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STF não teme ser excomungado por julgar aborto, diz ministro

8 mar 2009 - 14h51
(atualizado às 14h54)
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Laryssa Borges

Direto de Brasília

O ministro Marco Aurélio Mello, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse ao Terra não temer que os religiosos venham excomungar os integrantes do STF por eles, eventualmente, julgarem a legalidade da suspensão de gestações. A mais alta corte do País pretende passar ao largo das pressões caso tenha que se posicionar sobre tais assuntos incendiários na visão da Igreja. Nesta semana, a realização do aborto em uma menina de 9 anos grávida de gêmeos por suposto estupro do padrasto e a reação da Igreja Católica de falar em excomunhão dos médicos e parentes que apoiaram a interrupção da gravidez foi assunto de Norte a Sul.

Relator de um dos mais polêmicos processos na Suprema Corte, o da legalidade de aborto no caso de fetos anencéfalos, o ministro avalia que são "exacerbadas" a postura da Igreja de condenar o aborto da menina, embora a interrupção da gravidez estivesse prevista em lei, e a iniciativa do arcebispo de Olinda e Recife, d. José Cardoso Sobrinho, de anunciar as excomunhões.

Ele observa, no entanto, que a repercussão do episódio em Pernambuco não deverá ser levada em consideração quando o STF se debruçar sobre a possibilidade de paralisação das gestações de fetos com más formações cerebrais. O julgamento sobre o aborto de anencéfalos deve ocorrer nos próximos três meses.

"Respeito toda e qualquer manifestação, embora possa não concordar com ela. A visão da Igreja nesse caso concreto é uma visão religiosa talvez exacerbada. A lei maior é a lei posta pelos homens e é a que norteia o julgamento dos processos. Nossa jurisdição não é eclesiástica", ressaltou Mello. "(Nós, ministros do Supremo,)esperamos não ser excomungados. Temos uma visão muito aberta às coisas, mas o valor é a Constituição Federal para nós do Judiciário e não emana da religião", observou o magistrado.

Apesar de sentar a poucos metros de um Cristo crucificado no Plenário do STF, o ministro disse acreditar que todos na Suprema Corte são "imunes" a pressões religiosas, por mais estardalhaço que façam os integrantes da Igreja Católica. "Somos imunes a pressões. Por isso que ocupamos uma cadeira vitalícia (no STF). (A escolha de uma religião) depende da concepção de cada qual, mas a independência dos julgamentos, segundo a formação técnica e humanista de cada ministro, prevalece", comentou.

Em maio do ano passado, quando concluiu a análise de outro julgamento com forte embate entre política e religião, o STF decidiu liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias, mas fez a ressalva que não discutia, na ocasião, uma eventual legalização do aborto. Na época, Marco Aurélio lembrou da dificuldade de se definir a origem da vida e disse que o STF deveria colocar em segundo plano "paixões de toda ordem de maneira a buscar os princípios constitucionais". Naquele julgamento, em uma votação controversa, o Supremo decidiu, por seis votos a cinco, autorizar a utilização de células-tronco de embriões para aplicação em pesquisas científicas e terapias.

Ainda que a decisão seja impopular, o arcebispo de Olinda e Recife, d. José Cardoso Sobrinho, observa que a excomunhão para profissionais que realizam abortos e mães que optam pela prática é uma penalidade "automática", conforme prevista no Código Canônico. "Eu apenas relembrei que quem comete aborto já está excomungado. Não fui eu, d. José, que apliquei essa penalidade. Porque houve um estupro, eu posso agora praticar um aborto? É um princípio muito importante da lei da Igreja, e nós não podemos praticar o mal para conseguir o bem, digamos assim", defendeu o religioso em entrevista ao Terra Magazine.

"A Igreja diz que para salvar uma vida nós não podemos suprimir outra vida. Para salvar a vida da mãe, não é lícito matar os inocentes que estão no seio materno. É um princípio fundamental da lei natural, isto é, os fins não justificam os meios. Eu tenho uma finalidade boa, salvar a vida daquela jovem que está grávida, mas para fazer isso não é lícito suprimir a vida de dois inocentes", explicou o arcebispo.

Em nota de repúdio contra a postura da Igreja diante do estupro da menina em Pernambuco, o Movimento Católicas pelo Direito de Decidir observa que a Arquidiocese de Olinda e Recife e outras instituições que se mostraram contrárias à interrupção da gravidez da menina de 9 anos agem com "pura crueldade" por manifestar uma "intransigente defesa de princípios abstratos e de valores absolutos que, quando confrontados com a realidade cotidiana, esvaziam-se de sentido e, principalmente, da compaixão cristã".

"Seria possível imaginarmos o que Jesus Cristo diria a essa menina? Seria ele intolerante, inflexível e cruel a ponto de dizer a ela que sua vida não tem valor? Se essa criança - que tem existência real e concreta, com uma história de vida, relações pessoais, afetos, sentimentos e pensamentos, enfim -, se essa menina não merece ter sua vida protegida, trata-se de defender a vida de quem? De uma vida em potencial ou um conceito, uma abstração?", questiona a entidade.

Procurada, a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) disse que não se manifestaria sobre a postura do arcebispo pernambucano de decretar a excomunhão dos médicos e parentes da garota.

Fonte: Terra
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