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Após um mês, participantes refletem sobre legado de protestos

17 jul 2013 - 04h37
(atualizado às 05h19)
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Denis se converteu em uma liderança comunitária depois de organizar uma caminhada pacífica; Bruno diz que as coisas estão mudando, mesmo sem saber se para melhor ou pior. E Lucio avalia que sua geração saiu da "sonolência" política.

Eles são alguns dos jovens que engrossaram as multidões que tomaram as ruas do país na onda de manifestações que se espalhou por todas as regiões do Brasil.

Exatamente um mês atrás, em 17 de junho, os protestos alcançaram diversas cidades brasileiras e culminaram com a tomada do teto do Congresso Nacional pelos manifestantes de Brasília; poucos dias depois, em 20 de junho, a multidão que saiu para protestar foi estimada em mais de 1 milhão de pessoas em todo o país.

Mas até onde vai o impacto da mobilização vista em junho na vida dos jovens do país? E qual é o papel que eles veem para si nos rumos da política do país?

"Essa geração, que já é a maior parcela da população brasileira, assumiu um novo tipo de protagonismo, e acho que isso é irreversível", opina à BBC Brasil o cientista político Paulo Baía, da UFRJ.

"Eles não têm a obrigação de serem gratos pelo fim da hiperinflação como a geração anterior. Demandam reconhecimento, respeito, participação no processo decisório", diz Baía.

"Mas as instituições comuns não os representam neste momento. São pessoas que sabem o que não querem e estão abertas a possibilidades" - mesmo que essas possibilidades ainda não estejam totalmente claras, acrescenta o acadêmico.

A BBC Brasil conversou com cinco jovens de diferentes perfis e graus de militância política, em São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília, e perguntou como os protestos mudaram suas expectativas em relação ao país - bem como suas próprias vidas. Confira:

Denis, do RJ: 'Estou respirando política'

A onda de protestos acabou transformando Denis da Costa Neves, de 27 anos, em uma liderança na favela da Rocinha (RJ), onde mora.

"Fui nos dois primeiros protestos (de 17 e 18 de junho), no Centro do Rio, mas depois resolvi fazer algo diferente: um protesto com a pauta (das reivindicações) da Rocinha", diz o estudante de Design na PUC-RJ.

Da ideia saiu a caminhada que levou milhares de pessoas da Rocinha a um protesto diante da casa do governador Sérgio Cabral, no Leblon, em 25 de junho. "Com amigos, criei o evento no Facebook e fiquei surpreso quando 2 mil confirmaram presença. Quando a favela desce pro asfalto o pessoal acha que vai dar problema, mas a caminhada foi pacífica", conta.

O grupo conseguiu se reunir com Cabral e com o prefeito Eduardo Paes, levando demandas específicas: "O principal é o dinheiro do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), do qual um terço é previsto para ser gasto com um teleférico. A comunidade se divide quanto a se quer o teleférico, mas é unânime em uma coisa: temos outras prioridades, como saneamento, saúde", conta.

Denis conta que Cabral se comprometeu a finalizar obras do PAC 1, que ele diz estarem paralisadas, antes de debater o teleférico. Outro passo concreto foi a criação de uma comissão de fiscalização das obras, formada pelos próprios moradores da Rocinha.

"Valeu a pena protestar, porque estamos conseguindo ser consultados, mas estamos de olho", prossegue Denis, que se diz neófito no jogo da política.

"Passei a receber telefonema de deputados, sofri pressão política enorme, foi muita exposição e minha mãe ficou até preocupada. Mas quero me manter apartidário. Estamos aprendendo a quem recorrer (no caso de demandas populares), com quem conversar."

Denis diz que no momento tem "respirado política", mas não pensa em virar candidato e mantém seus planos de trabalhar na área de jogos eletrônicos. Ao mesmo tempo, suas perspectivas quanto ao Brasil mudaram.

"Antes dos protestos, não imaginava que isso pudesse acontecer. As pessoas veem os brasileiros como um povo acomodado, então dá orgulho de lutar pelos nossos direitos."

Bruno, de BH: 'Não sei se melhorou, mas algo mudou'

O educador e jornalista Bruno Vieira, 27, de Belo Horizonte, se descreve como um "militante de movimentos, mas não de partidos" desde 2010. Participou dos protestos de junho com seus colegas do coletivo jornalístico Conexão Periférica e, desde então, vê mudanças no dia a dia da capital mineira.

"Eu já vivia próximo de pessoas politizadas, mas vejo agora rostos novos (participando das discussões), o que me faz crer que era gente que não tinha interesse por política antes disso", diz.

"Isso não quer dizer que aumentou o diálogo", agrega, opinando que o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, tem se mostrado "inacessível" às demandas populacionais.

"Não sei se melhorou, mas algo mudou. As pessoas estão se posicionando mais. Não sei avaliar se é certo ou errado, mas é algo real."

Um avanço concreto, segundo ele, é o estabelecimento de "assembleias populares horizontais", grupos cidadãos constituídos após os protestos e que continuam se reunindo em Belo Horizonte.

"Havia movimentos dispersos que, com os protestos, encontraram pautas em comum, como meio ambiente ou o passe livre no transporte. Isso abriu um campo de discussão entre pessoas que já eram militantes mas não se conheciam entre si, ou mesmo entre não-militantes."

Lucio, do RJ: 'Minha geração se redimiu'

A primeira participação de Lucio Amorim, 29, nos protestos de junho foi com um pequeno vídeo que ele fez da janela de seu escritório, mostrando a av. Rio Branco, no Rio de Janeiro, completamente tomada por manifestantes, em 17 de junho. O vídeo foi compartilhado quase 27,8 mil vezes no Facebook.

Depois, ele também foi para as ruas participar dos protestos seguintes - os quais, segundo ele, "redimiram sua geração", por tirá-la da inércia política.

"Sou de uma geração que pegou o fim da década perdida (anos 1980) da hiperinflação, mas minha realidade foi a do plano real. A gente cresceu com grande liberdade social e estabilidade, eu comecei a votar aos 16 anos. Criou-se uma certa sonolência", opina o jovem, que é consultor de marketing.

"Tive sorte de me conscientizar (politicamente) ao estudar em escola federal, mas muitos não. Os protestos oferecem a realidade das ruas, e até quem não tinha acesso à informação viu que a coisa é importante. Então, acho que a grande vitória dos protestos é simplesmente o fato de eles terem acontecido."

Ele acha que até o ato de compartilhar mensagens no Facebook tem ampliado a consciência política das pessoas, mesmo que mudanças concretas demorem mais para acontecer.

"Dizer apenas 'a culpa é (da presidente) Dilma' não adianta, temos que entender quem manda em quem na política. E as pessoas começaram a entender o que é uma PEC (proposta de emenda constitucional), a saber o que faz o STF (Supremo Tribunal Federal)."

Maitê, de SP: 'Foi bacana ver tanta gente se mexer'

Os protestos de junho foram os primeiros de que a paulistana Maitê Peres, 21, participou em sua vida.

"Sempre fui do lado do PT, e minha mãe foi uma cara-pintada na época do (impeachment do ex-presidente Fernando) Collor, mas até então eu nunca havia sido muito ligada em política", diz a redatora publicitária. "Achei bacana ver tanta gente se mexer."

Maitê se diz "mais otimista", passado um mês desde que saiu às ruas para participar dos protestos.

"Era tanta gente querendo mostrar que estava de saco cheio. Todo o mundo viu que as pessoas estão se preocupando. Até mesmo pessoas (amigas) que eu nunca imaginei estão discutindo política."

Maitê diz que se acha "mais atenta" às decisões sendo tomadas em Brasília para dar respostas aos manifestantes, mas reclama mais conscientização popular.

"Tem muita gente que ainda vota por brincadeira, como os que votaram (no deputado) Tiririca porque era engraçado. (As mudanças) têm que partir dos cidadãos. Mas pelo menos muita gente passou a se interessar por coisas como as PECs (propostas de emenda constitucionais), mesmo que seja compartilhando pelo Facebook."

Maria Claudia, de Brasília: 'Ainda é tudo meio incipiente'

A administradora Maria Claudia Nunes Pinheiro, 31, participou dos protestos em Recife, onde nasceu, e em Brasília, onde mora.

"Não foram meus primeiros protestos na vida, mas foram os mais relevantes", diz ela. "Faço há muito tempo trabalhos sociais no meu Estado, Pernambuco, e sei exatamente onde a corrupção estoura. Então não saí de casa por 'modinha', mas porque vi uma oportunidade de mudanças reais."

Essas mudanças reais, porém, por enquanto foram muito "imediatistas". "A (presidente) Dilma parou para responder os protestos, a PEC (proposta de emenda constitucional) 37 caiu. Talvez tenhamos avanços na questão do uso (por autoridades) dos aviões da FAB. É um momento em que as coisas estão aflorando, mas é tudo meio incipiente ainda."

Maria Claudia vê "força e bons argumentos" entre os manifestantes, mas avalia que faltam "liderança e foco" - e mais consciência política.

"Algumas pessoas estão mais atentas à política, mas são nichos. Tenho amigos aqui em Brasília que estão pouco preocupados, porque já foram aprovados em seus concursos, vivem em seus mundos e essa luta não é muito a deles."

Questionada se voltaria às ruas para novas manifestações como as de junho, diz que "certamente".

"Estamos num momento importante, no ano que vem temos eleições. É a chance de mudarmos."

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