PUBLICIDADE

Sem apoio dos governos, animais abandonados lotam abrigos

Com recursos escassos e pouco apoio de governos, ONGs se desdobram para manter milhares de bichos de estimação

14 jul 2014 - 13h10
(atualizado às 14h52)
Compartilhar
Exibir comentários
<p>De Norte a Sul do Brasil, são voluntários que socorrem animais vítimas de maus-tratos e rejeitados por antigos donos, na maioria das vezes sem o apoio dos governos</p>
De Norte a Sul do Brasil, são voluntários que socorrem animais vítimas de maus-tratos e rejeitados por antigos donos, na maioria das vezes sem o apoio dos governos
Foto: Mauro Pimentel / Terra

Mesmo com as contas da sua entidade protetora de animais no vermelho, acumulando uma dívida de R$ 15 milhões, Izabel Cristina Nascimento, presidente da Sociedade União Internacional Protetora dos Animais (Suípa), organização não-governamental do Rio de Janeiro com um dos mais populosos abrigos de cães e gatos do País, não hesitou em gastar mais R$ 720 com transporte e veterinário para socorrer o cavalo Pezão, achado com fratura exposta na pata em uma rua da cidade de São João de Meriti. Nervosa, assim que a equipe do Terra chegou à sede da unidade, no Jacarezinho, zona norte do Rio, ela se apressou em mostrar o animal, que, em um ato de ironia, recebeu o nome do governador, Luiz Fernando Pezão (PMDB). O cavalo ganhou uma tala na perna e, ao lado de canis onde latiam centenas de cães, tentava se levantar. “Se eu tiver que vender alguma coisa para cuidar dos animais, uma roupa, um tênis, eu vendo. A gente pede esmola, faz qualquer coisa”, diz Izabel.

A cena explica bem o esforço que ONGs têm feito para cuidar de milhares de animais abandonados no País. De Norte a Sul do Brasil, são voluntários que socorrem animais vítimas de maus-tratos e rejeitados por antigos donos, na maioria das vezes sem o apoio dos governos. Além da boa vontade e abrigos superlotados de bichos, eles têm outra coisa em comum: as dificuldades financeiras para se manter, já que têm gastos elevados e as dívidas se acumulam. E fazem coro: prefeituras e governos deveriam ajudar a cuidar do problema dos animais abandonados, já que a Constituição Federal diz que é dever comum da União, Estados e municípios preservar a fauna e a flora.

Abrigando nada menos que 3.150 cães e 800 gatos em uma área construída de cerca de 5,4 mil metros quadrados, a Suípa é uma das ONGs de proteção de animais mais antigas do País, fundada em 1943. A área disponível para os bichos é maior, mas, por falta de recursos, a ONG não consegue construir canis e gatis adequados para todos. Com isso, centenas de cães se espremem na parte antiga do abrigo, dormindo no cimento em uma área comum ou apertados em caixotes de feira. Os cães e gatos aproveitam todos os espaços do abrigo e estão em todos os corredores - até mesmo na sala onde o pessoal do administrativo trabalha.

Animais abandonados sobrecarregam abrigos em todo o país:

Na parte mais nova, em um terreno vizinho doado por uma empresa de tintas, foram construídos um gatil, um centro cirúrgico, 40 canis individuais e 40 canis coletivos, que comportam cerca de 700 cães. Segundo a Suípa, estas unidades foram feitas pela prefeitura, mas o gatil foi entregue sem condições adequadas de funcionamento e hoje não abriga nenhum gato. “A Justiça do Rio já condenou o município a construir um abrigo para receber os animais para tirar o excedente da Suípa”, disse a advogada da ONG, Abigail Barbosa. Questionada sobre a ação na Justiça, a prefeitura do Rio não se manifestou, mas informou que possui dois abrigos, com 300 cães, 350 gatos e 16 cavalos. O município admitiu que não há hoje estrutura disponível para abrigar todos os animais que estão na Suípa. “Nosso desejo é que a Suípa consiga resolver suas questões administrativas e judiciais para continuar ativa, já que é um importante parceiro na causa animal”, afirmou a Secretaria Especial de Promoção e Defesa dos Animais.

As despesas mensais da Suípa impressionam: são gastos R$ 300 mil mensalmente com folha de pagamento (há cerca de 150 funcionários), R$ 10 mil com água, R$ 18 mil com energia elétrica e R$ 12 mil de gás para o forno crematório. Isso sem contar o dinheiro necessário para comprar aproximadamente 30 mil quilos de ração a cada 30 dias. A conta fecha, todo mês, em R$ 40 mil no vermelho, pois as doações dos associados não são suficientes. 

Mas é a dívida de R$ 15 milhões com o governo federal, referente ao imposto patronal do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) não pago à União, que mais preocupa. “Em 1945, o presidente da República deu para a Suípa o título de utilidade pública, pelo trabalho que fazemos para a população, e em 1975, o certificado de fins filantrópicos, pelo trabalho de conscientização que fazemos nas escolas. Em 1995, nos tiraram os dois títulos e começamos a ser obrigados a pagar impostos ao governo federal, como se fôssemos uma empresa comum. O caso já está em fase de execução fiscal. Agora, corremos o risco de fechar as portas”, lamenta Izabel. A Suípa aguarda decisão do governo federal sobre o pedido de perdão da dívida e isenção de futuros impostos.

Em São Paulo, prefeitura também não ajuda

Gastos que não param de crescer, assim como o número de animais deixados nas suas portas, são a realidade de vários abrigos no País. Em São Paulo, a União Internacional Protetora dos Animais (Uipa), também fecha constantemente no vermelho e gasta entre R$ 150 mil e R$ 200 mil por mês entre salários de funcionários, ração, água, medicamentos e material de limpeza. A dívida trabalhista da entidade, a mais antiga do Brasil, fundada em 1919, chega a R$ 2 milhões.

Com um abrigo de cerca de 9 mil metros quadrados no bairro do Canindé, a Uipa acomoda aproximadamente 900 cães e gatos. A situação já foi pior. “Chegamos a ter 1.693 animais há nove anos. Era muito ruim, porque não havia nenhum canil individual”, conta a presidente da Uipa, Vanice Teixeira Orlandi. Segundo ela, a prefeitura doou o terreno onde funciona o abrigo, mas não contribui com os gastos mensais da Uipa. “A prefeitura me procurou para fazer uma parceria há três anos. Eles queriam mandar para cá os animais atropelados, mas não iam contribuir com material cirúrgico. E nós recebemos aqui animais trazidos pela Polícia Militar e pela empresa municipal de trânsito. A gente supre a omissão do poder público. Eram eles que deveriam estar fazendo nosso papel”, afirma Vanice.

A prefeitura de São Paulo disse que os Centros de Controle Zoonoses recolhem animais abandonados das ruas apenas quando eles agridem pessoas, invadem instituições públicas ou colocam em risco a saúde pública ou se estiverem em estado de sofrimento com doença incurável. E que eles são tratados e colocados para adoção.

Em Salvador (BA), até festivais de tortas são feitos para angariar fundos para o mais populoso abrigo da cidade, a Associação Brasileira Protetora dos Animais - seção Bahia (ABPA-BA), que diz não contar com a ajuda de nenhuma entidade pública ou privada. Trezentos cães e 200 gatos convivem em uma área de 1 mil metros quadrados em um abrigo do subúrbio ferroviário da capital baiana - a ONG prefere não divulgar o bairro, pois diz que, se a população descobre o endereço da unidade, abandona bichos no portão da entidade.

Segundo a presidente da ABPA, Urânia Almeida, o espaço não é adequado para os animais. “A gente faz o que pode, arruma um cantinho aqui, outro acolá e faz o que dá. Não temos condições de comprar um terreno maior. Se tivéssemos uma área de 3 mil metros quadrados, poderíamos ter áreas de recreação mais adequadas, com mais espaço, o que ajudaria na socialização e na redução de agressividade deles, além de evitar que eles fiquem gordinhos por falta de exercício”, explica Urânia. A prefeitura de Salvador diz que não tem abrigos para animais domésticos e que não tem política de ajuda financeira a ONGs de proteção.

Em Caixas do Sul (RS), um abrigo que ficou famoso depois de ter sido apelidado de “favela dos cachorros” só conseguiu apoio da prefeitura depois que a situação dos animais abandonados na cidade foi parar na Justiça. Na Sociedade Amigos dos Animais (Soama), a maioria dos 1,6 mil cães vive presa por curtas correntes a casinhas de madeira em um terreno de 15 mil metros quadrados. Segundo uma das diretoras da Soama, Natasha Oselame Valente, a ideia de acorrentar os bichos às casinhas foi um erro cometido pelas fundadoras da entidade quando a criaram, em 1998, por falta de conhecimento sobre a melhor maneira de abrigar os bichos. “Aos poucos, fomos tentando construir canis, mas vimos que isso custa muito dinheiro. O terreno não é cercado. Hoje apenas parte do terreno é murado. E na outra parte, há um arame farpado, por onde os cães podem passar se estiverem soltos”, explica Natasha. As brigas de cães que conseguem se soltar das correntes são frequentes. 

Depois de uma ação judicial impetrada pelo Ministério Público anos atrás, a prefeitura de Caixas do Sul foi obrigada a dar R$ 56 mil por mês à Soama para manter o abrigo, mas o valor cobre apenas metade dos gastos mensais. Agora a ONG aguarda o município fazer obras no abrigo, já que depois de acordo firmado com o MP em 2014, a prefeitura tem até junho de 2015 para construir muros e canis adequados no terreno da Soama. A prefeitura de Caxias do Sul informou que está elaborando um projeto para a área da Soama, com canis e unidades administrativa e de castração.

Maus-tratos aos animais – Caso Yorkshire, pet shop quatro patas e outros Maus-tratos aos animais – Caso Yorkshire, pet shop quatro patas e outros

Fonte: Terra
Compartilhar
TAGS
Publicidade
Publicidade