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"Coisa ética a fazer", diz diretora de ONG de aborto seguro

Entidade internacional fornece informações via internet e envia pílulas abortivas, recomendadas pela OMS, a mulheres de todo o mundo

23 jun 2015 - 09h57
(atualizado em 24/6/2015 às 10h00)
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A polonesa Kinga Jelinska recebe inúmeros e-mails por mês. Não só de europeus, mas de moradores de diversas outras regiões do mundo. Apenas do Brasil são cerca de 200. As histórias variam bastante, mas todos têm um ponto em comum: são escritos por mulheres que estão desesperadas por conta de uma gravidez indesejada – e que encontraram na internet um tipo de auxílio que não conseguiram com órgãos oficiais de seus países.

Jelinska é diretora da Women Help Women, entidade internacional que atua no ramo de aborto seguro. De acordo com o site, a ONG trabalha com a divulgação de informações e com a distribuição de contraceptivos (para mulheres sexualmente ativas que não querem engravidar) ou pílulas abortivas (para as que querem interromper uma gestação). 

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“Todos os anos são realizados cerca de 42 milhões de abortos no mundo, dos quais cerca de 20 milhões são ilegais e inseguros. As restrições legais ao aborto têm apenas um efeito: as mulheres sofrem física e psicologicamente, sendo que morre uma a cada 10 minutos devido a isto”, disse a diretora em entrevista exclusiva ao Terra. “Nós somos ativistas comprometidas em apoiar mulheres. É uma coisa ética a fazer. A falta de acesso a estes serviços viola a autonomia e traz sofrimento. Cada mulher que nos escreve, partilhando conosco as suas necessidades e sua história de vida, nos motiva. A gratidão é geralmente imensa”, completou.

Confira a íntegra abaixo.

Como e quando nasceu a Women Help Women?

A Women Help Women foi fundada em 28 de Setembro de 2014 como uma ação de apoio ao Dia Mundial Pela Descriminalização do Aborto e funciona com uma rede de 30 organizações espalhadas pelo mundo (redes internacionais, linhas de apoio telefônico para o aborto seguro) em projetos que podem ser descritos como ativismo para a informação e acesso a direitos sexuais e de reprodução. Na sua fundação, bem como agora, conta com cerca de 25 profissionais treinados em Saúde Reprodutiva, ativistas, médicos e pesquisadores.

O que as motivam a fazer isso?

Há 215 milhões de pessoas que têm pouco ou nenhum acesso a métodos contraceptivos e à educação sexual e reprodutiva. Coincidentemente, as regiões onde isso acontece são também aquelas onde o aborto é criminalizado.

Protesto a favor do aborto realizado na Avenida Paulista, em São Paulo, no último Dia Internacional da Mulher
Protesto a favor do aborto realizado na Avenida Paulista, em São Paulo, no último Dia Internacional da Mulher
Foto: Leonardo Benassatto / Futura Press

Todos os anos são realizados cerca de 42 milhões de abortos no mundo, dos quais cerca de 20 milhões são ilegais e inseguros. As restrições legais ao aborto têm apenas um efeito: as mulheres sofrem física e psicologicamente, sendo que morre uma a cada 10 minutos devido a isto. As restrições legais não reduzem a incidência de abortos, mas alteram as circunstâncias nas quais eles ocorrem.

A motivação da Women Help Women vai ao encontro de uma necessidade não satisfeita. Há milhões de mulheres que precisam de informação e de acesso a contraceptivos e abortos seguros. No entanto, há geralmente uma grande restrição tanto no acesso a medicamentos como à informação. O corpo das mulheres, bem como as suas escolhas e necessidades privadas em termos de reprodução, são em muitos países decididos por políticos.

Como funciona o trabalho da entidade?

A Women Help Women oferece uma consulta online que permite que pessoas de todo o mundo possam pedir através da internet contracepção de emergência (pilula do dia seguinte), contraceptivos orais, preservativos femininos e outros métodos, e comprimidos abortivos (mifepristona e misoprostol) que são recomendados em documentos da Organização Mundial da Saúde e podem ser utilizados em casa até nove semanas de gestação. Os produtos chegam por correio.

O serviço de aborto médico está focado para os países onde as mulheres não têm acesso e onde, por esse motivo, sua saúde e vida estão em risco. Nós damos sempre informação sobre todas as opções, incluindo o direcionamento para clínicas, quando é possível.

A Women Help Women trabalha muito perto de parceiros em todo o mundo para garantir que mais pessoas possam ter acesso a informações e a serviços de saúde reprodutiva seguros para utilizar em casa. Por exemplo, os parceiros geram linhas de apoio telefônico ou fazem sensibilização de comunidades para ajudar as mulheres localmente.

As pessoas procuram informações, serviços e produtos online. É a realidade dos nossos dias. Mais e mais pessoas procuram na internet por informação e por produtos e serviços. A internet é internacional e é privada. A internet não tem fronteiras. Apesar das disparidades, hoje em dia cerca de 40% da população mundial utiliza a internet.

Camiseta com "slogan" de movimento pró-aborto no Brasil: "eu aborto, tu abortas, somos todas clandestinas"
Camiseta com "slogan" de movimento pró-aborto no Brasil: "eu aborto, tu abortas, somos todas clandestinas"
Foto: Renato S. Cerqueira / Futura Press

A internet e os serviços online podem contribuir para preencher uma necessidade não atendida em termos de produtos e serviços de saúde reprodutiva que de outra forma as mulheres não teriam acesso, especialmente em países onde os serviços de saúde ou restrições legais criam barreiras na obtenção de medicamentos.

É importante que as mulheres estejam armadas com conhecimento sobre a forma mais segura e efetiva de utilizar contraceptivos e medicamentos para aborto, abrindo uma possibilidade para obter medicamentos genuinamente de qualidade. É justo e é a coisa certa a ser feita. Ajuda a proteger as mulheres de práticas não seguras.

Há barreiras impostas por muitos estados devido a pressões políticas e sociais. Elas são prejudiciais e limitam a capacidade da mulher fazer as melhores decisões para si e para a sua família nas mais variadas circunstâncias em que ela possa se encontrar. O limite do acesso ao controle da natalidade bem como a contraceptivos apenas piora as desigualdades sociais.

Quantos pedidos de medicamentos vocês recebem por mês?

Nós somos uma organização jovem, atualmente recebemos cerca de 200 e-mails por mês do Brasil. Se contarmos com outros países, esse número aumenta consideravelmente. Os nossos parceiros apoiam muito mais mulheres nas suas regiões e localidades.

Em países onde não são permitidos, eles não são barrados?

Na maioria dos países é permitido receber medicamentos para uso pessoal. Nos dias de hoje, ainda há muitas mulheres que encontram barreiras desnecessárias ao acesso: sejam barreiras econômicas, falta de disponibilidade ou necessidade de ser casada para ter acesso a contracetivos e aborto.

Por ano, 42 milhões de mulheres abortam, independentemente de quaisquer restrições legais. O aborto é um direito e é um evento comum na vida das mulheres, não um crime. Uma em cada três mulheres terá pelo menos um aborto durante a sua vida. Quando os estados negam os direitos das mulheres, as mulheres arranjam os seus próprios meios e provocam abortos seguros com comprimidos.

Quando os estados não ajudam, as mulheres arranjam um jeito de se ajudar entre si. É por isso que o nosso nome é Women Help Women.

Imagem da edição de 2015 da Marcha das Vadias de SP
Imagem da edição de 2015 da Marcha das Vadias de SP
Foto: Janaína Garcia / Terra

Vocês não dão nenhum valor no site, apenas sugerem contribuições. Como conseguem dinheiro?

A Women Help Women é uma organização sem fins lucrativos que pede que as pessoas façam uma doação em troca do serviço que pediram. Pedir às mulheres que façam uma doação cria uma verdadeira cadeia de solidariedade – a contribuição de uma mulher ajuda a próxima mulher a conseguir contraceptivos e aborto ao mesmo tempo em que suporta o ativismo na área dos direitos de saúde reprodutiva em todo o mundo.

Nós pedimos doação a todas. Até a menor contribuição pode salvar ou mudar a vida de outra mulher. Nós não temos nenhum grande doador, pedimos a indivíduos para contribuir para o nosso projeto.

Como vocês “sobrevivem”? Afinal, o serviço – tanto a divulgação das informações como o envio de medicamentos – pode ser considerado crime em alguns países.

Manter o aborto restrito ou ilegal é uma violação dos direitos humanos. Vários tratados internacionais sobre direitos humanos que são assinados por muitos países, incluindo o Brasil, são violados pelos próprios assinantes. O único resultado desse tipo de regulação é o sofrimento e a morte de mulheres. No Brasil, infelizmente, muitas histórias trágicas têm sido reveladas nos últimos meses e a situação das mulheres é dramática. O aborto é um direito humano e moral das mulheres.

Já tiveram problemas com a internet ou com a justiça de algum país?

Não. É também um direito humano receber e dar informações. O nosso website promove informação publicamente disponibilizada pela Organização Mundial da Saúde. Este conhecimento pertence às mulheres. De fato, os estados têm a obrigação de promover esse tipo de conhecimento.

Oferecer medicamentos para abortos caseiros não é perigoso?

Faz parte da prática médica comum de vários países as mulheres tomarem comprimidos abortivos em casa até nove semanas de gestação. Também são vendidos contraceptivos orais e de emergência sem receita médica. Isto significa que milhões de mulheres no mundo já fazem isto. 

Muitas autoridades médicas e internacionais aconselham a eliminação de barreiras desnecessárias para o acesso. Isto beneficia apenas as mulheres. A resistência à remoção destas barreiras tem uma base política e não se relaciona com questões de segurança – até a Organização Mundial da Saúde afirma que os comprimidos abortivos tomados no início da gestação são seguros de tomar fora de ambientes clínicos.

Mulheres pedem legalização do aborto na marcha das vadias:

Já pensaram em desistir?

Quando recebemos um e-mail falando de uma gravidez não desejada por uma mulher com um baixo rendimento e com já com filhos onde o contraceptivo falhou, sabemos que o trabalho tem que continuar.

Nós acreditamos que o acesso a serviços de saúde reprodutiva é um direito fundamental das mulheres. Nós somos ativistas comprometidas em apoiar mulheres. É uma coisa ética a fazer. A falta de acesso a estes serviços viola a autonomia e traz sofrimento.

Cada mulher que nos escreve, partilhando conosco as suas necessidades e história de vida, nos motiva. A sua gratidão é geralmente imensa.

O que mais gostariam de destacar?

Com o objetivo de não contribuir mais para o estigma em redor do aborto, nós pedimos cordialmente a todos os jornalistas para se focarem nos direitos das mulheres; no direito à informação; nas possibilidades que a new media traz; nas novas tecnologias que são seguras e efetivas (por exemplo, o aborto farmacológico) que muitas mulheres desconhecem; e que não se foquem apenas na atmosfera de intimidação, restrições legais e criminalização.

Continua a ser negado às mulheres o acesso ao planeamento familiar e a serviços de aborto seguro, independentemente da disponibilidade de medicamentos que as mulheres podem usar com segurança nas suas casas. O que é verdadeiramente controverso é que as sociedades e os governos preferem que as mulheres sofram e até que morram em vez de verem a suas necessidades, vidas, direitos e decisões serem respeitados.

Fonte: Terra
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