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TJ rejeita estupro porque menina aparentava ser mais velha

Segundo especialista, a partir de agora, em São Paulo, “qualquer abusador sexual poderá explorar crianças e adolescentes e para ficar impune poderá justificar que não sabia que eram menores de idade”

3 jul 2014 - 23h30
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O Tribunal de Justiça (TJ) do Estado de São Paulo inocentou um homem acusado de estupro de vulnerável por considerar que a vítima, menor de 14 anos, era prostituta. A sentença foi dada pela 1ª Câmara Criminal Extraordinária do TJ em 16 de junho e ainda cabe recurso pelo procurador-geral de Justiça do Estado, Márcio Fernando Elias Rosa. 

O favorecido pela decisão é o fazendeiro G. B., hoje com 79 anos, morador da pequena Pindorama, na região de São José do Rio Preto. Ele foi preso em fevereiro de 2011 com duas meninas, de 14 e de 13 anos. Ele saía de um canavial, com as garotas dentro de sua caminhonete, quando a PM, acompanhada por conselheiros tutelares, o abordou. As meninas disseram que receberam dinheiro – R$ 50 a de 14 anos, e R$30 a de 13 – para fazer programa. A relação sexual foi comprovada com a menina de 13 anos. Preso em flagrante por favorecimento à prostituição de menores e estupro, o fazendeiro saiu da cadeia depois de 40 dias.

Julgado em primeira instância, B. foi condenado a oito anos por estupro de vulnerável e absolvido pelo crime de favorecimento à prostituição. Mas ao analisar recurso impetrado pelo Ministério Público contra a absolvição em primeira instância, o TJ decidiu inocentar o fazendeiro das duas acusações. Para os desembargadores a compleição física da garota, acostumada à prostituição e consumo de bebidas, levou o fazendeiro a cometer erro sobre a idade dela.

Segundo o acórdão do TJ, os desembargadores decidiram, por maioria de votos, negar o recurso do MP e rejeitar a condenação do fazendeiro pelo crime de estupro de vulnerável –artigo 217-A do Código Penal – com fundamento no artigo 386 do Código de Processo Penal por não constituir fato de infração penal e não prova suficiente para condenação do réu. 

No processo, o relator Airton Vieira, embora reconheça o caráter de presunção absoluta de violência para estupro de menor de 14, acolhe a defesa do fazendeiro ao alegar que o mesmo teria sido levado ao erro sobre a idade da menina, devido à experiência mental dela com a vida sexual e a prática da prostituição que levava e a diferia das outras meninas da mesma idade. “(...) Justamente pelo meio de vida da vítima e da sua compleição física é que não se pode afirmar, categoricamente, que o réu teve o dolo adequado à espécie”, diz o relator ao justificar o voto.

Representantes dos órgãos dos direitos da criança e do adolescente criticaram a decisão do TJ. “Não há crime de estupro conta criança. O que há é exploração sexual de criança. Esse homem deveria ser condenado por exploração sexual de criança, um crime hediondo”, afirmou a presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Miriam Maria José do Santos. Segundo ela, a Justiça deixa de cumprir seu papel na defesa das crianças e adolescentes. “É triste ver que existem tribunais no País com representantes que ainda não cumprem o Estatuto da Criança e do Adolescente e o artigo 227 da Constituição Federal, que estabelece que é dever do Estado proteger a criança e o adolescente e colocá-los a salvo da exploração e da violência”, afirmou.

Membro do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e fundador da Comissão Especial da Criança da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o advogado Ariel Castro Alves disse que a decisão do TJ é uma “licença para a exploração das crianças e adolescentes”. “Esses desembargadores afrontaram a legislação e jurisprudência e violaram o princípio de proteção integral previsto na Constituição e no ECA”, afirmou. Segundo ele, a partir de agora, em São Paulo, “qualquer abusador sexual poderá explorar crianças e adolescentes e para ficar impune poderá justificar que não sabia que eram menores de idade”, disse.

Duas conselheiras tutelares de Pindorama disseram que as duas meninas não eram prostitutas. Com medo de serem retaliadas, elas não quiseram ser identificadas, mas afirmaram que as duas garotas “eram usuárias de drogas, mas não eram prostitutas”, afirmaram. Segundo uma delas, a garota mais velha, que tinha 14 anos na época, conseguiu deixar as drogas, se casou e está grávida. “Ela está morando em outra cidade”, disse uma conselheira. Segundo ela, a outra menina, que tinha 13 anos, continua usando drogas.

A reportagem procurou o advogado Edervek Delalibera, que defende o fazendeiro, mas não conseguiu seu contato.

Fonte: Especial para Terra
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