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Diariamente, Terra é atingida por pelo menos um pedaço de lixo espacial

4 dez 2015 - 09h53
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Desde o início da era espacial, nos anos 60, houve mais de 5 mil lançamentos de foguetes, que levaram ao espaço desde satélites a sondas, como as Voyager, passando pela tripulação da Apollo 11, a primeira a chegar à Lua.

No entanto, os avanços tecnológicos que permitiram esse imenso passo para a humanidade tiveram um efeito colateral: o espaço próximo à Terra está cada vez mais congestionado. E isso tem obrigado os cientistas a dedicar cada vez mais recursos para monitorar possíveis acidentes.

E não apenas no espaço: a Nasa, a agência espacial dos EUA, estima que, nos últimos 50 anos, pelo menos um pedaço de lixo espacial caiu a cada dia sobre a Terra. A maioria dos detritos se desintegra ao entrar na atmosfera terrestre e os restos tendem a cair nos oceanos, que cobrem 75% da superfície do planeta.

Emergência

Os EUA, por exemplo, têm um projeto de vigilância espacial, o US Surveillance Network, que atualmente "vigia" dezenas de milhares de objetos maiores que uma bola de tênis flutuando ao redor do planeta. E cientistas estimam que possa haver nada menos que 100 milhões de fragmentos com mais de 1mm em órbita.

Por causa da imensa velocidade – mais de 30 mil quilômetros por hora -, cada um desses objetos carrega o potencial de danificar ou mesmo destruir satélites dos quais dependemos para uma série de serviços do dia a dia – telecomunicações, navegação, previsão do tempo...

Mas talvez o mais visível sintoma do problema do lixo espacial sejam as manobras evasivas regularmente feitas pela Estação Espacial Internacional (ISS) e a frequência alarmante com que os astronautas têm adotado procedimentos de emergência por conta de riscos de colisão - incluindo se refugiar no módulo Soyuz que leva e traz os astronautas para a estação.

E não se trata de excesso de zelo: em 1983, um dos ônibus espaciais enviados pela Nasa voltou com um cratera de 4 mm de profundidade em uma das janelas. O comitê de cientistas que analisou o impacto estima que a espaçonave foi atingida por um fragmento de pintura que não media mais de 0,2 mm de comprimento, viajando a cerca de 18 mil km/h.

Pressurizada para permitir a sobrevivência dos tripulantes, a ISS simplesmente poderia se comportar feito um balão caso fosse perfurada. E em 17 de julho deste ano houve um episódio de "conjunção vermelha", quando um pedaço de lixo chega perto o suficiente da estação para oferecer riscos.

Por causa do filme Gravidade, o público hoje em dia facilmente entende a ansiedade que os astronautas a bordo da ISS sentem todas as vezes que recebem o alerta máximo. E olhe que a estação orbita a Terra em uma altitude em que o número de detritos é relativamente baixo.

Em maiores altitudes, o perigo aumenta, mas apenas veículos não tripulados estão expostos. Entretanto, tratam-se de algumas das ferramentas mais preciosas que temos para entender nosso planeta.

E o grande número de lançamentos pode ter feito com que essa "população" de detritos seja autossustentável – colisões criam mais detritos do que a quantidade desintegrada ao ser atraída pela Terra. Em 2009, por exemplo, dois satélites relativamente pequenos colidiram sobre a Sibéria (Rússia), criando cerca de dois mil novos fragmentos detectáveis. Muitos ainda estão em órbita e "tiram finos" de outros satélites.

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OS NÚMEROS DO LIXO ESPACIAL

500.000 fragmentos de 1cm a 10cm de comprimento

Mais de 21 mil pedaços maiores que 10cm

Mais de 100 milhões de pedaços com menos de 1cm

A maioria dos destroços está localizada numa zona de até dois mil quilômetros da superfície da Terra

A maior concentração está na faixa de 750 km a 800 km

Os fragmentos viajam a velocidades que podem chegar a 28 mil km/h

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A preocupação com o crescimento descontrolado do lixo espacial faz com que cientistas imaginem maneiras de tentar remover os detritos do espaço e evitar o cenário de colisões conhecido como a Síndrome de Kessler, assim batizada em homenagem ao cientista da Nasa Don Kessler, quem em 1978 pela primeira vez teorizou o processo.

Mais fácil falar do que fazer: essa "limpeza" requer novas tecnologias, legislação e, principalmente, verbas. A Agência Espacial Europeia (ESA, na sigla em inglês) desenvolveu uma missão chamada e.Deorbit, cujo principal objetivo é remover um grande satélite do espaço.

Trata-se de um objetivo ambicioso. Inúmeras tecnologias foram examinadas, incluindo uma espécie de arpão concebido por engenheiros britânicos ligados à firma Airbus Defence and Space. Mas ainda depende de aprovação política e financeira, o que só deverá ser decidido no decorrer de 2016.

Outro problema é de ordem legal: os atuais acordos sobre o tema proíbem países de "varrer" o espaço indiscriminadamente, pois não podem interferir com os detritos alheios. E a quantidade de resíduos flutuando por si só mostra a dificuldade de identificar a origem. O mais importante tratado assinado pelas potências espaciais estabelece que satélites são objeto de soberania nacional.

Enquanto a solução não vem, o problema pode ser exacerbado: o que era antes território dominado por governos e agências espaciais, com seus grandes e multimilionários satélites, ganhou a presença de uma indústria emergente que está revolucionando o uso do espaço.

Empresas com orçamentos pequenos estão mostrando que tamanho não é documento quando o assunto é ambição. A Planet Labs, de San Francisco, é um exemplo: seus satélites Dove são menores que uma mala, mas ainda assim capazes de enviar imagens de alta resolução da Terra para uma série de propósitos. Ao lado de outras empresas, essas iniciativas podem aumentar ainda mais o congestionamento e a necessidade de mais manobras evasivas.

E o risco de colisões.

Em 2014, o especialista Brian Weeden, analista de Secure World Foundation, descreveu o lixo espacial como um "problema perverso" – particularmente difícil de resolver por causa da falta de tempo, da ausência de uma autoridade reguladora central e o fato de que a turma em busca de soluções também é causadora do problema.

A maneira de resolver um problema perverso, segundo Weeden, é expandir o grupo de pessoas que apoiem medidas para reduzir os riscos. E há sinais de que tanto organizações e empresas "veteranas" quanto as novatas da exploração espacial entendem a necessidade de reduzir o impacto negativo de suas atividades no espaço e de limitar suas consequências para outros usuários.

Acima de tudo, podemos perceber que a continuidade de uma negligência diante do meio ambiente espacial poderá afetar nossa capacidade de oferecer soluções e serviços, com potenciais consequências para milhões de pessoas.

Leia a dessa reportagem (em inglês) no site .

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