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Cientistas estudam origem do mais temido predador dos mares

17 set 2009 - 08h43
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"Como uma locomotiva com a boca cheia de facas de açougueiro". É dessa maneira que Matt Hooper, um especialista em tubarões, descreve o Carcharodon megalodon ao chefe de polícia em "Tubarão", o romance de Peter Benchley. Ele estava se referindo ao imenso corpo de 15 metros e 50 toneladas, e aos longos dentes de 15 a 20 centímetros ostentados pelo megalodonte, um ancestral extinto do tubarão e talvez o mais espantoso predador a percorrer os mares do planeta.

Hooper havia acabado de vislumbrar pela primeira vez o grande tubarão branco que estava aterrorizando os moradores de Amity Island. Ele explicou que o nome científico do tubarão branco era Carcharodon carcharias, e que "o ancestral mais próximo que podemos identificar para ele" era o megalodonte. Por isso, ele especulava, talvez a criatura não fosse simplesmente um grande tubarão branco, e sim um monstro sobrevivente de era anterior.

Hooper estava brincando com uma ideia simples e bem estabelecida: a de que o mais temido predador dos oceanos modernos, o tubarão branco, tenha evoluído do megalodonte, o mais temido predador alguns milhões de anos atrás.

Era assim que as duas espécies eram vistas, até recentemente, quando novas formas de estudar os dentes de tubarão e novos fósseis de tubarão encontrados no deserto do Peru convenceram a maioria dos especialistas de que os tubarões brancos não descendam de um megatubarão com megadentes. Em lugar disso, eles evoluíram a partir de animais menores e com dentes lisos, aparentados aos tubarões mako.

Se isso procede, então os pesadelos quanto a uma boca dotada de lâminas capazes de dilacerar um corpo humano instantaneamente, e os filmes que inspiraram, também servem como exemplo de um dos mais interessantes fenômenos na história da vida - a evolução convergente, que envolve a evolução independente de adaptações semelhantes por criaturas diferentes. A ideia de um relacionamento estreito entre os tubarões brancos e o megalodonte surgiu em 1835, quando o paleontologista e especialista em peixes suíço Louis Agassiz, classificou formalmente a espécie gigante.

Os imensos dentes fósseis dos megalodontes eram conhecidos há séculos e no passado eram vistos como dentes fossilizados de dragões. Agassiz, ao perceber que os dentes do tubarão branco e os dos megalodontes eram ambos serrilhados, decidiu fazer os dois animais parte de um mesmo genus, o Carcharodon (das palavras gregas "karcharos", que significa aguçado ou cortante, e "odos", dentes).

Mas Agassiz não estava pronunciando um veredicto evolutivo. Em 1835, Charles Darwin ainda era jovem e estava envolvido em sua visita às Ilhas Galápagos. A teoria da evolução só seria proposta por ele quase 25 anos mais tarde. Na verdade, o brilhante Agassiz, professor na Universidade Harvard e o mais conhecido estudioso da história natural nos Estados Unidos, sempre resistiu às ideias evolutivas de Darwin. Rejeitando a evolução biológica, Agassiz definia as espécies como ¿pensamento de Deus¿. O esquema de classificação que ele adotou nada tinha a dizer sobre as origens dos tubarões.

Mas ao longo dos 100 anos seguintes, a ideia de que os tubarões brancos teriam evoluído do megalodonte ganhou força. Porque os esqueletos de tubarões são formados em larga medida por cartilagens não mineralizadas, que não são preservadas no registro fóssil, os principais indícios quanto a esses animais provêm de seus dentes. Os dentes dos tubarões têm pesada mineralização, e os tubarões perdem milhares deles ao longo de suas vidas. Os dentes de megalodontes são muito procurados por colecionadores, de modo que muitos deles estão disponíveis.

Os dentes dos tubarões brancos atingem tamanho máximo de cerca de seis centímetros. Isso já basta para assustar, mas os dentes dos megalodontes adultos eram muito maiores. O traço comum mais óbvio entre os dentes das espécies é a forma pontuda e o serrilhado. As pontas facilitam perfurar a carne e segurar presas. O serrilhado regularmente distribuído ajuda em dividir a carne em pedaços e dilacerá-la.

Com base primordialmente nessas características e em algumas semelhanças específicas de forma de dentes, muitos especialistas defendiam a ideia de que os tubarões brancos fossem, na prática, megalodontes anões. Mas uma pequena minoria tinha suas dúvidas. Eles apontavam que os tubarões brancos também tinham dentes semelhantes ao do Isurus hastalis, um tubarão mako extinto que apresentava um ligeiro padrão serrilhado. Esses pesquisadores propunham interpretação alternativa para as origens do tubarão branco - a de que ele tivesse evoluído a partir de um grupo extinto de tubarões mako.

Era difícil decidir a disputa sem indicações quantitativas. Kevin Nyberg e Gregory Wray, da Universidade Duke, e Charles Ciampaglio, da Universidade Estadual Wright, usaram novas ferramentas e métodos de medicação computadorizados para avaliar semelhanças e diferenças entre os dentes dos megalodontes, tubarões brancos e da variedade extinta de tubarões mako. E conseguiram determinar que as raízes e dentes dos tubarões brancos e dos tubarões mako extintos eram semelhantes em termos de forma, e claramente distintos dos dentes do megalodonte.

Um fóssil notavelmente bem preservado de um possível ancestral do tubarão branco foi localizado recentemente na região desértica do sudoeste do Peru, que abriga muitos fósseis de animais marinhos dos 40 milhões de anos passados, entre os quais baleias, golfinhos, morsas, focas, tartarugas e tubarões muito bem preservados. E foi lá que o Dr. Gordon Hubbell, especialista em tubarões, encontrou o fóssil de quatro milhões de anos, que tinha não só mandíbulas intactas com 22 dentes mas também 45 vértebras - raridades entre os tubarões fósseis e uma oportunidade rara para os estudiosos.

O fóssil mostra semelhanças tanto com o mako extinto quanto com o moderno tubarão branco, entre as quais um serrilhado leve nos dentes, e parece ser uma espécie intermediária entre as duas. O serrilhado mais pronunciado dos tubarões brancos sem dúvida evoluiu para explorar a expansão das populações de mamíferos marinhos. A adaptação parece ter dado vantagem aos predadores, já que eles, como os megalodontes no passado, desfrutam de forte distribuição pelos oceanos. Ao menos por enquanto.

Digo "por enquanto" porque os tubarões brancos estão em declínio, como a maioria dos demais tubarões, alguns dos quais registraram quedas severas de população nas últimas duas décadas. Os biólogos não sabem o que causou a extinção do magalodonte, um dia dominante, dois milhões de anos atrás, mas não haverá discussão sobre os culpados, caso o maior predador moderno venha a desaparecer.

Tradução: Paulo Migliacci ME

The New York Times
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