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Trabalho da ONU pela paz é 'insatisfatório', diz Patriota

O chefe da missão brasileira, Antônio Patriota, disse que a organização tem decepcionado em diversos pontos, mas discussões climáticas mostram que entidade não perdeu relevância

11 fev 2015 - 12h44
(atualizado às 15h27)
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<p> Antonio Patriota acredita que com temas como paz e segurança não é satisfatório, mas com relação ao meio ambiente <span style="font-size: 11.5pt; line-height: 115%; font-family: Arial, sans-serif;">demonstra uma grande força </span></p>
Antonio Patriota acredita que com temas como paz e segurança não é satisfatório, mas com relação ao meio ambiente demonstra uma grande força
Foto: BBC Mundo / Copyright

Setenta anos após sua criação, a ONU (Organização das Nações Unidas) tem deixado a desejar na promoção da paz mundo afora, mas seu papel nas negociações para frear as mudanças climáticas demonstra que ela não perdeu sua vitalidade nem relevância, diz Antonio Patriota, chefe da missão brasileira na organização e ex-ministro de Relações Exteriores (2011-2013).

Em entrevista à BBC Brasil sobre a atuação brasileira na ONU, o embaixador afirma que o debate sobre clima e desenvolvimento sustentável estabelecerá novos paradigmas mundiais para o desenvolvimento e orientará a cooperação econômica futura.

"É uma agenda verdadeiramente transformadora, que envolve governos, setor privado e a sociedade civil", diz.

Em setembro, em Nova York, a organização deverá definir os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável. As metas vão suceder os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio, cuja vigência se encerra neste ano, e que se aplicarão a todos os países do mundo.

O debate atual se concentra num rascunho com 17 metas, que incorporam padrões de sustentabilidade a iniciativas para a melhoria das condições de vida da população global.

Na entrevista, Patriota diz ainda que o 70º aniversário da ONU é uma ocasião única para destravar a reforma do Conselho de Segurança, um dos principais pleitos do Brasil junto à organização. O país almeja uma vaga permanente no órgão, condição hoje só desfrutada por China, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Rússia.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista, concedida em Washington na segunda-feira após palestra do embaixador sobre a inserção internacional do Brasil na Brookings Institution, um dos mais prestigiados centros de pesquisa e debates dos Estados Unidos.

BBC Brasil - Aos 70 anos, a ONU tem hoje menos relevância do que já teve no passado?

Antonio Patriota - Sem dúvida existem esferas em que o trabalho da ONU não é satisfatório, como paz e segurança.

Mas todo o processo associado à Rio+20 (Conferência da ONU sobre o Desenvolvimento Sustentável, em 2012) e à formulação em curso dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável demonstra uma grande vitalidade das Nações Unidas.

De certa forma, esse se tornou o novo paradigma internacional, e um paradigma que deverá ser universalmente aplicado, a todos os países e sociedades. É uma agenda verdadeiramente transformadora, que envolve governos, setor privado e a sociedade civil.

BBC Brasil - Como garantir que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável sejam tão efetivos quanto os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio?

Patriota - Quando os objetivos do milênio surgiram, não havia garantia de que fossem mobilizar governos e outros grupos na sociedade, e o que se viu foi muita mobilização internacional, até uma competição para ver quem conseguia alcançar metas com mais rapidez. Há a expectativa de que os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável também tenham poder de mobilização.

Um aspecto interessante é que as instituições financeiras baseadas em Washington não costumavam dar tanta atenção ao que acontecia nas Nações Unidas em Nova York, mas começam a se interessar muito porque estão vendo que esse é um debate que vai orientar a distribuição ou canalização de recursos para determinadas áreas, e que vai pautar muito toda a cooperação econômica daqui para frente.

BBC Brasil - O Brasil foi criticado por não ter assinado na Conferência do Clima em Nova York, em 2014, um acordo para zerar o desmatamento. O país perdeu o protagonismo nas negociações ambientais?

Patriota - Aquela declaração de florestas foi criticada pelos especialistas em florestas, desde o procedimento para se chegar à declaração ao próprio teor dela. Ela não tem valor.

Quando se acompanha o debate sobre questões ambientais e economias altamente desenvolvidas, nota-se a complexidade do tema e como ele polariza muito o debate político em diferentes países.

O Brasil é um exemplo de capacidade para lidar com essas questões de maneira criativa, inovadora e muito comprometida com resultados.

BBC Brasil - Por que a ONU não tem tido uma atuação mais central em algumas das principais crises globais atuais, como a da Síria ou a da Ucrânia?

Patriota - Não foi por falta de interesse. A complexidade das duas situações tem se revelado grande, e a da comunicação entre atores que podem fazer diferença, também.

É interessante notar no caso da Síria que houve certa reviravolta da parte das potências ocidentais, que haviam estabelecido a saída do (presidente sírio Bashar Al-) Assad do poder como pré-condição para um esforço diplomático.

Hoje o desenvolvimento da situação é tão negativo e preocupante - surgiu esse novo desafio representado pelo extremismo brutal do 'Estado Islâmico' (grupo que controla partes da Síria e do Iraque) - que já existe uma nova maneira de se encarar a situação.

O que defendemos é que o debate das questões não seja só entre as pessoas que pensam de maneira parecida. O secretário-geral da ONU queria muito que o Irã participasse das duas conferências de Genebra (que trataram do conflito na Síria), mas houve um veto a que ocorresse essa participação.

BBC Brasil - A brutalidade do grupo 'Estado Islâmico' não justifica uma operação militar para freá-lo? Há espaço para uma operação nos moldes da que a ONU mantém na República Democrática do Congo, com mandato não só para manter a paz, mas também para atacar?

Patriota - Este início de século demonstrou que estratégias com ênfase no uso da força para combater situações de instabilidade, em que existam práticas terroristas até, não se têm verificado muito exitosas.

Creio que o que está faltando hoje é que, quando o uso da força for contemplado, que aquela autorização não seja considerada um fim em si mesma, mas parte de uma estratégia mais ampla de estabilização de um país. Infelizmente o que se tem observado são estratégias militares em que não se pensa muito no dia seguinte.

BBC Brasil - Em sua gestão à frente da Comissão de Consolidação da Paz da ONU pregou muitas vezes que houvesse mais apoio técnico e financeiro a nações saídas de conflitos. Como essa ajuda deve ser prestada?

Patriota - De várias maneiras. Existe um Fundo de Construção da Paz, composto por contribuições voluntárias. É relativamente limitado, mas tem uma importância estratégica.

Na República Centro Africana um dos elementos que contribuíram para que a situação se deteriorasse era o fato de as Forças Armadas e a polícia não terem recebido salários há muito tempo.

O Banco Mundial não pode transferir dinheiro para esse tipo de situação. O Fundo de Construção da Paz pode e agiu com rapidez, o que contribuiu para que a situação começasse a melhorar.

Em Guiné-Bissau, que agora tem um excelente primeiro-ministro e começa a se estabilizar, eles vão organizar uma mesa de doadores em Bruxelas para que haja uma espécie de círculo virtuoso de melhoria social e econômica. Com recursos relativamente escassos, pode-se fazer uma tremenda diferença.

Patriota foi ministro de Relações Exteriores entre 2011 e 2013

BBC Brasil - Segundo reportagens na imprensa brasileira, a atuação do Brasil na ONU está sendo prejudicada pelo atraso no pagamento das contribuições do país à entidade. Qual a gravidade da situação?

Patriota - Há uma situação específica que é a perda de voto na AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica). Não é uma agência junto à qual eu esteja acreditado. É verdade que, sim, temos atrasos na nossa contribuição ao orçamento das Nações Unidas, mas é natural.

Outros países também atrasam - inclusive os Estados Unidos, que são os maiores devedores de todos. O importante é assegurar o pagamento a tempo e não ter ameaça de perda de votos, o que por ora não existe.

BBC Brasil - O senhor também tem defendido em seus discursos na ONU o empoderamento de mulheres e meninas e a igualdade de gênero. Como os temas se inserem na agenda da organização?

Patriota - Tive uma experiência pessoal em Guiné-Bissau que me sensibilizou muito. Visitei um centro de mulheres que lutam por melhor acesso à Justiça e direitos de propriedades da terra - em vários países africanos, a mulher não pode herdar terras.

Perguntei a elas sua origem, confissão e etnia. Uma era muçulmana, outra cristã, outra balanta, outra de origem portuguesa, mas elas disseram: "Isso aí não é importante para a gente, o que é importante são as nossas reivindicações pelos nossos direitos".

Isso demonstra que a plataforma de gênero ajuda a transcender divisões sociais, que são manipuladas em favor de grupos étnicos, ou em nome de confissões religiosas. Há um tremendo potencial para promover a paz associada à promoção da igualdade de gênero.

BBC Brasil - O debate sobre a reforma do Conselho de Segurança da ONU se arrasta há 20 anos sem que haja sinais de um desfecho próximo. Como destravar o debate?

Patriota - Muitos governos e observadores do mundo acadêmico, da sociedade civil, estão com a expectativa de que os 70 anos da organização propiciem uma oportunidade para o progresso.

Serão 50 anos desde que a última expansão do Conselho ocorreu de 11 para 15 membros não permanentes. Essa expansão se deu a partir de um processo de baixo para cima: foi uma resolução da Assembleia Geral, que não contou com o apoio dos membros permanentes.

É possível imaginar um processo de baixo para cima com as maiorias necessárias que produza resultados no septuagésimo aniversário. A comunidade internacional já foi capaz de ampliar outros grupos. O G7 (grupo das sete maiores economias globais) virou G20, o FMI (Fundo Monetário Internacional) teve a reforma das cotas.

Na OMC (Organização Mundial do Comércio), Canadá, EUA, União Europeia e Japão meio que pré-costuravam acordos. Hoje essa dinâmica foi alterada, então não é uma coisa impossível.

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