconstrução da nova Torre Móvel de Integração (TMI). A TMI é a plataforma de operação do Veículo Lançador de Satélites (VLS) e está totalmente automatizada, o que amplia a segurança dos operadores e aumenta sua eficiência operacional. 

Foram investidos também recursos na modernização do Centro de Controle, setor principal da operação em que trabalham engenheiros, físicos e técnicos responsáveis pela coordenação das atividades de lançamentos e também do Centro de Controle Avançado, a instalação mais próxima ao setor de lançamento, onde as equipes acompanham a preparação e montagem dos foguetes na plataforma até o lançamento. 

O CLA expandiu o Circuito Fechado de Televisores (CFTV), que, além de cobrir toda a área operacional, também visualiza demais áreas contruídas do Centro. Juntamente com o Sistema de Controle de Acesso e Intrusão, possibilita identificar com rapidez situações atípicas que possam oferecer riscos às áreas sensíveis e/ou às operações. 

Foi feita a revitalização, modernização e aquisição de equipamentos, a exemplo de antenas de rastreio e telemetria, radares, torres anemométricas e perfilador de vento (permitem verificar a condição do vento para o lançamento) e softwares que realizam o acompanhamento em tempo real online de todas as etapas durante a cronologia de lançamentos. Para destacar três desses novos softwares chamo atenção para a Cronologia On-Line, o Sistema de Controle Operacional e Disparo (SCOD) e a Interfonia Operacional (IO), que entraram em atividade neste ano e tornam mais ágeis e dinâmicas as atividades que envolvem os lançamentos. Associado a tudo isso, uma nova Rede de Tramitação de Dados (RTD) possibilita maior rapidez no fluxo de dados trocados entre as equipes.       

Terra - Qual é a diferença entre a Torre Móvel de Integração concluída ano passada e a antiga, em termos de segurança e tecnologia?

Coronel Santos - O avanço tecnológico dos últimos dez anos possibilitou uma série de melhorias, e novos sistemas e mecanismos foram incorporados à nova TMI. Após as recomendações do Relatório de Investigação do Acidente a automatização da estrutura foi ampliada e os procedimentos de segurança foram intensificados. Todos os movimentos das portas frontais e das plataformas internas, bem como seu recuo para posição de lançamento, são feitos de maneira automatizada. Para energizar qualquer tomada dentro da Torre, por exemplo, é preciso que aquela ação esteja dentro de um planejamento de atividades com a devida justificativa para tal. O número de câmeras que registram as atividades na torre foi expandido, e um Sistema de Proteção contra Descargas Atmosféricas (SPDA) mais robusto foi instalado em volta da nova TMI, o que reduz as possibilidades de uma descarga atmosférica atingir o foguete durante sua integração na torre. Por meio do Dispositivo Supervisor de Isolação (DSI) incorporado à rede elétrica da TMI, qualquer curto circuito ou fuga de corrente é de pronto identificado e informado ao operador. 

Outro dispositivo, denominado Sistema de Detecção, Alarme e Combate a Incêndio (SDACI), composto por sensores instalados dentro dos painéis e quadros elétricos, monitora a temperatura e sinais de fumaça dentro da Torre e inicia o combate ao princípio de incêndio através de gases, além de emitir um alerta às equipes. 

Uma outra diferença importante é a nova Torre de Fuga e Evasão. Por meio dela, é possível que os operadores deixem o local em caso de alerta ou situação de perigo. Ressalto que a Torre de Fuga e Evasão possui um mecanismo de pressão positiva, que impede que gases expelidos em uma ignição não-programada do VLS entrem no ambiente. No caso de uma emergência, o operador acessa a Torre de Fuga e Evasão em seus diferentes níveis e se desloca até o subsolo por meio de três diferentes sistemas: escada, cano de deslizamento semelhante aos utilizados pelo Corpo de Bombeiros e por uma espécie de meia de tecido que absorve a queda até a parte inferior da plataforma.    

Terra - Passados 10 anos do acidente, qual é a sua avaliação daquele triste episódio? 

Coronel Santos - A partir do acidente, tiramos importantes lições, e todos os procedimentos operacionais e de segurança foram revistos. O CLA dispõe de planos de gerenciamento de crises e apoio à emergências mais complexos e que foram aperfeiçoados ao longo dos últimos anos. De maneira geral, podemos dizer que aprimoramos a cada dia procedimentos que tornam o ambiente de trabalho mais seguro. Afinal o setor aeroespacial caminha com as novas tendências da área. Quanto a possíveis causas do acidente de 2003, o Relatório de Investigação foi inconclusivo e, de todas as hipóteses levantadas, nenhuma foi comprovada como causa da ignição intempestiva de um dos motores do foguete. Posso dizer que, em cima das recomendações feitas a partir dos relatórios, todas as hipóteses levantadas foram cercadas, como por exemplo, com a implantação de um sistema para monitamento da emissão de ondas eletromagnéticas, além de outros sistemas e procedimentos incorporados ao projeto.

Terra - Alcântara já está preparada para o lançamento do VLS-1 04? O que falta ainda?

Coronel Santos - Da parte do Centro de Lançamentos de Alcântara, existem algumas ações que ainda precisam ser tomadas para que possamos realizar a missão completa do VLS-1. Dentre as ações, a mais importante diz respeito à construção do Prédio de Depósito de Propulsores e Prédio de Segurança do SPL que são mandatórios conforme as recomendações dos relatórios para o lançamento do Veículo Lançador de Satélites. Na última semana (a primeira de agosto), obtivemos as licenças do IBAMA para contrução das obras que foram iniciadas na última segunda-feira (12/8). Quanto às equipes, temos mantido a operacionalidade de nosso efetivo por meio de lançamentos de foguetes suborbitais (de sondagem e de treinamento), bem como de todos os equipamentos de solo (antenas, radares, computadores, softwares, redes). Para se ter uma ideia, somente no ano passado, realizamos os lançamentos de sete foguetes de treinamento (seis Foguetes de Treinamento Básico e um Foguete de Treinamento Intermediário) e um foguete de sondagem (um VS-30/ORION), o que mantém o CLA operacional para a retomada das atividades com o VLS.

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