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Sem GPS nem mapa, mecânico quer pedalar do Rio ao México

19 set 2014 - 07h25
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<p>Bagageiro é de madeirite naval. Se molhar, não estraga</p>
Bagageiro é de madeirite naval. Se molhar, não estraga
Foto: Secom de Cuiabá / Divulgação

A trilha do mecânico carioca Cláudio Heleno Rodrigues Oliveira, de 44 anos, bem que poderia ser A Vida do Viajante, de Luiz Gonzaga. “Minha vida é andar por esse País”, diz ele, corrigindo apenas que não fica somente em território nacional e cumpre toda a quilometragem de bicicleta.

Há um mês ele saiu do Rio de Janeiro, onde tem casa fixa, na “Expedición Sudamerica II - Salve El Planeta” e, de passagem por Cuiabá (MT), conta que o destino desta vez é o México. Por onde passa, o ciclista deixa duas mensagens: andar de bicicleta faz bem à saúde e proteja o meio ambiente. “Escolhi o nome da expedição em espanhol porque vou rodar boa parte do caminho em países de língua espanhola”, justifica.

Na caixa de madeirite naval acoplada à bike leva um tênis sobressalente, uma sandália, algumas poucas roupas, recortes de matérias de jornais através dos quais prova sua idoneidade quando vai pedir apoio, uma barraca e algumas peças de reposição do seu meio de transporte.

Desde a infância, ele sempre gostou de andar de bike. Filho de uma família pobre, morador de uma região periférica em Jacarepaguá, desde pequeno pedalava até mais do que andava. “Só ganhava bicicleta, de aniversário e de natal. Todo mundo sabia que eu amava”, relembra o carioca da gema, cheio de sotaque. “Há 40 anos, Jacarepaguá era como uma fazenda e eu ia para a praia de bicicleta. Como meu bairro era afastado, quando comecei a trabalhar, aos 14 anos, ia e voltava do trabalho pedalando e por aí vai”.

<p>Para levar a vida na estrada, Claudio depende de doações e apoios</p>
Para levar a vida na estrada, Claudio depende de doações e apoios
Foto: Facebook / Reprodução

Essa coisa de viajar e fugir da tensão da vida convencional aconteceu a primeira vez aos 13 anos. “Cheguei perto de São Paulo em uma semana, em uma rodovia péssima, cheia de carros”, conta. “Isso com uma Caloi berlineta aro 20. Quem tiver uma dessas ainda hoje saiba que tem uma relíquia, uma peça de museu”, brinca. A mãe dele, que já sabia o filho que tem, foi seguindo o rastro. “Ela me achou por causa de uns fofoqueiros que ia encontrando no caminho, nem precisou de polícia”.

Fome ele não passou, porque lábia é o que não lhe falta. “Saber bater papo é uma qualidade de família. A minha família tem um problema que é não aguentar ficar de boca fechada muito tempo. Então eu falo mesmo, gasto meu latim. Assim eu chegava nos restaurantes de beira de estrada e pedia. Nem preciso dizer como isso acabou, não é? Minha mãe me achou e eu tomei uma coça, meu irmão”.

A segunda expedição foi do Rio para Juiz de Fora (MG), na casa de uns parentes, mas dessa vez em uma viagem mais planejada. Com uma Caloi 10 que ganhou de natal, fez o trecho em 4 dias apenas. Dinheiro não tinha. “Já viu adolescente, filho de gente pobre, ter dinheiro? Mas eu dava um jeito”.

Depois de pequenas viagens, Cláudio voltou a trabalhar de mecânico. Fez cursos de aperfeiçoamento, casou duas vezes, mas não conseguia esquecer o bem estrar que sente quando viaja de bicicleta, conhecendo lugares, pessoas, culturas. “Resolvi dar mais umas viajadas e fui a Brasília, Salvador, Argentina”.

Nessa época, já usava uma bicicleta exótica que ele mesmo construiu. A peça mereceu um espaço em uma feira, no Rio de Janeiro, chamada Riocentro, que reúne stands de produtos e serviços de várias partes do mundo. “Infelizmente a bike se perdeu, porque sofri um acidente e ela se partiu. Mas a tecnologia era uma coisa extraordinária. O povo nem pensava em bike com suspensão e a minha já tinha na dianteira e traseira”.

Cláudio perdeu as contas de quantos dias gastou para fazer essas viagens, porque foi parando, mudando a rota, curtindo indicações de caminhoneiros, taxistas, pessoas comuns que, quando ficam sabendo da trajetória do ciclista, param para fazer o que ele mais gosta na vida que é bater altos papos.

Quando a mulher do ciclista engravidou, a família resolveu mudar para Santana de Parnaíba, na região metropolitana de São Paulo, que é um lugar mais sossegado. “Queria qualidade de vida para minha filha. Nessa época, larguei o ciclismo mesmo, para trabalhar, mas não passava aquela vontade de voltar às estradas. Nos finais de semana, viajava para Bertioga (na baixada santista), mas era pouco”.

O casamento não deu certo, veio a separação, problemas de saúde e depressão. “Voltei a pedalar e hoje estou curado”, assegura. “Daí pensei, por que não unir o útil ao agradável? Ou seja: viver assim e disso”.

<p>O povo de cada lugar é o que mais encanta o ciclista</p>
O povo de cada lugar é o que mais encanta o ciclista
Foto: Facebook / Reprodução

Cláudio não tem patrocinador, mas onde chega recebe doações e apoios. Em Cuiabá mesmo está hospedado em um bom hotel, no centro da cidade, com apoio da Prefeitura. Ele foi à Secretaria Municipal de Esportes e convenceu que seu projeto não é apenas um delírio pessoal, mas tem um propósito.

Nessa sexta-feira (19) de manhã dará adeus a Cuiabá rumo a Rondônia, próxima parada antes das muitas até chegar ao México. E não leva mapas. “Eu conheço geografia muito bem, eu sei onde tenho que ir. Pelo caminho vou me informando com caminhoneiros, polícia rodoviária, sobre a cidade, onde consigo apoio, se tem restaurante próximo e tudo que precisar saber. Não tenho GPS, o que tenho é perguntex”, brinca. “O GPS te mostra o caminho mas não te diz o que tem no caminho. Há uma grande diferença entre as duas coisas”.

Assim Cláudio já cruzou oito países pedalando, todos da América do Sul, exceto o Chile. O que mais o impressionou é a diferença entre a imagem que temos desses povos e suas culturas e a realidade. “ Fiquei surpreso quando saí do Brasil e cheguei à Venezuela, por exemplo. Na época a gente só escutava na televisão sobre o Hugo Chávez e a conflituosa transição política. Pensei que ia ter grandes dificuldades, o risco de violência, mas foi totalmente o contrário, fui muito bem recebido, na paz.”

Cláudio também achou que fosse encontrar hostilidade na Argentina, mas não foi isso que aconteceu. “Dizem que brasileiro não gosta de argentinos e vice versa, mas que mentira! Conversei com todo mundo, fui muito bem recebido, conversei com idosos, foi muito legal”.

Em contrapartida, reparou que lá também quase todos pensam que o Brasil é um país violento. “Expliquei que não, que aqui a maior parte das pessoas são da paz, trabalhadoras e tal. Percebi que o Brasil é mais que a violência, que a Venezuela é mais do que uma ditadura, que a Colômbia é mais do que o tráfico de drogas, são povos maravilhoso, culturas interessantes”.

A proposta de vida dele é bem diferente. Seria ele criticado por causa disso? “O objetivo de uma pessoa comum na minha idade geralmente é ter sua casa, estar estabilizado economicamente e emocionalmente mas não me vejo assim. Me vejo como uma pessoa livre e que hoje quer estar aqui e outro dia ali. Tenho minha casinha no Rio, próximo da família, da minha única irmã, mas prefiro viver a vida como Deus me deu, livre, fazendo um trabalho do bem, viajando de bicicleta pelo mundo”.

Segundo ele, o planeta está morrendo e a conscientização quanto a isso é uma questão de sobrevivência. “É desmatamento, poluição, contaminação de nascente, uso indevido do solo, agrotóxicos, extração ilegal de madeira. Assim não dá, estamos vivendo os últimos dias na face da terra. Quero deixar um legado para minhas duas filhas, uma de 26 anos e outra de 10, e netos. Mudar essa situação é muito difícil, mas cada um mudando seu jeito, a gente pode frear gradualmente e ir revertendo aos poucos”.

Na história amorosa, ele coleciona dois casamentos e “um monte de enroscos”, sendo alguns “namoriscos” com mulheres fora do Brasil. No caminho para o México, por exemplo, vai se encontrar com uma das “amigas” no Peru, para passar “uns dias agradáveis com ela”. Assim como as culturas são diferentes, segundo ele, as mulheres também são.

Quem quiser apoiar a expedição de Cláudio pode enviar um e-mail para claudiohroliveira@gmail.com ou depositar qualquer quantia em sua conta (Banco Santander. Conta poupança: 60000819-1. Agência: 0724).

Fonte: Terra
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