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Reforma faz 10 anos, mas manicômios judiciários não mudaram

3 set 2011 - 19h37
(atualizado às 19h40)
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Daniel Favero

Psiquiatras, Poder Judiciário, ONGs e até o governo federal reconhecem sérios problemas nos Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP) do Brasil, os antigos manicômios judiciários, que na prática, nestes 10 anos da reforma psquiátrica, só mudaram de nome. Estes locais abrigam doentes mentais que cumprem medidas de segurança por incapacidade de entender o crime que cometeram.

Os problemas têm sido identificados há anos em visitas do Conselho Nacional e Justiça (CNJ), relatórios do Ministério da Saúde e da Associação Brasileira de Psiquiatria, além de denúncias feitas por ex-funcionários desses HCTPs e ONGs que militam em defesa dos diretos humanos.

Denúncias mais graves foram feitas recentemente contra o HCTP de Franco da Rocha, na região metropolitana de São Paulo, onde sete pacientes fugiram cavando um buraco no final de semana passado. Segundo relataram ao Terra ex-funcionários e integrantes de entidades de defesa dos direitos humanos, os internos estariam sendo submetidos a um regime de presídio, com torturas, e supressão do tratamento psiquiátrico.

"Eles não são presos. Foram absolvidos pela Justiça, são pacientes que precisam de cuidados, assim como crianças menores de 12 anos de idade", diz o ex-coordenador de Saúde do Sistema Penitenciário paulista, integrante da ONG Tortura Nunca Mais e conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos, Paulo Sampaio.

Mutirões carcerários promovidos pelo CNJ identificaram que, em Salvador, 88 dos 156 internos aguardavam laudo de insanidade mental. Para sensibilizar as autoridades sobre as condições do hospital, o HCTP baiano foi cenário de um filme chamado A Casa dos Mortos. Na unidade de Itamaracá (PE), uma paciente esperava julgamento há 12 anos.

Segundo estudo da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) sobre os HCTPs, estes locais são confusos e sem uma política que direcione o tratamento dos pacientes. "Constatamos que nesses últimos oito anos nenhuma medida eficaz foi tomada para a melhora desse triste panorama nacional. A simples mudança do nome Manicômio Judiciário para Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico em nada transformou a realidade precária na qual se transitam os doentes mentais no limite da total desassistência", diz trecho do relatório da associação publicado em 2010.

Entre as observações constatadas em todas as oito unidades visitadas (SP, AM, RS, BA, PA, RJ e DF), as instalações não atendiam as necessidades mínimas para o tratamento, misturando um cenário de punição com tratamento. A falta de médicos era tamanha, que em 2010, perícias já estavam sendo agendadas para 2015. Quando recebiam alta, os pacientes não recebiam suporte do Sistema Único de Saúde (SUS) e acabavam voltando para os HCTPs. Segundo a ABP, isso ensejava "hipóteses de descaso e/ou falta de preparo técnico por parte dos gestores responsáveis pelo setor junto ao poder público".

Os dados mais recentes do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) apontam que 4.250 pessoas cumprem medidas de segurança de tratamento e internação no sistema penitenciário nos 33 HCTPs espalhados pelo Brasil. São 881 leitos psiquiátricos disponíveis em todos os presídios brasileiros. De acordo com os números, 198 psiquiatras são responsáveis pelo atendimento não só dos internos do HCTP, mas dos 496,2 mil detentos abrigados nas prisões brasileiras.

Estudos do Ministério da Saúde atribuem os problemas à resistência da rede de saúde mental, do SUS, das famílias, e dos órgãos de Justiça, que sugerem a reinternação, mesmo quando não ocorre reincidência.

Denúncias
Paulo Sampaio diz que pediu exoneração da coordenação de Saúde do Sistema Penitenciário de São Paulo porque a Secretaria de Administração Penitenciária paulista (SAP) promove opressão, tortura, espancamentos nos HCTPs de Taubaté e Franco da Rocha.

"A pressão está muito grande contra os pacientes. São pessoas que foram absolvidas pelo crime cometido porque são doentes. Só que o sistema penitenciário de São Paulo não os está tratando como doentes, estão torturando, pressionando, afastando da família, e isso criou um clima de tensão. Há mais de 20 anos não víamos isso", denuncia.

Ele acusa a SAP de colocar agentes penitenciários para dirigir os HCTPs, o que fez com que o tratamento e o programa de saída progressiva fossem extintos no Franco da Rocha. "O secretário colocou para dirigir dois hospitais de custódia, dois agentes penitenciários, que não possuem conhecimento de tratamento mental", acusa.

Sampaio diz que já encaminhou à corregedoria de Justiça do Estado de São Paulo denúncias sobre maus tratos e abusos sexuais, mas nada foi feito. A corte informou que os processos são sigilosos, por isso não pôde dar informações sobre o andamento dos mesmos.

A SAP disse que as circunstâncias da fuga em Franco da Rocha estão sendo apuradas e que ocorreram mudanças na direção da instituição em julho deste ano após verificação sobre como eram conduzidos os trabalhos na unidade, que estariam em desacordo com as normas vigentes. "Foram implantadas, portanto, mudanças no sentido de propiciar melhorias nos atendimentos aos pacientes, preservando suas integridades físicas e mentais".

Segundo a SAP, a nova diretoria e os psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais apresentaram novas propostas para implantar "diversas atividades laborais", para atingir um número maior de pacientes e prepará-los para o retorno social, conforme as necessidades de cada um deles.

A secretaria afirma ainda que o servidor que ocupa o cargo de direção tem formação em "Psicologia Clínica, Psicologia Institucional, Grupo Terapêutico e Equipe Multidisciplinar, bem como Transtornos Mentais e possui todos os predicativos necessários para assumir a direção da unidade e desempenhar um importante trabalho com os sentenciados que precisam de acompanhemento psiquiátrico".

Contatada pelo Terra, a Defensoria Pública de São Paulo informou que não recebeu nenhuma denúncia, nem possui investigações sobre casos como os relatados em Franco da Rocha.

Já o Ministério da Saúde informa que instaurou uma força-tarefa para avaliar o funcionamento dos 201 hospitais psiquiátricos que atendem pelo SUS, cujo relatório deve ser elaborado em novembro.

Fonte: Terra
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