PUBLICIDADE

Sensação de 'mal estar' social contribui para protestos

17 jun 2013 - 17h58
Compartilhar

A onda de protestos realizada em inúmeras cidades brasileiras na semana passada é motivada por uma sensação de "mal-estar coletivo", compartilhada em especial pela juventude das grandes cidades.

Na opinião da maioria dos especialistas ouvidos pela BBC Brasil, o fenômeno é mais social do que político e concentra-se nas regiões metropolitanas, onde as sucessivas políticas públicas executadas por governantes locais teriam deixado de atender aos principais anseios da população, sobretudo os mais jovens.

Eles, no entanto, refutaram uma comparação com a chamada Primavera Árabe, a onda de protestos ocorrida no Oriente Médio, que resultou na derrubada de regimes autoritários.

Na semana passada, manifestantes tomaram as ruas de pelo menos seis cidades brasileiras para protestar contra o aumento das tarifas do transporte público. Em São Paulo, na quinta-feira, a polícia reprimiu uma passeata e acabou ferindo várias pessoas, incluindo jornalistas.

No sábado e domingo, novos protestos voltaram a ocupar o noticiário nacional, dessa vez nas imediações dos estádios de Brasília (Mané Garrincha) e Rio de Janeiro (Maracanã) onde foram realizados os primeiros jogos da Copa das Confederações.

Novas manifestações foram marcadas para esta segunda-feira.

Motivações

Em suas interpretações sobre as causas dos protestos, sociólogos e cientistas políticos destacam a insatisfação dos jovens com a administração pública e com as condições de vida nas grandes cidades.

"Existe uma espécie de mal-estar difuso, sem um foco claro. Há uma espécie de ressentimento e frustração de ordem social, alimentados por um estilo de gestão que não oferece diálogo à população", afirmou à BBC Brasil o sociólogo Gabriel Cohn, ex-diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP).

Cohn, porém, acredita que esse mal-estar também reflete "uma insegurança dos jovens em relação a seu futuro. Nos últimos anos, o Brasil passou por profundas transformações, o que gerou fortes expectativas dessa camada social, e há uma ansiedade justificada por parte deles se isso vai se sustentar ou avançar nos próximos anos", acrescentou.

Para o sociólogo Aldo Fornazieri, diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), os protestos são uma crítica à mobilidade urbana, sobretudo por parte dos jovens, que se ressentem da falta de representatividade nas diferentes esferas de administração pública.

"As manifestações refletem uma insatisfação sobre o modo sufocante de viver nas grandes cidades, cada vez mais hostis à população em geral. Isso cria uma espécie de uma anomalia social, uma sensação de não pertencimento. Para piorar, o poder público não está conseguindo garantir qualidade de vida aos moradores dos grandes centros urbanos", disse Fornazieri, que diz conhecer alguns dos líderes do MPL, aos quais deu aulas.

"A principal bandeira é o transporte público porque o jovem ─ especialmente o de classe média baixa ─ que muitas vezes precisa trabalhar e estudar, é o mais afetado por tudo isso. Essa situação gera uma angústia na juventude, que não se vê representada nem nos sindicatos nem nas associações estudantis, pois estes estão relativamente acomodados em suas conquistas", acrescentou.

A socióloga Angela Maria Araújo, da Unicamp, concorda em parte. Ela vê as manifestação como um protesto dos jovens contra a gestão da cidade e à falta de perspectivas geradas por uma educação deficiente.

Para ela, o movimento está principalmente relacionado "a um descontentamento dessa parcela da população mais jovem com as condições em que vivem nos grandes centros urbanos. O transporte é de péssima qualidade e o trânsito, caótico", disse.

"Além disso, as escolas não dão resposta às expectativas desses jovens", acrescentou.

Já o cientista político Ricardo Ismael, da PUC-Rio, define o protesto como "um movimento social urbano vinculado à qualidade do transporte público".

"É um fenômeno restrito às regiões metropolitanas que revela uma insatisfação em relação aos governantes, que deixaram de lado as políticas públicas para a melhoria desse setor."

Na avaliação do sociólogo Bolívar Lamounier, os protestos foram incentivados, em parte, por uma "impaciência com a corrupção e com a inflação".

Reação da polícia

De acordo com os analistas, a reação da polícia às manifestações, especialmente em São Paulo, acabou por dar musculatura à mobilização popular, atraindo novos adeptos e também novas causas.

"Inicialmente, os manifestantes protestaram contra o aumento da tarifa dos transportes públicos. Naquela ocasião, nem todos apoiavam a causa. Mas, por causa da truculência da polícia, o movimento ganhou simpatizantes, que se solidarizaram às suas causas e também passaram a reivindicar outras propostas", afirmou Ismael, da PUC-Rio.

"Há um sentimento de reivindicação legítima, e a maneira como o governo vem tratando a questão não é a mais adequada no ambiente democrático", acrescentou.

"Apesar de não vivermos em um regime autoritário, vemos o avanço real de forças truculentamente conservadoras na sociedade", afirmou Cohn, da USP.

Primavera Árabe?

Embora admitam que a convocação dos protestos por meio das redes sociais é similar ao da Primavera Árabe, os especialistas descartaram uma semelhança mais profunda com a onda de protestos que varreu o Oriente Médio e, mais recentemente, a Turquia.

"Diferentemente da Primavera Árabe, as manifestações aqui não são contra o governo instalado", disse Araújo, da Unicamp.

"Eles não querem derrubar o governante, mas serem ouvidos, ou seja, que a política pública exista através do diálogo", defende Ismael, da PUC-Rio.

Entretanto, os analistas ouvidos pela BBC Brasil têm visões diferentes sobre a vocação política das manifestações.

Falando sobre os protestos ocorridos em São Paulo, Cohn diz que não vê insatisfação política pois, em sua opinião, os manifestantes não advogam "grandes causas".

"Quem é o objeto das manifestações?", questiona. "O movimento é fraco politicamente porque é muito reativo, pois não propõe ou defende questões reais. Trata-se apenas de um estímulo para reagir e correr para a rua. Uma ação propositiva faria mais sentido", afirmou.

Ismael, da PUC-Rio, discorda. Para ele, existe um descontentamento "político" pela crítica aos governantes.

"Não é porque as manifestações não pediram a renúncia de um determinado governante que não existe vocação política por trás dessas mobilizações popularares", afirmou.

"Eu diria até que foi esse apartidarismo que vem unindo mais e mais manifestantes. Caso contrário, se fizesse escolhas políticas, o movimento certamente perderia força", avaliou.

Já Bolívar Lamounier diz acreditar que, em São Paulo, o protesto foi insuflado por "grupos trotskistas" e que tem como alvo o governador do Estado, Geraldo Alckmin.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
TAGS
Publicidade